25.9.10

O bem e o mal



Semana passada tive a melhor e a pior experiência até agora aqui na África do Sul.

Fui eu, a Juliene (a tia alemã surtada) e a Mirian (a suiça gnomo) junto a turistas do mundo todo (mas essencialmente da europa) e um guia (nascido em uma das favelas da época do Apartheid e que falava mais do que o homem da cobra. Me esclareceu muito sobre o sentimento atual da sociedade) para ver baleias em Hermanus, uma cidade a 2 horas da Cidade do Cabo. Na Baía de Hermanus, de agosto a outubro, baleias francas de todo o hemisfério sul se encontram para acasalar e bater altos papos sobre como foi o ano. E lá fui eu ver baleias pela primeira vez na vida.

Hermanus é uma cidade muito bonita, com típica cara de balneário caro, e também uma armadilha para turistas. E ela sim é uma legítima representante do atual estado das coisas na África do Sul. Faz parte da região politicamente controlada pelos partidos brancos, isto é, pela direita. Sim, a África do Sul vive um pesadelo político onde os brancos se confundem com a direita e os negros com a esquerda.

E entrei no barco, automaticamente fui consagrado o brasileiro manja-tudo-de-futebol pelo capitão histérico (ele gritava como louco cada vez que se via uma baleia). O estômago reclamou mas cheguei la.

E alguns minutos depois de acharmos a primeira baleia e desligar-se o motor do barco (ele só pode chegar a 300 metros delas), ela veio para nos ver!

Logo, outras 3 apareceram (!!!!!). Talvez uma femea e 3 pretendentes. Nao posso nem descrever o tamanho da minha alegria, mas te garanto, o barco era pequeno pra ela. Mas as baleias... maiores. Maiores mesmo!

Elas ficaram ao nosso redor mais ou menos 60 minutos. Ora nos observavam interessadas, ora sumiam pra fazer outra coisa. Mas se despediram com um aceno coletivo (não, eu não estou brincando. Todas elas mergulharam deitando de lado e levantando as nadadeiras) e sumiram. E a volta sim foi um inferno pro estômago. Pessoas, sempre tenham um chiclete à mão. Ajuda a segurar a barra!

E de volta a praia, deixados à solta pela avenida que parece um shopping a céu aberto na beira-mar, lá fui eu ver na feirinha chique uma banca onde vendiam fósseis de dentes de tubarão e amonites (a venda desses fósseis aqui é comum). E pronto, meu dia de êxtase místico foi pro saco.

Ja estava com 2 dentes e uma amonite na mão quando, claro, comecei a barganhar com a mulher. Ser turista e falar mal a língua tem suas vantagens e a conversa foi fácil. Ela me deu uns 15% de desconto e, pra completar, acrescentou algo mais ou menos como "Sabe, nao posso dar mais desconto como fazem os pretos aí do lado, que acabam com os negócios fazendo isso. Esse povo não sabe manter negócio como gente".

Eu demorei uns trinta segundos para digerir o que ela havia dito, não por que não entendi, mas por que não tinha cabimento um ser humano dizer uma coisa daquelas! PÔ! Eu sou brasileiro, tem racismo aqui sim, mas nada que eu já tenha ouvido na minha vida chegou perto do que aquela mulher disse.

Eu dei as costas pra ela, pegando meu dinheiro da mão dela e deixando lá as coisas, e fui comprar algo na banquinha do lado. A dos pretos. A que me fez exatamente o mesmo desconto.

Pois é. Do céu ao inferno em meia hora.

De lá, fui almoçar num restaurante à cubana (como eu disse, tem típico tudo, menos típico africano ali) e aproveitei o final da excursão para fotografar obcecadamente um Hirax que estava fazendo a toalete diária nas rochas. O Hirax é um parente distante do elefante, embora pareça-se com um coelho sem orelhas compridas. Super comuns na África do Sul, com suas montanhas de rocha nua perfeitas para eles.

O Hirax está para o elefante como a humanidade está para as baleias. Muito, mas muito atrás na evolução.

12.9.10

Mandela day




E hoje eu fui visitar Robben island (algo como "ilha dos ladrões" em Afrikaner), a mais famosa prisão política da história recente. E foi lá que Mandela passou a maior parte do seu tempo preso pelo regime político-terrorista chamado Apartheid.

A experiência é poderosa. Claro, como tudo, Mandela virou um grande negócio, e com as visitas não é diferente. Um lindo catamarã leva, acho, umas duzentas pessoas em cada uma das 4 viagens diárias, e sempre cheio nos fins de semana. Há montes de quinquilharias e lembrancinhas (quase comprei um Desmond Tutu de pano) Claro, parte do chique porto chamado Waterfront, o equivalente daqui ao Corcovado e suas turistices.



