13.12.08

60 anos de civilização.

Anteontem comemoramos os 60 anos da declaração universal dos direitos do homem.

Um documento supranacional, motivado pelos horrores do último evento herdeiro da barbárie colonialista e, em última instância, inaugurador de uma nova era da história da humanidade: a segunda guerra mundial.
Nenhuma apologia ao imenso trabalho de elevação do mal absoluto feito durante guerra, mas, não fosse essa, talvez estivéssemos jogando bombas atômicas (que demorariam um tanto a mais para aparecerem) nas cabeças uns dos outros com maior frequência.

Acabada a guerra, as nações entenderam que, se continuássemos no mesmo rumo uma era de destruição sem precedentes começaria. Uma disputa política imensa rachando o planeta entre duas potências militares, duas guerras ditas mundiais, uma nova geração de armas e exércitos e uma última onda de independência entre as antigas colônias que certamente derramariam muito, mas muito sangue eram o cenário a ser enfrentado a partir de 1945.

Em 10 de dezembro de 1948, a recém criada ONU emitiu a declaração. Desde então, toda constituição democrática, toda religião, toda cultura ganharam um documento norteador. Nada, mas nada mesmo, foi criado em 10000 anos de civilização que ganhasse da declaração dos direitos do homem em termos de ultrapassar a barreira da lei do mais forte.

Muitos dizem que hoje as culturas perdem características milenares com o contato com o ocidente. Se contato com o ocidente significa aceitar os direitos do homem, eu acho ótimo! Se algum dia o mundo abolir a extirpação clitoriana feminina de culturas milenares, isso se deverá a um consenso mundial de que todos merecem ser tratados como gente, e não como produtos. Se os genocídios aficanos do anos 1990 causaram indignação é por que ocorreram depois de 1948, quando absolutamente ninguém, NINGUÉM no mundo político se sentiria no dever de expressar seu ultraje.

A declaração dos direitos do homem, se costuma ser deturpada para defender quem não merece ser defendido e está antiquada por não ter incluso o direito a um ambiente equilibrado para as futuras gerações, tem o mérito de ter conseguido adiantar a história da civilização (adiantou demais até, pois afinal 60 anos após criada ela está longe de expressar a ética da maioria da humanidade), e se tornou o instrumento mais poderoso para determinar a forma pela qual os governos e mesmo os indivíduos de todo o mundo deveriam agir. Se coloca acima de pragmatismos, de princípios morais e espirituais, de hábitos e de conceitos filosóficos.

Já foi dito que, se cada um seguisse os princípios da própria religião, o mundo teria paz. E se todos assimilassem os conceitos da declaração dos direitos do homem, o mundo não apenas teria paz, mas também estaria a um passo da felicidade.

Palmas a todos os mortos na guerra impulsionadora deste documento, pois mais do que salvar vidas, evitar a dominação territorial da Europa e evitar o triunfo de uma política baseada na lei do mais forte, eles foram os mártires que inspiraram a criação do primeiro documento no caminho da civilidade.

Civilização é quando a lei do mais forte não é aquilo que guia a vida das pessoas, mas o direito. E após 10000 anos de escrita, agricultura e fim do nomadismo, só há 60 anos podemos começar a chegar no que pode se chamar de humanidade.



Para quem nunca leu, vá conhecer:
http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php

1.11.08

Refazer.

Resolvi revisar todos os meus textos.
Parece absurdo, eu sei. E não estou falando dos textos daqui do blog, cuja vocação para definitivos já stá determinada pelo simples fato de já estarem aqui. Não, me refiro a livros, idéias de contos, historietas, quadrinhos e tudo o mais que minha cabeça fértil já fez. Eles merecem arte-final, correção ortográfica 2.0, eliminação de palavras repetidas, condensação ou expansão...
è imensamente frustrante. Alguns parecem ter sido escritos por uma criança hiperativa disléxica. Outros, por uma tartaruga reumática surda. E além alguns são ótimos, mas precisam de afinação de sabedoria e delimitação de referências para melhor clareza. Além, é claro, de deixar explícito quem fala o quê em cada diálogo, pois quando eu escrevo eu sei quem está falando de cada vez, mas o leitor não vê a imagem do meu cérebro no instante criativo.
Isso tem me tomado um tempo razoável. Um calhamaço supremo bate as duzentas páginas, e isso por que ele não tem divisão de capítulo nenhuma! Coisa aliás a acrescentar.
Desejem-me boa sorte. Quando começamos a refazer os caminhos do passado para criar um novo presente, saem muitas coisas, e algumas delas mordem e nos empurram para novas formas de viver.
Fractais são isso, não é?

22.9.08

Da saudade de tempos não vividos...

O título também é um pedido de desculpas pelo sumiço, ó leitor.

A enorme torrente de novidades dos últimos tempos tem tomado um tempão de mim, e estranhamente, como na maioria da humanidade, isso traz lembranças e correlações bizarras com o passado. É aquele momento de empacotar certas coisas de antes e encontrar a gaveta a que elas pertencem.

E claro, de colocar certas coisas do passado no presente mas em compartimentos diferentes da atualidade. Isso implica em entender esse pedaço de vida e dar novo significado a ele.

Estou em plena crise por cinema causada pelo canal de filmes clássicos e pela descoberta de uma maluca internética (que fez o glorioso favor de fazer DVDs com filmes jamais lançados comercialmente neste formato), alavancada pela redescoberta do bom e velho "Ivan", e me deparo com uma súbita ânsia de criação. Não só de criação de filhotes ou de escrever loucamente, mas de criar fatos e novidades para mim mesmo. E isso aparece graças ao maravilhamento único do (bom) cinema...

Minha lista de filmes recém-assistidos nos últimos tempos é uma mistura de sessão da tarde com genialidade. "As sete faces do Dr. Lao", "As montanhas da Lua" e "Rocketeer" são alguns deles representativos para o texto.

E em todos estes há o saudosismo por uma época não vivída por ninguém que os assistiu. A era vitoriana de "Montanhas da Lua", onde viveu o mais fantástico de todos os cientistas de seu tempo, Sir Richard Francis Burton. Darwin pode ter sido o maior gênio, mas a biografia dele nos faz morrer de sono a maior parte do tempo. A de Burton, dá no mínimo uma série de dez filmes com produções iguais às de "O senhor dos anéis", sem ser preciso acrescentar uma única cena fantasiosa para ter ação ininterrupta.

E ele é um cientista dos meus modelos de vida. Como Cousteau, os irmãos Villas-Boas ou Augusto Rusch, ele viveu suas descobertas, as transformou em novos paradigmas e abriu caminhos para a modernidade e uma ciência completamente nova.

"Dr. Lao" fala do velho oeste, mas de um velho oeste mítico mesmo, com personagens mitológicos atravessando o deserto para mudar a vida de mundanos pioneiros. É memorável, e ninguém se lembra deste filme! Corrijam a injustiça, vós conhecedores dos filmes bons, eu juro que faço uma cópia para vocês até a maldita MGM e seu leão covarde ter coragem e lançá-lo com toda a pompa e cirscunstância merecida.

