15.12.10

Hatari!

'Hatari' quer dizer perigo em Swahili.
E é o nome de um dos filmes icônicos da minha infância. Estrelado por John Wayne e a belíssima Elsa Martinelli, conta a história de um caçador que não caçava para matar, mas para abastecer zoológicos e circos do mundo com animais da savana africana.

Isso me fez inventar uma série de personagens, junto com meu irmão, sobre caçadores que abasteciam um zoológico do fantástico, que era dirigido pela Cuca e duas sobrinhas dela, ahahahah. E claro, junto a dezenas de outros filmes e documentários na TV Cultura, colocou a África e suas savanas no meu imaginário para sempre.



Olha o passo do elefantinho...

E saí de Cape town para fazer aquilo que qualquer mortal em sã consciência deve fazer se pisa na África: um safári. Safári hoje em dia significa uma expedição de visualização e fotografia, andando para cima e para baixo por parques delimitados onde os animais valem mais vivos do que mortos.

Safári antigamente era um jeito de todo europeu com pênis pequeno matar tudo que aparecesse pela frente para aumentar sua autoconsideração como macho. Como se fosse justo um homem com dez guias e carregadores nativos armado de um rifle do tamanho de um canhão atirar de longe em um bicho qualquer.

"Ah, mas e como você chegou lá?"
Tá, em resumo: peguei um avião da Cidade do cabo pra Johannesburgo, passei a noite em uma pousada sem graça de um casal de chapados a lá hippies muito simpáticos que deixavam ela nas mãos de um fóssil da época dos bôeres que se mostrou a pior pessoa que conheci em todo meu tempo lá. Além de certamente ter lutado na guerra dos holandeses contra os ingleses no século XIX, ele ainda espelhava o ar de conflito latente constante que há na cidade. Johannesburgo é um pesadelo em comparação com a Cidade do Cabo.

E o povo da empresa de turismo me pegou na pousada e me levou pro Kruger park para meu safári. Tudo lindo, até que descobri que o grupo na van ia fazer outro tipo de safári, e que o meu, pacote "adventure", não tinha mais ninguém. Fiquei sozinho durante todos os dias com o guia, Israel, uma figura que falava com um sotaque zulu absurdo mas tinha olhos que encontravam qualquer coisa que respirasse na mata.



O safári moderno trouxe do antigo o conceito dos "big five", os cinco animais mais nobres para serem caçados (hoje, vistos/fotografados): O leão, o elefante, o búfalo, o leopardo e o rinoceronte. Claro, tem os cinco de Tudo nos livretos turísticos: aves, árvores, filhotes, lugares, insetos...

E lá fomos nós. Um safári é andar num carro aberto procurando bicho. Só isso, mas meu pacote incluía dormir nos campings ultraorganizados dentro do parque, um passeio noturno e um jantar típico no final (O Kruger é um dos maiores parques da África, um dos mais famosos e mais organizados).

Logo no primeiro dia, vimos 4 dos 5 grandes. E não é difícil, embora leões quase nunca fiquem perto das estradas (eles não tem medo dos carros. Eles procuram lugares com sombra durante o dia). Gnus foram mais difíceis de encontrar. E logo de cara, ouvi que "man, leopards are very rare to find with just three days driving through the park". Mesmo na época em que fui, quando ainda está seco e as árvores estão com pouquíssimas folhas.



O mais fácil de achar eram elefantes. Por onde passa uma manda de elefantes fica como se passasse uma manada de elefantes por ali. Sem elefantes, não tem savana. Sem savana, nada de bichos grandes para todo lado. É por não ter nada equivalente a elefantes que nenhum lugar do mundo tem uma megafauna tão rica quanto a África.

Vou resumir tudo em uma coisa: foi um êxtase místico. É absurdo, a melhor coisa que eu já fiz por mim mesmo. Fiquei com medo das hienas rondando os campings, demorei para entender por que todo mundo no safári noturno gritou "Cobra" ao invés de "Snake" (por que "Cobra" em inglês significa Naja!), vi o bicho que eu mais ansiava quatro vezes (Rinocerontes são lindos. São fantásticos. São majestosos. São os animais mais ameaçados pela caça ilegal).