Cinismo a parte, falei com um grupinho, descobri que escolas pedem a seus alunos que façam trabalhos sobre a visita (o grupo tinha estudantes de toda a África do Sul). Uma outra guria falou sobre o quão diferente Capetown é do resto do país, e que se tornou uma espécie de modelo para o restante.

Confirmando minha impressão de que julgar a África do Sul por Cape Town é mais ou menos a mesma coisa que julgar o Brasil por Florianópolis ou Curitiba.

E a ilha: preservada pra caramba, mas dessa vez, o que me chamou mesmo a atenção foi o fator humano. Guiado pelo genial Zozo, um ex-preso político, e possível sentir o horror daquilo tudo. Mas aparentemente as prisões políticas do Brasil eram piores. Zozo era preso político comum, mas conhecia, gracas aos momentos de trabalho forçados na pedreira, todos os grandes líderes, que eram mantidos em uma ala separada apenas com solitárias.

A pedreira, é dito, foi o primeiro parlamento democrático verdadeiro da África do Sul. Robben Island ficou conhecida como "a universidade", pois ali os presos de diferentes organizações trocavam idéias, ensinavam os mais jovens, montavam a nação livre em suas cabeça, planejavam a futura constituição.

Detalhe curioso: no Brasil, quando fizeram uma prisão em uma ilha e enfiaram presos políticos nela, misturaram presos comuns e disso nasceram organizações criminosas no Brasil. Lá, eles se preveniram. Robben Island só tinha preso político!

O tempo limitado da lan house nao permite entrar em detalhes... mas creiam, valeu muito a pena. Vamos convir, custou o equivalente a uns 40 reais. Vale muito mais do que isso!

9.9.10

Little diferences




A Cidade do Cabo e região é mais ou menos como a parte sudeste do Brasil: mais moderna e aberta do que o resto do país, sofre com certas regionalidades e preconceitos de primo rico. Camps bay, por exemplo, a vila Olímpia da cidade, e repleta de descendentes de ingleses que nao suportam "aqueles outros pobres", os negros e os descendentes de Holandeses.

A impressão é a seguinte: os vilões de filme, aqueles racistões que no final da aventura explodem, são em geral descendentes de holandeses. Os descendentes de ingleses não ligam tanto pra sua raça, contanto que você não seja pobre (isso é muito paulista de classe mérdia da parte deles). Ainda bem que isso não é uma regra, e sim as exceções que marcam o estereótipo. Dado que a Cidade do Cabo é predominantemente inglesa, aqui tem um problema de raça menor do que no resto do país.

As diferentes etnias negras recuperam aos poucos seus traços culturais diferenciados, após anos tratados como iguais. Em geral, lidam com o problema como "nós vivendo com eles", embora existam importantes líderes que tratem o problema pelo péssimo ângulo do "eles invadiram nossa terra". Os Zulus e os Xhosa (etnia da qual descende Mandela) aparentam lidar melhor com a questão de sua própria cultura aqui na região.

Nao obstante essa bagunça absolutamente diversa da nossa brasilidade, existe uma série de diferenças corriqueiras engraçadas entre os mundos. Estou em um bairro bem legal, mas todo o comércio é de bairro, nada como as grandes lojas de Santana ou megamercados. A frota de carros tem uma variedade que os brasileiros, viciados na antiga autolatina, levaremos anos para alcancar. A comida parece anos-luz atras da nossa. Nada de comida por quilo ou pequenos e bons restaurantes. Ou é fast-food, ou é chique. E quase tudo é "típico": grego, japonês, coreano, português, hindu... mas nada sul-africano!
Mas tem um crocoburguer que estou ansioso pra ir comer!

7.9.10

A aula

Vou sofrer menos do que pensava para entender, mas mais para me fazer entender.

As aulas obrigam a falar e a mente hoje doeu menos do que ontem para criar frase em inglês, eh eh. Segundo a professora Linda, a inglesa, depois de cada aula eu tenho o seguinte "out-homework": andar pela orla para espairecer e dar tempo á mente para absorver a aula sem doer. E não é que funciona?

Mas claro que o mundo nos avisa, e ao fim de quatro horas de aula ontem, durante o almoço, um Íbis verde escuro passou do mau lado forrageando numa boa pela grama.
Para quem não lembra, o Deus da escrita, da comunicação e da sabedoria no Egito, Toth, tem a cabeça de um Íbis.

Dormi mais tranquilo om isso!

E feliz dia da independência! Estou em um país que está a menos de vinte anos em uma situacao normal, mas aqui as pessoas param para você atravessar a rua, não jogam papel no chão e sabem que felino grande vivo vale mais do que felino grande morto.

Tem algo de errado na forma como o Brasil se tornou uma democracia e ganhou sua independência. Nós não consideramo-nos donos do nosso país. Aquele espírito de ser apenas um visitante nos faz tratar nossa abençoadíssima Terra como apenas um quarto de motel fuleiro.