O oeste nunca me fascinou. Milhões de crianças babavam para ser Billy the kid, e eu estava ligado nas aventuras de Jacques Y. Cousteau. Mas eu entendo a criançada. O velho oeste é um lugar onde tiros resolvem o crime, onde injustiças são punidas imediata e eficazmente, e pode-se ser pistoleiro solitário sem mãe para dar bronca.

Não fosse a violência, alguns diriam que o velho oeste foi o primeiro gênero Nerd do cinema, pois é o escapismo na sua forma mais pura. Quem conhece o gênero pelos sérios filmes atuais, não costuma se lembrar que a fama se devia aos tiros contínuos contra os bandidos e pelo duelo ao fim da tarde, e não aos sérios questionamentos morais de "Os intocáveis" ou "Sangue negro".

"Rocketeer" é a exceção nesta lista. Há testemunhas vivas de seu período. Mas é um filme feito para um público muito mais novo. A ação se passa naquele mesmo período de Indiana Jones, com a ameaça nazista pairando sobre a América e blá blá blá.

Apesar da falta de fidelidade ao quadrinho que lhe deu origem, é um filme divertido, e eu tenho algo com os anos quarenta, uma fascinação Boggartiana com mulheres fatais e sobretudos, além de big bands mandando ver com Cab Calloway. Embora desejasse mais do que tudo ter visto de perto as maravilhas dos anos sessenta em Woodstock, meu saudosismo de vidas-não-lembradas fica na dúvida sobre nascer ou estar com vinte anos em 1945.

E tem Jennifer Connelly.
Jennifer Connelly é a musa suprema. Quando ela apareceu em "Labirinto", aos meros 15 anos, eu tinha 11 e uma paixão impossível. Quando vi "Rocketeer", com ela no papel inspirado na Betty Page (só nos quadrinhos, a produção da Disney trocou o estilo Pin-up poderosa pelo angelical no filme) já não sonhava com ela todas as noites, mas certamente me deu mais gosto pela época.

Deusas de olhos verdes, 1,70 de altura, cabelos castanho claros, queixo delicado mas forte e com pele cor de mármore marcam a vida. Coincidências não existem...

Mas preciso terminar isso aqui ou vou perder o começo de "Quanto mais quente melhor", que passa hoje marcando o anúncio de uma nova exposição fotográfica sobre Marilyn Monroe, aqui em Sampa City.

A arte traz imortalidade...

7.8.08

Onde os fracos não têm vez.

O fantástico "Onde os fracos não têm vez." (assista, é mais uma obra-prima dos irmãos Coen) é apenas uma lembrança adulta, séria e dura do mundo real para começar um texto sobre algo absolutamente oposto.

Emos.
Em algum lugar do passado, quando os gliptodontes tinham que encarar os tigres-dente-de-sabre pelos campos do Brasil, eu passei um amargurado, nada invejável e desgraçadamente vazio ginásio, seguidos de um ano de fuga e quatro anos de colegial em busca de libertação.
Naqueles distantes anos 80, eu era parte da geração que cresceu com a televisão de babá, o Pica-pau e Jonny Quest como modelos de esperteza, Luke Skywalker de herói, Indiana Jones e os Goonies como símbolos de aventura, Rambo como modelo de idiotice e macheza, e principalmente, seriados dos anos 60 divertidos, leves e bobos como passatempo. Isso inclui "Jornada nas Estrelas" e "A Feiticeira".
Isso era um complemento, uma parte do alívio da vida, e não a parte principal do bolo. O recheio eram as brincadeiras na rua, andar pelo bairro e se enfiar em terrenos baldios, inventar guerrinhas de turma, se sujar inteiro de argila tentando fazer um cinzeiro (um cinzeiro!!!) para os pais e ganhar tempo para não voltar à humilhante escola.
Tá, nem tudo eram espinhos na escola. Tinha a galera do muro, hoje seriam chamados de "nerds" do colégio. Tinha a Simone, a Marisa e a Úrsula. Tinha o arranca-toco (uma bola dura, cem pés de criança e um terreno áspero e perigoso onde devia-se chutar, FORTE, para todos os lados, ou ser chutado).
Assim posto, o que resta após uma minuciosa análise é que ali, não havia espaço para ser fraco. Não tínhamos este direito. Não se refugiava na condição de nerd, de intelectual, de queridinho. Ou você sabia responder, reclamar, peitar o cara grande para ele te respeitar (e nunca dava em briga, havia um código de coragem) ou você era maltratado. E mesmo nesta condição, ai de ti se chorasse. Criava-se a casca, e a usava para agredir.
Não, não é saudável.
Mas agora há espaço para isso. Bill Gates libertou os cerebrados, sendo patrão dos descerebrados. Não há briga de gangues de punks com carecas com metaleiros com breakers, pois há inimigos comuns a todos agora: rádios populares de pagode e hip-pop de butique.
Você pode se chamar, olhem só, de Emo, e ser chorão, impopular, delicado e magricelo que há toda uma tribo a te aceitar e chorar com você.
Isso também não é saudável.
Se antes os fracos não tinham vez por que o mundo exigia uma dureza remanescente dos tempos duros dos nossos pais e avós, que viram guerras, plantaram no chão duro e não viam com bons olhos a simplicidade da vida moderna urbana e acomodada, agora esta mesma modernidade urbana cria seres frágeis e que se orgulham disso.
Se uma parcela resolve que seus gostos pelas mesmas fugas escapistas de minha infância são dignas de fãs-clubes e lojas especializadas (qual não foi meu susto ao ler o enorme montante financeiro movimentado pelos fãs do Chewbacca), mas em contrapartida tem cérebros privilegiados para lidar com as complexidades informáticas, outra parcela mais numerosa usa da fraqueza para continuar fraco, e não para explorar o conhecimento da vanguarda tecnológica.
Portanto, se eu sofri pacas durante minha infância, mas hoje eu sei usar uma serra, um facão e ferramentas para fazer um recinto de primatas sob as normas corretas da ambientação, será que o emo-mirim de hoje vai saber fazer o mesmo quando decidir que vai trabalhar? Ele vai mandar outro fazer o que ele não sabe.
Ainda tem muito a explorar sobre isso, mas uma coisa me espantou.
Enquanto buscava amadurecer a idéia de um texto sobre uma geração criada sob o signo da fragilidade e não da soberania sobre si mesmo, uma geração de ovelhas cristãs e não de águias xamãnicas, eu pensei mesmo que era uma libertação, a vitória na cultura pop contra a barbárie, e os emos ocupariam um lugar de destaque por terem acelerado um processo de emancipação, de liberdade de não ter músculos e não ter que aprender a sobreviver na selva, em prol de uma era de contemplação e beleza.
Aí ela lembrou de uma comunidade do orkut, o templo irreal desta geração, e disse mais ou menos o seguinte:
"Quem foi o último fulano com esse jeitão meio maricas, vegetariano, de franjinha de lado, respeitador, amante da beleza, burro como uma porta, conquistador de admiração por sua eloquência ao invés de sua força, que chegou a uma posição de poder que já queria faz tempo e a usou em prol de seus ideais?"
Adolf Hitler.
Todo emo continua como o Ricardo de 10 anos de idade. Sofrendo por não ter poder, louco para se vingar de quem tem, e prontinho a causar enormes injustiças para isso. E se vangloriando por seus defeitos.
A diferença é que eu cresci, e busquei ser eu mesmo, achar minha força interior, achar aquilo no qual eu era bom para não chorar de depressão pelos cantos quando crescesse. E essa geração de fracos não busca isso. Busca cultivar a sensação de impotência, sem ampliar seus horizontes, sem entender que certas coisas são só escapismo, sem aprender, sem questionar.

