27.3.07

Há mais na vida de um biólogo do que ratos.

Dizem que todo biólogo tem sua cota de ratos para matar. Seja fazendo experimentos em um laboratório, seja desratizando algum lugar. Também há a parte de controle agronômico, experimentos de comportamento, feitura de vacinas e exames de inoculação. Eu sou diretamente responsável pela morte de milhares de ratos, através das mãos de uma equipe e mais uns tantos que serviram de alimento a aves de rapina, lagartos, tartarugas carnívoras, jacarés, cobras e urubus, mas não só bichos estranhos. Raposas, cachorros do mato, gatos-maracajá/palheiro/do mato/pescador, tudo come roedor.

Por isso eles reproduzem tanto. Já pensou sustentar essa filharada toda? Ou manter a espécie sem essa filharada?? Mas ratos são dignos de admiração por vários aspectos. Nada que não se possa superar quando pensamos no quão pestilentos eles podem ser fora do biotério.

Mas há mais na vida de um biólogo do que ratos.
Boa parte de tudo que se faz para defender a vida nesse planeta passa por superar os instintos mais baixos, vis e imbecis dos humanos. Explicar que não se come uma espécie em extinção. Que florestas são necessárias para a correta manutenção dos níveis ambientais equilibrados de nossa sobrevivência. Que não se trafica sagüi para que uma criança apalermada e mimada possa ter um brinquedo, a ser jogado fora quando der sua primeira mordida apavorado com aquilo tudo.

Pensando bem, prefiro ratos. A gente ensina uma vez, e eles aprendem. A gente sabe o que eles vão fazer, e nunca, mas nunca mesmo, eles serão ignorantes abaixo da média dos outros ratos. E mais ainda, eles não destroem por luxo.

Há mais na vida que lidar com esses seres sinistros, os humanos?

19.3.07

REMINISCÊNCIAS

Atenção, é raro algo pessoal postado por aqui, então não me responsabilizo por nada ou ninguém.

Como se eu pudesse. Vamos lá.
Quem já ouviu "American Pie"? É uma música, a única conhecida, de Don McLean, um ótimo compositor de folk-rock (seja lá o que for rótulo) . Fala basicamente daquela sensação de desespero Beat e do dia em que a música morreu. A maioria das interpretações não vai mais fundo do que falar do dia em que o rock era uma coisinha meiga e pura e que teria tido um fim simbólico um pouquinho antes dos dias de rebeldia sem causa e viagens além mundinho limitado.
Este dia teria sido o dia em que um avião caiu com Buddy Holly, Ritchie Valens (ou Ricardo "La bamba" Valenzuela, o primeiro astro latino pop que se tem notícia) e JP "Big Bopper" Richardson.

Três precursores do rock que conhecemos e de fato símbolos do rock antes do estouro rebelde da contracultura.

Por quê uma música que além disso tudo e cheia de referências a outros momentos pop macabros (os terríveis Rolling Stones, a fatídica "Helter Skelter" dos Beatles, dentre outras menos conhecidas) buzinou na minha cabeça por tanto tempo?

Quando eu comecei a mergulhar no "rock-mundo" que me abarca, comecei pelo óbvio: aquilo que tinha em casa. quantidades estratosféricas de Little Richard (eu tinha algo em comum?), Jerry Lee Lewis, Beatles (da fase inicial), Chuck Berry e o rei, Elvis (cujo dia de nascimento é o mesmo que o meu).

Na minha atual fase de me entender, quando o passado dói, o futuro merece um lustro e o presente está muito chato, onde a gente vai buscar entendimento? No que já rolou. E repentino, tenho um aniversário de gente ressuscitada de um passado distante, que misteriosamente se torna presente e importante, e em uma casa rocambole! (o rockabilly tem apelido aqui em casa).

Além da companhia genial, dos risos de ter que aprender a dançar com os professores da casa e da raiva de não conhecer o lugar antes, algo brotou aqui dentro. algo que apagou American Pie e fez com que eu parasse de reclamar que o passado parecia mais divertido. O passado é agora, o hoje vai parecer mais divertido amanhã. Eu ainda vou dançar twist pela casa com uma vassoura aos noventa anos.

E no dia seguinte, eu e a Luciana em mais uma daquelas noites de atualizações da vida, acabamos por descobrir que apesar de nos conhecermos há uns 15 anos e nos falarmos quase que semanalmente há uns seis ainda temos um monte de coisas que não fazemos a mínima um do outro. O passado não existe.

Quer saber? fazendo uma citação, xarope anti-monotonia nunca é demais.

E acho que eu preciso voltar a ser mais noturno...

"Roll over Bethoven!"

10.3.07

Um jantar, ossos e liberdade criativa

Neste exato momento estão subindo os créditos de “Adivinhe quem vem para jantar”, o clássico de 1967 que fez de Sidney Poitier um astro, coroou mais uma vez as carreiras de Spencer Tracy e Katherine Hepburn e trouxe para a tela grande do mainstream a questão racial em technicores muito além do preto e branco.

A despeito de ser um ótimo filme, atual até mesmo no ritmo (que é normalmente o grande empecilho para a maioria das pessoas não-acostumadas ao cinema clássico e viciadas nos fliperamas atuais) e das atuações “actor´s studios” primorosas, ele é um dos grandes exemplos do roteiro planejado de cima abaixo para atingir seus objetivos, isto é, passar uma mensagem específica.

Protagonista, antagonista, situação, influências externas, personalidades, todas são montadas minuciosamente para, no discursivo (na época era necessário) gran-finale, ninguém ficar na dúvida sobre a moral da história.

Preste atenção: nada é coincidência ou acaso. Cada caracter é parte do quebra-cabeça. Cada profissão ou opinião é simbólica. Não fica uma farpa injustificada em todo o filme.

Isso normalmente nasce daquilo que eu comparo com a montagem de um aeromodelo dramático: colocamos a estrutura, acrescentamos motores, laterais, rodas, pintura, hélice, gasolina e só depois botamos o troço para funcionar.

Se você está aqui sabe que eu escrevo. Muito. De tudo. Mas eu escrevo de outra maneira. E, sem desmerecer o roteirista de “Adivinhe...” ou quase todos os seus colegas atuais do cinemão, eu considero uma forma de escrever muito pouco orgânica para o meu gosto.

Eu estudo vida. Meus paralelos quanto ao que chamo de orgânico Vs o mecanizado, automático, robótico são imensos. O esqueleto surgiu na evolução muito depois dos primeiros corações batendo. A pele surgiu depois da respiração. As cores vieram depois da digestão. A vida uterina já funciona quando nem a chamamos assim ainda.

As histórias nascem em caldeirões de protoplasma, sangue e ossos. Elas pulsam e cheiram mal e soltam sujeira pelo carpete. Seus personagens brotam do solo humoso como vermes já independentes, cegos e simples, comendo, babando e respirando.

O esqueleto aparece depois.

Quando começo a escrever, estou nadando na liberdade. Os fatos, o que aconteceu com aqueles personagens pulsa e se lança contra minha consciência. Arremetem até se esgarçar contra as paredes da lógica. Quando o caos primordial passa, e tudo já está lá, e a história já respira por conta própria e consegue se sustentar, se alimentar e interagir com o ambiente externo, tirando dele o que precisa e jogando o que já digeriu, é só então que aparece-lhe esqueleto, pele, músculos. E o verme começa a caminhar para ser um ente complexo.
Histórias nascem nas mentes, não são montadas como máquinas.