E no último dia, depois que já havíamos passado pela recepção do parque e estávamos a uns 500 metros do portão de saída, o guia gritou: Leopardo! E lá estava o mais esquivo dos cinco grandes, o felino de maior distribuição geográfica do mundo.

E depois de tudo isso, a realidade bateu forte na cara. O jantar típico da empresa de safári foi mais pobre que marmita de bóia fria. A volta do parque foi um inferno por causa do motorista mau humorado da van, o africâner fóssil quase me fez perder o vôo, e cheguei em São Paulo com aquela chuva típica que faz o trânsito típico das piadas sobre a cidade.



Mas quer saber, valeu a pena cada segundo. Dizem que quando você sai da cidade do Cabo e ela está chorando nuvens, você vai voltar para lá. Isso aconteceu. E quando saí do Kruger, começava a primeira chuva da temporada, trazendo o ciclo de verde de volta para a savana.

I bless the rains down in Africa...

9.12.10

Bye, Cape!

Cape town é um dos lugares mais bonitos do mundo e eu não preciso ir para o mundo todo para afirmar isso. Minha certeza se deve ao fato de que há tanta coisa para se ver, provar, descobrir e experimentar em um raio de duas horas do centro da cidade que é impossível que isso se repita em muitos lugares do mundo.


Pôr do Sol no topo da montanha. Abaixo está a praia mais famosa do país, Camps bay, que não chega aos pés de qualquer praia regular de Floripa ou do Espírito santo.
Mas você deve considerar que eu sou biólogo, admiro manifestações culturais, adoro vinho e me meto em qualquer roubada que garanta alguma diversão bizarra fora dos padrões. E sou contra viagens onde comprar e fazer pose sejam mais importantes do que se jogar no barro para ver uma pedra esquisita.

Então foi com imensa dor que chegou minha última semana na cidade do Cabo. O curso? Ah, i´d love to enjoy it once more, someday. And I´ve made fantastic friends from all over the world. Rasgação de seda à parte, é importante lembrar que há basicamente dois tipos de cursos no estilo: escolas pequenas para intensivos sérios, e escolas imensas onde a sociabilização é o fator principal. Estas últimas são mais adequadas para quem tem muito tempo e se dispõe a ter coragem pra falar "não" o tempo todos para os pentelhos que falam a sua língua.

Assim, eu tinha pouco tempo e fui pela primeira opção. E descobriq eu se fosse na segunda provavelmente arrumaria inimigos de tantos "Não, eu não quero falar o maldito português aqui, seu pivete filho de papai cretino" que eu falaria.

Na última semana, teve de tudo: o Two Oceans aquarium (simples, de um bom gosto incrível e ambientalmente riquíssimo), a Montanha da Mesa (símbolo da cidade e que deve ser conhecido logo na primeira hora em que se está na cidade, teria me dado outra perspectiva de tudo), V&A Waterfront, almoço típico na escola, churrasco-balada surtado na casa da professora maluca, passeios pelo centro da cidade, compras e mais compras de souvenires.


Elas enfim apareceram no porto!

No final das contas, o aprendizado superou as expectativas e as amizades, que nem eram esperadas, foram um passo importantíssimo. Agora, o mais estranho foi o número de pessoas que conheci que queriam imigrar para lá, meio que iludidas com a organização da cidade e esquecendo de que isso não é sinônimo de crescimento econômico ou algo que o valha.

Uma cidade onde não se vê tanto lixo no chão impressiona, mas só cego não percebe que não se pode andar no centro às seis da tarde com segurança e a um quilômetro dele estão favelas onde moram uns 3/5 da cidade e onde as taxas de HIV positivo são absurdas e a miséria coloca o sertão nordestino no chinelo.

Impossível condensar tudo, mas prometo fazer um guia "África do Sul em 50 dicas" ou algo do tipo. Vão ser mais do que 50, é certo.