E que venham as críticas. Quando eu resolvo falar mal de algo, deixo em espera as exceções, as variantes e as pluralidades. O generalismo faz parte da crítica social.

Agora, algo assustador: vi isso e, repentino, me senti profético!
http://g1.globo.com/Noticias/Musica/0,,MUL689504-7085,00.html

Nominado

Aqui finda a fase de nomes no blog. Se seu nome não surgiu aqui, talvez você seja inseparável de seu nome, e eu jamais conseguiria dizer algo que não fosse ligado a alguém. Ou então, seu nome é sem graça. Pode ser ainda que você esteja acima de tudo isso.

Até a próxima postagem...

20.7.08

Alice


"Alice nos país das maravilhas" teve um enorme impacto sobre a cultura popular e, infelizmente, tornou o nome "Alice" um dos mais comuns quando se quer criar uma personagem caída de pára-quedas em alguma coisa.
Até em "Resident evil" a personagem de Milla Jojovich chama-se Alice. Mas quão boa é a sensação de cair de pára-quedas em alguma coisa?

Cair de pára-quedas é algo único, disse uma amiga minha que já lançou-se ao vazio. Você decide onde vai estar, a que altura, o aparelho que impedirá sua morte terrível, o instrutor, e se JOGA. Tudo pensado e calculado, mas com uma dose imensa de risco e pavor, para cair em sabe-se lá qual pedaço de chão, após milhares de batimentos cardíacos apavorados com a situação nada natural de cair de um avião.

Todos somos incitados a ser um pouco Alice e um pouco pé-no-chão. "Se joga" é uma frase tão repetida quanto temida neste mundo. Siga o animal irracional com um relógio na mão e falando. Mas de preferência tenha estabilidade, firmeza de opinião, sensatez e frieza nas decisões.

Quer saber? Se Joga! As oportunidades caem de pára-quedas o tempo todo, quando as caçamos, quando nossos sentidos se voltam a isso. Mas não nos jogamos como elas se jogam em nossa trilha pelo destino. Sabe o dia de sua morte? Sabe quando será o dia mais feliz da sua vida? Ninguém sabe! Portanto, Quando escolher algo a fazer, vista o macacão direito, siga as instruções do instrutor dadas por todo seu aprendizado, escolha um avião que não vá explodir no ar, mas não arregue. Se jogue. E torça para não ter areia movediça lá embaixo. Quando sabemos cair, podemos guiar razoavelmente bem determinar onde, no chão abaixo de nós escolhido para isso, o salto nos levará.

29.6.08

Betão

Na quarta-feira, 25 de junho de 2008, findou-se uma era. Cerraram-se as portas do bar do Betão, herdeiro e continuidade do V2, o bar rock´n´roll esperança a todos os órfãos da zona norte.
Não, os motivos de fechar não são dramáticos e chorosos. O Betão resolveu deixar a noite de lado um pouco, pois família aumentou. Ainda vai existir diurnamente.
Durante 4 anos, o V2 e o bar do Betão ofereceram ao bairro uma quarta feira onde todos os seres da noite se encontravam. E se não há exatamente consolo em saber que outros 2 ou 3 lugares já se ofereceram para substituí-los, ao menos ficamos esperançosos de encontrar sempre a fauna dali.
São muitas as mudanças que passei nestes últimos 4 anos, e o fim das quartas de sarau, capitaneadas pelo Mou, apenas traz a confirmação de novos passos serem dados. E ainda mais, que tudo precisa de mudanças. Foram-se o Half, o Blues company, o Jazz Bass, o V2 e agora o Betão, mas o próximo na função de agregar a tribo róquenrol de Santana e adjacências está no forno.
E de todas as criaturas por ali encontradas e conhecidas, cada figura emergente ou já estabelecida, ganhei algo. E do clima de casa, mesmo sob meu silêncio num canto enquanto escrevia alguma coisa, ou nas mais animadas conversas com novos e velhos amigos, recém adquiridos ou reencontrados após anos, eu levo a hospitalidade e o bom humor.
Os nomes são muitos, próximos ou apenas conhecidos, amigos ou rostos que perfaziam o cenário e completavam a luz do lugar, e todos importantes.
E do Cri ao Chris, Da Tati e Mou a Batata e Sheila, Rita e Renata a Bruna vs Fabi, Marcos Valério e Theo a Nelsinho e Eduardo, Paloma, Guará, Thaís, Isaac, Wan, Suelen, toda a trupe do Soul Barbecue e cia (Leozinho, Diego e trocentos outros), foram milhares as piadas, tirações de sarro e assuntos sérios tratados. E não é saudade sentida, mas vontade de logo ter o que toma o espaço para novas mesas com cerveja em cima, bexigas cheias embaixo e idéias flutuando.
Até a próxima mesa, e sejam bem vindos ao admirável mundo novo.

9.6.08

Raquel, Oriel, Miguel, Daniel, Gabriel, Rafael...



Minha vida é cheia de anjos. Aliás, se for para ir nesta direção, praticamente todo povo de origem católica entope de anjos os cartórios, quase com tanta lotação quanto coloca santos em certidões de nascimento.

Mas a minha especialmente é cheia deles. Não é sempre que encontro um, mas achar um anjo é um acontecimento. Achar o nome do seu anjo particular demanda um certo conhecimento de hebreu, mas acontece. Mas identificar os anjos do dia a dia é deveras mais difícil.

Recentemente li uma sobre quantas pessoas o executivo precisa presentear no natal. O fulano vive de bajular a secretária do chefe, o manobrista, a tia do café, e por aí vai, pois são eles que realmente tocam a carreira dele para a frente, indiretamente. É mais ou menos esta a ação do anjo. Mas quando anjos tocam nossa vida para o novo patamar, usam de mais modos de agir que simplesmente achar o cara simpático e dar a chance a ele de ter sua reunião com o chefe.

