27.4.09

Invasores!

Dique de castor em Ushuaia, Argentina.


A maioria das pessoas lembra-se a palavra "invasão" quando se refere a alienígenas verdes e mal-humorados despejando bombas e lasers sobre os pobres galãs hollywoodianos ou ao falar de episódios bélicos diversos, cujos exemplos são incontáveis.
Não deveria causar espanto, portanto, a seriedade imensa dada pelos ecólogos do mundo todo à questão das espécies invasoras. É uma invasão alienígena nos mesmos moldes dos filmes e romances de ficção, pois os invasores são mais dotados de armas de ataque que os pobres nativos, e igualmente bélica, pois suscita um empreendimento maciço para barrar e exterminar os invasores. Expulsão é quase impossível. Lembremos que a espécie humana é invasora da maior parte de sua atual distribuição geográfica.

A complexidade da questão é maior do que aquela envolvendo o efeito estufa ou o uso de energia nuclear. Para estas duas, as soluções são conhecidas, mas falta esforço direcionado para resolvê-las. Já no caso dos invasores de outras terras, é uma imensa dificuldade descobrir como agir para resolver o pepino. E mesmo delimitar quem é e quem não pode mais ser considerado invasor. O Dingo australiano, por exemplo, deve ser considerado invasor?

Assim, causa-me absoluto espanto a coluna publicada no Estadão de domingo, 26 de abril de 2009, de autoria do Gilles Lapouge, sobre as espécies invasoras da Europa.
Lapouge é um babaca. Suas opiniões são terríveis. Do alto de seus 82 anos e prêmios literários, se presenteou com o direito de falar besteira. Mas dessa vez ele pisou no meu terreno.

Na coluna, ele reclama das espécies que hoje invadem a Europa e causam prejuízos na casa dos bilhões de euros. Sério? Quando ele viveu no Brasil ele prestou atenção na fauna que estava nas cidades? Ele diz que "pássaros, peixes, mamíferos, insetos e flores vindos do outro lado do mundo estão cobrindo suas paisagens, semeando a discórdia, a desordem ou a morte". Depois, afirma que "Outrora, as ilhas do Taiti eram monótonas, apagadas, velhas. bastou Bougainville, Wallis e Cook descobrirem essa ilha para ela começar a brilhar com as flores e os frutos trazidos nos porões dos navios europeus".

Temos dois pesos e duas medidas. As espécies agressivas e competidoras levadas para o Taiti não causaram discórdia, desordem e morte? Quantas plantas nativas não foram devastadas po causa destas competidoras, postas em um lugar sem predadores, doenças e herbívoros que as controlam em seu habitat natural? Quantos animais não morreram por causa destas novas espécies e com o sumiço das nativas? Quando florestas tropicais podem ser consideradas "monótonas, apagadas e velhas"??? Parafraseando o popular ficcionista Michael Crichton em Jurassic Park, as plantas são seres agressivos e que lutam terrivelmente com seus inimigos vegetais, em batalhas químicas e de dispersão que fazem nossas armas químicas parecerem brinquedos.

Ele reclama dos danos causados pelo ratão do banhado (ele lembra que este roedor transmite leptospirose) e pelo mergulhão nas coleções aquáticas européias. Esqueceu-se do aguapé, levado para lá pelos jardineiros fascinados pela linda flor roxa que estes dão, sem imaginar os danos à navegação que ela causa em um lugar sem peixes-boi pra comê-la.

Aposto que o ministério do meio-ambiente da Argentina rirá quando ler isso, lembrando-se dos europeus que enfiaram o castor (e a doninha) na Argentina para ter um animal de caça novo pra produção de peles. Os prejuízos causados pelos castores são de milhões de pesos argentinos. A devastação florestal é incalculável.

Proponho uma troca. Os europeus pegam todos os ratões do banhado e mergulhões de seus açudes e nos mandam de volta. Podem mandar também todo seu aguapé para a Amazônia. Eles podem mandar os lagostins de volta para o Mississipi também: aposto que vai ter jambalaia para todos por meses!

Em troca, nós mandamos seus castores, ratazanas, ratos de telhado, baratas e mosquitos de volta. Sim, ratos e baratas são do velho mundo, eles não existiam no Brasil até sermos invadidos pelas caravelas. E aposto que os ratos do velho mundo trouxeram muito mais leptospirose para a américa desde 1492 do que todos os ratões do banhado juntos já fizeram desde o início dos tempos em todo o mundo.

Mandamos também o mexilhão dourado que entope a hidrelétrica de Itaipu, a truta que invadiu os riachos de montanha de Minas Gerais e São Paulo, as pombas, as dezenas de espécies de gramíneas testadas para pastos e que hoje destroem nosso cerrado e os pampas, os pardais, as árvores de Ficus, os eucaliptos invasores da mata atlântica de volta para a Austrália, os búfalos que estão acabando com a floresta de Rondônia, os javalis que destroem plantações feitas com o suor de muitos meses de caboclos do sul e sudeste, dentre muitos outros exemplos.

Os chuchus, as abelhas, os Aedes aegypti, os caramujos gigantes africanos, as rãs-touro, as tilápias, as lebres européias, as braquiárias e todos os ratos e camundongos, todas os indivíduos de todas estas espécies, eu faço questão de enviar direto para casa do senhor Lapouge. Estas espécies que quebraram a monotonia envelhecida de nossas florestas, campos e rios. Que destroem o ecossistema mais rico de todo o planeta.

E nem vou falar das doenças e vírus.

Não me constam muitas espécies levadas por australianos, brasileiros, nigerianos, chineses, mexicanos, hindus, vietnamitas, canadenses, estado-unidenses, egípcios, afegãos ou seja lá de onde for para a Europa. Estas espécies, se estão aí, foram levadas por europeus.

Claro, a disseminação de espécies pela Europa se deve também ao aquecimento global. Hoje espécies tropicais encontram condições de vida antes inexistentes em terras tão ao norte. Há periquitos em Londres hoje. O transporte acidental também é, e foi, imenso.

Portanto, se este texto foi criado pensando no Brasil, lamentemos a imensa desconsideração dele com a realidade dos países que sofreram a invasão das espécies levadas para cima e para baixo pelos europeus. Perdão, senhor Lapouge. O convido a passar mais alguns anos no Brasil ou Argentina, na Austrália ou no Taiti, e ver o que as espécies invasoras fazem com os ecossistemas destes lugares.

E, em sua responsabilidade como correspondente e divulgador, não agir como invasor, mas como parte destes povos que o acolhem.