Cidadania é artigo de série aqui, e isso me dá ganas de trucidar cada cretino que joga papelzinho no chão.

5.9.10

Primeiras impressoes

Ok, quando eu voltar pra casa a primeira coisa a fazer sera colocar acentos nisso tudo, ja que os teclados daqui nao tem esse luxo.

Estou a doze horas em Capetown. por enquanto me parece sossegada, mas ja notei que nao se pode ficar de bobeira, mais ou menos como andar pelo centro d de São Paulo. O lugar é bonito pacas, mas ainda nao me inspirei para escrever de uma forma mais critica e/ou poética.

Por enquanto, o que me chamou a atencao foi: 1 - o Mandela é cultuado aqui. Mesmo! Eu nao fazia ideia de que a coisa era tão forte. 2 - as pessoas estao amando futebol e a copa do mundo foi incrivel para todos, mas os turistas brasileiros tiveram má fama (atrás dos franceses e dos argentinos, kkkkk) 3 - até que me viro bem em inglês 4 - as tomadas são bizarras, com um padrão exclusivo daqui 5 - tem algo de muito americano do interior no jeito das coisas aqui, aquele lance meio brega, e meu café da manhã foi de ovos com torrada, café solúvel e creme de amendoim 6 - tem gaivotas gritando o tempo todo 7 - nas pedras da praia nao tem caranguejo!!!! 8 - negros tem mais sotaque africano do que brancos, e este aumenta com a idade. O jeito de falar daqui dos negros mais jovens e dos brancos parece o americano, mas os brancos idosos que vi falam Africaner. Os negros sao mais simpáticos do que os brancos, ou pelo menos mais abertos a conversar.

Vamos ver se consigo atualizar isso aqui com alguma frequência. E agora, preciso arrumar um adaptador e um recarregador de pilhas 220!

PS: o Kalahari visto do avião foi incrível.
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1.9.10

Hephaestus!




Hefesto é o deus do fogo, do trabalho, dos ferreiros. E talvez o menos comentado de todos os doze grandes Deuses Olímpicos. Dia 23 de agosto foi o dia dedicado a Ele, e foi estranha a forma como este Deus se imiscuiu em tudo aquilo que fiz este mês.

Tudo surgiu quando eu pensava nos ciclopes. Havia acabado de ler pela enésima vez a descrição resumida das aventuras de Odisseu (também e mais popularmente chamado pelo nome latino Ulisses)onde ele cega o monstro que prendeu e aos poucos devorava sua tripulação. O ciclope Polifemo é apenas um de muitos de sua raça. A maioria trabalhava nas fornalhas sob os vulcões do mundo, comandados por um Deus.

Na fornalha que Hefesto fez com o monte Vesúvio (ou o Etna, conforme a versão) criou as mais fantásticas armas já vistas. O escudo e os raios de Zeus, o tridente de Poseidon, a armadura de Héracles e praticamente todos os instrumentos de poder dos Deuses. Como símbolo do esforço, Hefesto mostra seu valor através de sua obra mesmo tendo sofrido preconceito e humilhações de outros Deuses. Hefesto é descrito como feio e coxo, em um lugar onde todos são a perfeição.

Pouco a pouco, Hefesto fez cada um dos Deuses lhe deverem favores. Se vingou quando sua esposa Afrodite o traiu com Ares, Deus da guerra, e acabou se unindo a uma das três graças.

E embora Hefesto pouco apareça na maioria dos mitos, é por ser ele o único Deus que trabalha com uma equipe, que cria obras como as fantásticas criadas de metal que serviam em seu palácio de bronze e as já citadas armas e proteções de Deuses e SemiDeuses. Hefesto é o mais próximo dos humanos, e unir o poder sobre o fogo, a criatividade, a ciência e o trabalho é mais humano ainda.

Ares, quando consegue os favores de Afrodite, representa o garotão que está dando sopa quando o marido está afogando-se em trabalho? Ou Hefesto é aquele que trabalha demais por quem não o merece? Afrodite é uma mulher abandonada ou traidora?

Hefesto revela as mais poderosas criações humanas, o poder da persistência, do fogo que brota ao nosso redor e pode ser convertido em nossa ferramenta para galgar o Olimpo de nossas alegrias.

Ele é, sim, o Deus do fogo, do trabalho (também em equipe), do esforço. Ele nos traz a luz quando bate com seu martelo na forja e cria os raios. De sua sabedoria, ciência e força dependem os demais Deuses para operarem no plano dos mortais. Hefesto é o Deus que se manifestou para a criação da era da máquina, que trouxe o computador e as naves espaciais para o homem. Ao lado de Prometeu, um Titã, é o patrono daquilo que faz dos homens os senhores de si mesmos.

Basta que eles aprendam também que o trabalho é contrário à guerra.