Todas as culturas crêem em espíritos guardiões. A maioria delas crê, xamãnicamente, em espírito animais, os totens, que facilitam nossa existência. Os orientais possuem o conceito do "Eu-maior", como se (simplificando o conceito) nossa proteção e aconselhamento divino viessem de nós mesmos no futuro evolutivo do espírito. Hermes tem asas nos pés, e é o mensageiro dos Deuses, embora seja um Deus por si só. Anjos ganham a missão de mensageiros também, e as asas nos espíritos protetores das grandes religiões monoteístas não são apenas apra designar sua proximidade com o céu.

Velocidade é útil a um anjo. Ter asas é uma coisa animalesca, mas invejável. O anjo católico é um pouco totem, também.

Cupido é a imagem pagã romana transferida para os anjos. Cupido é o Amor de sua mãe, Afrodite, em termos práticos. E o amor de uma entidade superior para cuidar de um simples mortal só poderia ganhar a cara de Cupido.

Mas anjos são durões também. Na bíblia, trucidam milhares. Animais totens são feras quando alguém tenta intervir no espírito errante do xamã. As valquírias são guerreiras, e ai daquele que tentar desonrar um guerreiro vencido. E as Fingja-hamingja celtas protegem cada membro de linhagens familiares ou de grupos de afinidades diversas.

O pensamento de um ente além-mundo protetor é confortante, mas psicologicamente é apenas um equivalente de crença à sensação infantil de ter a mãe sempre a um grito de distância.

Porém, posso contar uma coisa.
Naqueles momentos de dúvida, onde pensamos onde amarramos nosso jegue, como se usa o botão de "reset" do coração, por que algumas coisas são como são, e por aí vai, a gente saca daquela oração de criança na beira da cama e pede para o "anjo da guarda" uma sugestão.

E de vez em quando, a sugestão é trazer um anjo na nossa vida.

15.5.08

Melissa


Melissa officinalis é o nome de uma erva medicinal comum, popularmente chamada de erva-cidreira, ou de melissa mesmo.
"Diz a lenda que a melissa recebeu este nome em homenagem à ninfa grega Melona (em grego "Mellona"), protetora das abelhas. E a relação da planta com as abelhas é realmente muito interessante: na primavera, quando nascem várias rainhas numa mesma colméia, o enxame se divide em vários menores e cada um sai em busca de uma nova colméia. Como a melissa tem o poder de atrair as abelhas, povos antigos colocavam suas folhas frescas trituradas em colméias vazias para atrair os enxames que estavam migrando" (extraído do site jardimdasflores.com.br).

Lá em algum lugar do passado distante, antes da era dos antibióticos ou hoje, quando eles são caros demais para a maioria e desnecessários para os comuns dos casos médicos caseiros, a melissa e dezenas, centenas de suas amigas medicinais abasteciam as boticas, jardins, hortas e memórias de nossas avós e avôs. Há plantas para tudo: de pedra no rim a vírus desconhecidos, de frieira a bicho de pé. E há as receitas com carvão, mel, gordura animal, pós e muitas outras substâncias que fazem os farmacêuticos comuns se arrepiarem e os pesquisadores sorrirem pela chance de um novo princípio ativo.

Claro, a medicina popular precisa ser salva, recuperada, disseminada e voltar a ocupar o lugar merecido pelos séculos de experiências dos nossos antepassados, mas aí encostamos em uma barreira de superstição, preconceito e falta de avôs pacientes o bastante para dizer aos cientistas como se faz o chá para curar dor no joelho e asma.

E não tem cabimento voltar a prescrever testículos de boto cozidos para impotência, mesmo na remota possibilidade de que funcionasse. Existe viagra, que não mata nenhum cetáceo para ser produzido. E podemos usar o antibiótico da vez sem abrir mão do chá de alho com limão e guaco, e vice-versa.

Diz a crônica (mitologia?) científica que uma planta usada por índios do Pará por milênios para curar diversas viroses inespecíficas começou a ser estudada por, para variar, um grupo de cientistas estrangeiros. Potencialmente, era o maior anti-viral conhecido. Quando o grupo foi colher a planta para dar continuidade aos estudos e começar os protocolos de descoberta do princípio ativo, uma queimada destruiu o único lugar onde esta planta era encontrada. Hoje, milhares de hectares de floresta estão nas mãos de interessados em recursos medicinais de nossas matas.

E pedimos as bênçãos de Mellona para um dia a tal da planta ser reencontrada. E assim possamos dar alento a pacientes de dengue, HIV, ebola e tantas outras...

22.4.08

Marcos

Na primeira medição de um terreno para delimitar um território, nasceram três coisas:

1º- A ferocidade territorial humana ganhou contornos visíveis e qualquer idiota portando um tacape grande o bastante podia se dizer dono de um pedaço de terra, fonte de toda disputa territorial, fundiária e por moradia desde então, mas este ponto crucial da cretinice da espécie merece outro tipo de discussão;
2º - A geometria e...
3º - A necessidade de colocar pontos precisos de delimitação de área, onde se identificasse as curvas, linhas, pontos importantes e o centro de cada terreno. A isto se deu o nome de marco, e as marcações passaram a ser integrantes de nossa visão de mundo.

Talvez por causa disso, hoje temos o hábito de pôr referências internas para nossa vida. Estabelecemos marcos que nos dividem em antes e depois deles, separam fases de nossa psicologia, ou são literalmente os momentos onde nossa vida vai de cabeça para baixo. Suponho que quando o José Hamilton Ribeiro perdeu a perna no Vietnã (não sabe quem é o maior repórter de guerra do país? Buscador nele!) ele não teve muitas dúvidas sobre aquele ser um marco em sua vida. Dos mais negativos, é verdade, mas foi.

Mas em geral nossos marcos são mais sutis. O dia do aniversário que nunca fora comemorado e de repente enche a casa de presentes, bolo e gente; aquele "não" ante a certeza; o chocolate que nos salva no momento de maior vontade de matar o cretino do trabalho; aquele palavrão bem colocado que nos faz livres da repressão familiar... Todo mundo pode identificar coisas aparentemente fúteis, estabelecedoras de uma nova fase na existência.

Os bons mesmo são aqueles não tão comuns. Onde torcemos nossa personalidade (dita imutável) graças a uma revelação surgida em nosso intelecto, e não forçada pelas circunstâncias.
Estas revelações capazes de alterar toda a dinâmica de nosso ser, nascidas de observação, lógica, inspiração espiritual, harmonia com nossos corações... tudo isto junto ou nada disso, são as que nos definem como mutantes verdadeitos, não nos obrigam a ser sempre iguais e fazem nossa alegria quando encontramos quem não vemos a muito tempo e dizem "você parece igual, mas tem algo dentro de você tão diferente..."
Isso é show de bola.

Posso identificar em mim mesmo alguns destes momentos sem sofrer. Outros terão que ser puxados dos fundos da memória. Os negativos, os traumas, em geral são ocultos por nossas mentes. Lutamos contra suas consequências com os momentos de mudança positivos. Um livro pode valer mais que anos de terapia, uma terapia bem conduzida pode ser melhor que uma viagem de peyote xamãnica, um porre de vinho pode ser melhor que todos os livros do mundo. E todos podem nos mudar se surgem no momento certo, quando mantemos nossa mente aberta a ser radicalmente mudada...

Posso identificar pelo menos um exercício de teatro que me fez dar um salto para fora da adolescência. Uma bronca de diretor que me fez ver o palco como outro mundo. Um fora que me fez retrair-me em conchas cada vez mais grossas. Uma lágrima escutando uma música me mostrou o que é arte. Um porre de vinho que me fez começar a sair de conchas. Um susto no trânsito que me fez tornou atento às armadilhas de meu corpo em conflito com minha mente. Um livro ano passado me deu a chave de minha luta contra a barbárie. Outro, muitos anos atrás, me colocou em contato com os Deuses em cada pedaço do universo e da imaginação. E talvez as últimas 24 horas tenham sido outro marco. Só o tempo dirá.

O mais estranho foi encontrar o Marcos quando este texto já embrionava na minha cabeça. Se os momentos de mudança não são extraídos por nós daquilo que nos cerca, ou de nossas mentes e imaginação, eles se apresentam sozinhos, mas daí, não são necessariamente como gostaríamos que fossem.

7.4.08

Priscila

Os gregos antigos acreditavam que vivemos na era de ferro. Hesíodo relata as diversas eras da humanidade citando os eventos que vão dando forma ao mundo da mitologia e enfim chega até a era dos homens mortais, esta, onde a presença dos deuses já não é sentida diretamente e o trabalho e a justiça são os valores capazes de elevar os donos deste tempo, os humanos, para a morada dos Deuses.

A era de ferro tem como marco inicial a guerra de Tróia. É o ponto culminante da vida do último dos semi-deuses, Aquiles. Os semi-deuses, filhos dos Deuses do Olimpo, são os donos da era anterior. Seus feitos são mais próximos aos do homem, e sevem para dar exemplo e molde ao caráter deste. Na guerra de Tróia, Aquiles é morto quando um homem comum atinge seu ponto fraco, o calcanhar, com uma flechada.

E a guerra somente é vencida por um estratagema humano: Ulisses tem a idéia de construir um cavalo de madeira e entregar aos troianos, para assim, através da inteligência (alguns diriam da trapaça), conseguirem vencer uma guerra capaz de destruir um semi-deus. É a vitória da perspicácia humana, e destaca a inteligência como ponto forte do homem.

Mas não é aí que se encerra a era de maravilhas. Ulisses precisa voltar para casa, e aí começa a Odisséia, narrando a jornada dele até seu lar.

Ulisses enfrenta, sempre munido apenas de sua malandragem, sereias, o último dos titãs (o cíclope Polifemo), a feiticeira Circe e dois monstros marinhos abomináveis: Charibdis e Scilla.
O primeiro era um ser divino, filho de Pontos e Géia, e controlava as marés. Costumava jogar barcos atrevidos contra um enorme penhasco.

Já Scilla, a última criatura da jornada de Ulisses, era uma humana, transformada em ser maligno por Circe, quando esta se apaixonou por um tritão enamorado por Scilla.

Scilla destrói cada ser humano que passa perto de si. A habilidade para pilotar barcos e comandar faz de Ulisses o único que escapa de sua fúria, e logo que consegue sair de seus tentáculos monstruosos, consegue voltar para sua terra e exigir seu trono ao lado de sua amada. É o fim da era dos semi-deuses definitivamente, e desde então os gregos contam a história de homens e reis, não mais de deuses e monstros.

Os gregos entendem, portanto, seu tempo em Pós-scilla e pré-scilla. Prescilla, Priscila. Aquilo que vem da antiguidade, de antes do tempo dos mortais. Mas falta Priscila em nossos tempos. Os homens, na ânsia por mudar, por conseguir seus próprios feitos, esqueceram das lições deixadas pelos deuses e semi-deuses nos tempos anteriores a Scilla.

E acabamos nos deixando levar pelas pequenezas da alma humana. Desprovida de centelha divina, a maioria cai na facilidade dos instintos ao invés de lutar pelo seu próprio brilho interior, pelo herói dentro de si. Não entende o sacrifício dos seres míticos que deram tudo de si por nós, para trazer a sabedoria e a civilização e dar de presente àquela raça nascente.

Mas prefiro ser alguém que tem dentro de si um tanto daqueles tempos pré-scilla e luta contra os monstros de meu tempo a admirar-me com o humano rasteiro espalhado por aí.

19.3.08

Maria, José

A páscoa acontecerá em alguns dias. A nossa sociedade, acostumada com o estranho paralelo de feriados-para-escapar-da-cidade-grande ditados pelos dois pontos cruciais do líder religioso da maioria, isto é, o nascimento e a morte; parece estranho e (o que é pior) normal entender o andamento do mundo desta forma. Pois o cristão vive na corda bamba entre nascimento e morte, entre divino e espiritual. Entre Maria e José.

Seguindo a tradição dos heróis solares, Jesus nasce de uma virgem, diretamente da divindade, e é chamado Issa entre alguns estudiosos, e ele também é estudioso, mas dos ensinamentos dos orientais, segundo outros. Teria passado alguns anos (os anos desaparecido) na Índia ou Tibete, aprendendo. Há quem diga que os essênios foram seus mestres.

Mas tudo isso é irrelevante: a igreja diz que suas capacidades são fruto de sua origem divina. a cura, a sabedoria, não poderiam vir de fontes humanas. Não podem vir de reflexão, esforço, estudo disciplinado e anos de treino. Em suma, quanto mais Jesus for divino, menos podemos sonhar em ser como ele.

O pai, também chamado de "O corno manso mais famoso do mundo " José, era um carpinteiro. Não, ele não era miserável, pois artesãos eram valorizados na época. Algumas correntes dizem que José era razoavelmente mais velho que Maria, e teria assumido um filho que não era seu por conveniências de época. Maria, por sua vez, já ganhou a fama de ter dormido com um soldado romano e tido um filho do invasor. De qualquer modo, Jesus teve irmãos, aliás bem definidos nos evangelhos.

Daí, com todos estes pontos polêmicos, qual o problema em achar o rebelde mais famoso de todos os tempos um reles mortal? Isso diminui o papel dele em propagar uma filosofia de não-violência e tolerância? Ou dá a ele a responsabilidade pela destruição de todo o conhecimento da antiguidade nas mãos dos fanáticos religiosos da idade média?

Entre as faces de mãe virgem e pai trabalhador, encontramos um cara razoavelmente humano, mas esta humanidade foi sistematicamente eliminada para afastar-nos de seu aspecto revolucionário. Não é demais lembrar que os romanos eram o povo a ser seduzido, portanto reforçar o aspecto rebelde de Jesus contra o invasor não era útil aos primeiros evangelizadores. Antes tê-lo como um fazedor de ovelhas (e não pastor, mas criador de passivos na população) ao invés de um leão de Judá.

A vingança veio logo. O cristianismo foi um dos responsáveis pela queda do império romano.

Mas agora, quando procurar por um bom bife na mesa nesta sexta e não vir, (por que cristão não considera peixe um bicho?) faça um bom brinde com vinho ao aspecto humano da divindade. Seja ele qual for. Afinal, os Deuses agradecerão por mantermos em vista nossas próprias divindades internas, e regozijam-se quando lembramos do humano dentro deles.

E, se um dia o Deus dos católicos, evangélicos, judeus e islâmicos admitir sua humanidade intrínseca, talvez tenhamos um pouco menos de briga entre seus fiéis. Afinal, ser deus é uma profissão muito humana.

17.3.08

Adriano

Situada em algum ponto na hoje sem sentido fronteira entre as terras dos pictos e os domínios romanos na ilha da Bretanha, a muralha de Adriano, construída a mando do imperador de mesmo nome para dificultar as invasões vindas do norte da ilha ao império, serviu por muito tempo para delimitar as terras dos povos civilizados e cristãos daquelas dominadas pelos temidos pagãos do norte.

Neste dia de San Patrick, é bom lembrar da divisa imposta pelos romanos. Eram povos invasores? Sim. Saxões, pictos, jutos, todos desejosos de uma fatia das férteis terras do sul. Porém, mais invasores eram os romanos. San Patrick que vá encher a cara num Pub, e pare de nos encher o saco. Nessie agradece.

Nas tentativas de expulsar os povos pagãos, surgiram muitos heróis. Mas destes, nenhum foi um Arthur. Salvo, o próprio.

Se tornou moda recentemente lembrar da provável base romana do mito arturiano. Não é mais provável que a origem escocesa de Merlin, ou francesa de Lancelot du Lac, mas vamos lá. Arthur é entendido historicamente como um grande chefe de guerra nas constantes lutas empreendidas pelos povos do sul da Bretanha contra os invasores do norte, animados com a saída dos romanos ocorrida por volta do século IV.

Eu nem saberia começar um texto que abarcasse todas as facetas das lendas do Rei Arthur e seus cavaleiros da Távola Redonda. Vou me ater à muralha. Afinal, ela ainda está lá. Os Highlanders (escoceses) ainda a vêem como uma prova do medo que os galeses, ingleses e romanos tinham deles. E de mais uma penca de povos. Quando Arthur conseguiu, por um breve sopro de tempo, manter os invasores atrás da muralha, ele apenas adiou por algumas décadas a mistura que deu origem ao povo bretão. Romanos, celtas, irlandeses, normandos, saxões e por aí vai formaram um dos povos europeus mais miscigenados em sua origem de que temos notícias.

E capaz de nos dar os Beatles.

Quando um imperador romano achou melhor começar a moda, retomada nas últimas décadas por países tão diferentes quanto a Alemanha do pós-guerra e Israel, de dividir para manter longe, não imaginava que um dos guerreiros mais capazes a defender suas esperanças se tornaria muito maior que ele mesmo, nem que o fracasso de seu plano daria origem à cultura de raízes mais longas do século XIX em diante.

Portanto, é sempre bom lembrar: nossa vontade de se isolar pode ser imprevisível. No final das contas, pode nos fazer mais conhecidos do que antes.

23.2.08

Marina



Dali de onde partem os navios para terras distantes, pescadores ociosos passam suas horas de aposentadoria ou sobrevivência aguardando dádivas vindas das profundezas, nasce talvez o mais poderosos sentimento a permear todo o espírito da humanidade: A vontade de se lançar ao mundo.

Ali, quando nos postamos em uma Marina, está o desconhecido. Uma enorme massa de um elemento estranho a nós, seres terrestres, mas familiar em um nível mais profundo, um grito ancestral de nossos antepassados peixes.


Pode perguntar a qualquer um. O que emociona em uma história? Situe-a no mar, na vastidão azul e poderosa, insubmissa à nossa vontade, mortal e plácida, e verá como tudo se altera. O mais banal dos causos se transforma em mito. Dali, do berço de Iemanjá, brotam os monstros, as sereias, os mundos fantásticos e as terras miraculosas. Ali, diante de seus olhos, está o caminho para Hi-Brasil, está a encarnação de nossos ódios e frustrações na forma de uma baleia branca, está nosso sonho de conquista em índias orientais e ocidentais, está nossa libertação das leis dos outros em barcos com bandeiras de ossos e espadas.

Ali, onde a Terra recebeu de seus filhos uma ponte para alcançar a imensidão que lhe faz par, onde o solo toca no fluido, o ser humano se faz outro. Ali, quando nossos olhos se tornam pequenos para abarcar toda a grandeza salgada e nossa imaginação faz ver todas as coisas e nenhuma, onde a vida começou e tem seu ápice, está nosso ímpeto de mudança. Está nosso mergulho no inconsciente, está nosso pulmão aquático para adentrar lugares invisíveis e sair metade peixe, metade sonho.

A Marina nos remete ao novo, ao lançar-se. Deixe-se ir com ela, e verá seu destino se multiplicar. Apenas observe dali o fluxo das ondas e as furiosas vagas, e sairá mudado. Dali, verá os olhos de Capitu, as curvas de Iemanjá, e as peraltices de Ondina. Poseidon acolhe aos que o respeitam, e sabe, quando fita o mar dali de onde saem os que farão a vida em outros mundos, a satisfação de ser sua uma enorme responsabilidade. A de aguardar a alma dos homens em seu ir e vir pelas vidas.

13.2.08

Bárbara

Diz-se de alguma coisa que ela é "bárbara" quando extrapola os limites de nosso entendimento, é fantástica, grandiosa e merecedora de respeito.

Na origem bárbaro era todo aquele que não falava a língua dos "civilizados", o grego e, posteriormente, o latim. Em suma, os homens das culturas clássicas achavam bárbaros todos os outros seres humanos. Mas não era no mesmo sentido acima...

O termo ganhou a pior conotação quando vieram as invasões bárbaras. Roma caiu, lá pelo século IV, e a humanidade foi agraciada com a amabilísima idade média, quando todo mundo virou bárbaro no sentido popular da palavra. Perdeu-se uma enorme quantidade de avanços e sabedoria nas fogueiras da ignorância e do fundamentalismo. Não fossem os bárbaros na arábia e no oriente distante, a civilização teria colapsado.

Passam-se muitos anos e a idéia xenofóbica de bárbaros versus civilizados é repetida milhões de vezes na boca de governantes temerosos de fazerem feio se não tiverem um inimigo fora do país para mostrar serviço. É, se você lembrou dos caras lá da parte norte do mapa americano, é uma pessoa minimamente inteligente.

Mas a barbárie não está fora. A barbárie está em cada pessoa que passa o sinal vermelho, suborna o guarda de trânsito, compra madeira de floresta protegida sem ligar para isso, joga papel no chão, compra filme pirata, não vota direito e fecha a cara para crianças.

Já ouviram "Ah, faz também, todo mundo faz!". Eu já, milhares de vezes. Da televisão, centenas. De pseudo-amigos, outras tantas. De gente na rua, muitas.
Tomei uma decisão. Não vou ceder à barbárie. Não sou todo mundo. Vou aceitar o preço de ser civilizado, não obstante a incapacidade da maioria de, por enquanto, ser guiada por suas civilidades e não por suas barrigas e hormônios. Isso vai ser um ponto que vai tornar minha vida um pouco mais merecedora de cautela em seus atos práticos.

Mas se quero uma vida Bárbara, assim precisa ser. Eu gosto de como vai ser meu futuro sendo deste jeito.

12.2.08

O Riiiiiiiildo Piracicaba...

Conheço há uns vinte e poucos anos um cara chamado Rildo. Logo que o conheci, quando entrávamos na escola armados de porretes para não sermos pegos pelos pterodáctilos do caminho, o nome dele logo evocou (na cabeça dos moleques que admitiam ouvir a rádio da Vó) um dos clááááááássicos do cancioneiro popular. "O Rio de Piracicaba", cuja gravação mais conhecidas das vovós é na voz de Sérgio Reis.

Lembrei disto quando vi o lançamento da mais nova edição do "Dicionário do Dialeto Caipiracicabano: arco, tarco, verva".

De Piracicaba se diz que é a princesa das cidades fundadas pelos caçadores de esmeraldas. Talvez em nenhum outro lugar do mundo exista gente tão paulista como lá. Ali está o interior em sua mais genial caracterização. Gente jovem de lá se orgulha do seu sotaque (dialeto?) pois se ele rende até dicionários, é motivo de apego, e não de vergonha.

O dicio0nário marca uma das poucas e corajosas manifestações em prol da cultura paulista. Todos sabem quem é Ariano Suassuna na exposição do centro cultural, cantam com Caetano "Sampa" e com Gil "Punk da periferia", comem pão de queijo no centro e lutam pela preservação dos costumes dos habitantes do Xingu. Mas quem além dos piracicabanos lembra de preservar a cultura paulista? Existe folclore na cidade mais grandiosa abaixo do equador. Existe Mito no litoral empesteado de turistas do sul do estado. Mas quando vemos a festa do dia do folclore das escolas, vemos cordel, boi caprichoso e garantido, Bombachas, chimarrão e cobra-grande, mas não vemos nada do folclore de São Paulo!

Alguns milhares de anos atrás, um paulista resolveu reagir a tudo isto. Conscientemente ou não, Monteiro Lobato resolveu colocar em livros parte das histórias que escutava quando criança. Mas dali, não apenas parte da rica herança cultural do povo herdeiro dos bandeirantes foi salva, mas foi igualmente misturada a referências européias, clássicas, dos contos de fada dos irmãos Grimm e de Esopo.

O paulista, e em especial o paulistano, resolveu que com o café, a indústria e a modernização não poderia ser caipira. Guardou seu sotaque e sua arte atrás dos sonhos dos imigrantes, escondeu suas crendices e seus mitos no cofre de suas indústrias e sua exoticidade e extravagâncias nos ares cosmopolitas da avenida Paulista.

Mas quem busca a forma e o conteúdo de si não pode esquecer-se das raízes indígenas plantadas pelos desbravadores na crença daquele povo. Longe dos mitos medievais que permearam as enormes levas de imaginação dos homens que colonizavam o norte e nordeste do país, o bandeirante tinha sua cultura muito mais invadida pelas lendas dos Tupis e dos Guaranis. O folclore da banda de baixo do país é de certa forma mais brasileiro neste aspecto. Enquanto cangaceiros eram os novos cavaleiros, os bandeirantes eram pajés, xamãs, em mergulho no ventre da Matre-Brasilis.

Há centros de cultura gaúcha no Acre. De cultura nordestina até na Irlanda. De estudos do caboclo matogrossence. E não há ninguém pensando no vasto e alijado repertório caipira do estado mais plural do país. Mas sim, usando desta pluralidade para afogar o centro onde esta pluralidade pode se manifestar.

Não é por bairrismo ou afronta, mas quem luta para não esquecerem dos povos, cantigas, lendas, monstros e temores arcaicos, brincadeiras de rua e roda, superstições e palavreados daqui merece um nobre prêmio de consolação. Merece ser chamado de brasileiro.

Para quem quer saber mais sobre o dicionário, taí:
http://eptv.globo.com/caipira/interna.asp?ID=17896

10.2.08

La Paloma

Patrick Suskind é um daqueles autores de classificação esquisita. Chamou-me a atenção depois do filme "O perfume", fidelíssima adaptação de seu livro homônimo. Para quem não viu, é uma obra do estranhamento no meio hollywoodiano. Com um elenco generoso e produção caprichada, fala sobre cheiros e a alma de nossa memória baseada na química, um sentimento impossível de ser traduzido pelo cinema.

E agora acabo de ler "A pomba", um romance miniatura, quase um conto. Que expõe o caos interno despertado/revelado na vida de um senhor de meia idade pela visão de uma pomba na manhã de um dia como outro qualquer. A pomba apenas o fita, e faz desmoronar toda a ordem, planejamento, calma, quietude, competência e lógica cultivados por ele no decorrer de décadas de vida.

Repentino, me dou conta de quantas pombas encontramos por aí. Elementos rotineiros do cenário de nossas vidas, mas carregados de tal significação em momentos chave que tornam-se capazes de obliterar completamente com nossas certezas e vida. Coisas comuns, mas postas no momento e lugar certos, são eficazes em nos desnudar internamente e nos pôr a questionar como mil sessões de terapia freudiana não são.

Um chiclete grudado na roupa já o pôs em polvorosa? Uma coceira na sua perna causou surtos histéricos na pessoa ao seu lado? um rato cruzando a rua te fez mudar todos os hábitos de higiene cultivados desde a mais tenra infância? Então você teve sua dose de pomba.

Apenas os mais inteligentes dentre os inteligentes são capazes de, extraindo lições do vulgar a cercá-lo, mudarem suas vidas e mesmo a de todos ao seu redor. Isso se faz ao custo de muita atenção, como já dizia o velho e bom Pasteur, "A sorte favorece as mentes preparadas"; mas também deve algo a uma boa dose de sorte, ou, se preferir, sincronicidade de elementos.
A sincronicidade faz possível torcer a existência quando vemos uma velhinha ao atravessar a rua no exato instante de sensibilidade para assuntos previdenciários de nosso cérebro. Não fosse algo visto diariamente calhar de nos surgir no momento sensível, muito daquilo chamado por aí de intuição seria perdido.

E se você quer mesmo saber, é essencial buscarmos por estes momentos de iluminação, sermos antenas sofisticadas e captoras das lições diárias fornecidas por nossos cérebros quando sua capacidade filosófica é justaposta à observação, (nem sempre atenta, mas simplesmente livre) da consciência.

Pense no vôo controlado e preciso dos bandos indo dormir. No asco de ver uma pomba fazendo sujeira na porta de seu quarto. Pense na inacreditável capacidade migratória e de orientação de uma pomba. Pense na habilidade para sobreviver ao meio humano adquirida por gerações e gerações de pombas urbanas. Nas doenças ou na substância única no mundo das aves (O "leite de pomba") produzidas pelas mães pombas para alimentar seus filhotes, um passo evolutivo incrível. Quantas lições diferentes pessoas diferentes podem extrair, a mesma pessoa pode extrair conforme o instante de avistamento da pomba.

E não obstante seu símbolo de paz, a piada que é ver Mary Poppins alimentando pombas e ensinando crianças a manterem estes bichos perto de suas casas.

Não alimentem as pombas. Elas sabem se virar. Alimente sim sua mente, pois nunca se sabe o momento no qual a pomba pode mudar sua vida.

8.2.08

Bruna

Assisti ao surpreendente "O signo da cidade", o tão falado filme escrito pela Bruna Lombardi e dirigido pelo seu marido, Carlos Alberto Ricelli.

Afora a imensa sutileza, poética e riqueza de personagens construídos com palitos e não com blocos de concreto armado, o filme transpira uma coisa que é muito bem vinda no cinema nacional: inteligência.

Bruna Lombardi ainda é uma das mulheres mais lindas da face da Terra. Provavelmente a brasileira mais linda depois dos 40. E eu, tendo lido recentemente algumas de suas publicações, em especial as poesias, vejo ali não só uma estrela, mas uma pessoa de carisma literário incrível, capaz de usar frases curtas e simples como a maior arma anti-cinemão dos últimos tempos. Nada de críticas ferozes. Apenas o exemplo.

Aos curiosos: "O signo da cidade", como parece, é o nome de um programa de rádio de astrologia de uma rádio bem sem graça, apresentado pela personagem da Bruna. Ela tem um sério problema para uma apresentadora: se envolve com as pessoas ao seu redor, sejam elas as que ligam em busca de conselho, sejam as que a cercam.

E nesta teia de relações dela circulam as inúmeras histórias intercruzando-se continuamente, exibindo uma telúrica ponte entre homens, astros e destinos, moldadas pelas decisões e passividades de seus componentes.

Não é daqueles filmes onde tramas paralelas convergem para um final arrebatador. Mas sim, o retrato de um instante, onde as pontas permanecem ativas e continuarão a crescer, em novas e subjetivas relações.

Sim, o filho do casal, Kin Ricelli, está no filme. Eu, no lugar do pai dele, teria saído para tomar um café na filmagem da cena caliente máxima do filme.

E se uma das conclusões apresentadas pela trama é da inevitabilidade do chicote das ondas sofrido pelos que tentam resgatar os náufragos das ondas (quem nunca chorou sozinho na cama após fazer de tudo para ajudar outrem e relegou a segundo plano aspectos da própria vida no processo, atire a primeira lágrima), faz bem justamente por não nos permitir esquecer daqueles ao nosso redor merecedores da mais profunda admiração.

Vejam a Bruna. Ela fez por merecer.

In nomine

Nas próximas postagens, vou fazer uma mini-homenagem a algumas pessoas. Mas não farei textos sobre pessoas. Apenas, da série de coisas interligadas do multiverso, seus nomes estarão aqui para criarem uma ligação com um assunto não necessariamente relacionado com a pessoa ou com algo concernente a elas.
É um modo de fazer brotarem novas flores no campo de Imatéria. E não, não vai ter texto para todo mundo. Eu conheço gente demais para isso. Mas certamente há algo a ser dito inspirado por certos nomes.

E não há ordem, a não ser aquela dada pelas musas.

Quem estará por aí?

20.1.08

IPEC

Mais ou menos quando os mamutes se extinguiram, quando eu acabava a faculdade, um maluco apareceu, um conhecido de um dos professores, e convidou a classe para um curso sobre ecologia de botos na região do Lagamar.
Não sei se você já sabe, mas 99,99% dos biólogos sentem um arrepio de luxúria ao ouvir "estudar golfinho". No final das contas, quem pôde ir foram poucos.
O tal maluco, o Fernando, estava ali como representante de um instituto que nascera há talvez umas duas ou três horas antes. Dedicaria-se ao estudo das questões ambientais e, posteriormente, sociais da região de Cananéia.
O lagamar, área de estuário gigante na divisa do Paraná com São Paulo, é absurdo. a biodiversidade dali faz inveja a provavelmente todo o continente europeu e à América do Norte. Resultado óbvio, todos se apaixonaram pelo lugar e também pela idéia daquele povo que tocava um instituto de pesquisas apenas para aquele pedacinho de mata, a maior área de mata atlântica preservada onde já pisei.
Desde então, voltei à região algumas vezes. Fui e voltei à zoologia, minha área de paixonite inevitável. Qualquer pessoa que queira-me como amigo sabe que eu não hesitaria um instante se fosse convidado a ficar 3 meses no meio do mato olhando bicho. E sabia do que acontecia ao pessoal do IPEC. Fiz outras idas até lá com aquele povo (A melhor tainha e camarões que já comi foram graças a eles). E ver algo que vi no início manter-se de pé me manteve são durante alguns anos de afastamento dos trabalhos mais saudáveis da vida.
Semana passada fui até Cananéia novamente. Afora o fato de ter sido cercado por áreas de calamidade pública, ter perdido a placa do carro com buracos e lama, exigido demais da suspensão e calotas da pobre Ranilda (o carro) e visto muita, mas muita chuva o tempo todo, pude fazer uma visita até o IPEC.
Como? Passando pela cidade vi uma placa em uma das casas antiguíssimas do centrinho da cidade. Uma sede de apoio à pesquisa. Pôsteres nas paredes e pilhas de trabalhos espalhados pelas estantes me mostravam que os estudos iam bem, e logo soube que não apenas uma casa para ajudar aos pesquisadores funcionava, mas também um centro de cultura caiçara tocado pelo IPEC, onde se davam os cursos, memória e estímulo ao mundo bravo e em risco de extinção dos moradores tradicionais do lagamar. Fui muito bem recebido apesar da queda de pára-quedas por ali, e saí com um enorme sorriso no rosto de ver uma coisa que me foi apresentada como sonho estar a pleno vapor e apesar das dificuldades de fazer ciência em terras tupiniquins manter uma produção e uma respeitabilidade prática!

Parabéns, Fernando, Gica, Letícia, Emygdio, Fri e todos que conheci soprando a traseira do "lobo-marinho" para economizar combustível. Que afinal seja mais e mais daqui para a frente, e repetindo, não custa chutar o pau da barraca e fazer das tripas coração para fazer sonhos andarem. Eles começam a andar sozinhos antes de precisarmos sofrer para vê-los.

Para quem quer saber mais:
http://www.ipecpesquisas.org.br/