25.2.06

Oitenta e quanto?

Acabo de ligar o rádio. Está tocando Capital Inicial. Mais especificamente, é o capital tocando uma música do Kiko Zambianchi. Em seguida, e não tou mentindo, tocou Kid Abelha, Titãs (Os cegos do Castelo!) e, pasmem, Tokyo. Hora do Flash Back? Que nada, mas algo se arrepia de medo em mim quando escuto a voz de Rick Martin com um refrão meloso e grudento.
Fenômeno temporal engole o Brasil?
Por um instante, duvidei de onde (quando?) estava. Como o meu velho e bom rádio do quarto não tem CD player, não consegui me situar no tempo. Estava tudo tão irreal, pinel, pinel, que resolvi pegar um jornal e ver o que acontecia. Explodiu um ônibus espacial, a França quebra o pau com os EUA e seu presidente ultra-direitista texano por causa de sua política de oriente médio. Estampadas logo abaixo, li as palavras Iraque, Taleban e Afeganistão. Crianças têm medo de armas nucleares caírem em suas cabeças, de Anthrax, de agente laranja. O Greenpeace cita Bhopal ao falar dos resíduos radioativos brasileiros. As roupas ousadíssimas e modernas dos desfiles tem rasgos propositais de trinta centímetros costurados com alfinetes de bebê.
Tudo bem, vamos à rádio de novo. Por que raios Ozzy Osbourne é ídolo adolescente? E toca Iron Maiden com um vocalista que entrou no grupo há pouco tempo: Bruce Dickinson. Red Hot é citado como renovação musical (?), enquanto toca uma ode à Califórnia. Mas não é California Über Alles. É Kalifornication. Alguém fala de Big Brother. Então eu entendo. Agora é 1984?
Em algum dia no fim dos anos oitenta, lá por 1991, 92, caiu o muro de Berlim de vez e com ele morreu uma década que não sabia que deveria morrer, que deixou inacabada tudo que trouxe.
Porém, esta década que acabou com um certo Bush guerreando com o Iraque, ressurgiu das cinzas ao descobrir que não era definida pelo confronto entre duas superpotências fajutas. Era definida pelo oriente médio, este misterioso lado do mundo que é disputado à tapa pelos senhores da guerra e do petróleo há eras. Era definida por músicas ingênuas de grupinhos brasileiros, por músicas de revolta de metaleiros, por negar as palavras que os Punks gritavam em seus coros, já então encurralados pelos que os queriam suavizados pelo lado rentável de suas grotescas e vulgarizáveis modas e ousadias. Eu não estou em 1986. Ainda. Não demorará até que a lambada volte. E o Rock´n´Rio! (O único, espero. O resto foi xerox mal-tirado).
Temos saudade, nós que agora somos maiores de idade (não adultos, ainda) de tempos em que as músicas falavam mais alto do que o mundo maniqueísta que víamos. Não que ele fosse simples, mas o entendíamos, pois suas canções falavam a algo mais que nossos testículos e nossas lágrimas de crocodilo, de dor de corno, de desejar virgindades do supermercado musical.
O Taleban não é mais a força democrática de heróis muçulmanos (quem lembra de Rambo 3, que nunca mais passou depois de 11 de setembro de 2001?), mas ainda portam armas americanas. Nunca pensei que teria saudades da velha União Soviética, anterior à Glasnost, pois ao menos ela trazia alguma alternativa, ou melhor, contrapeso, aos EUA no já pré-histórico “equilíbrio do terror”. Ao menos, Gorbathev e umas poucas vozes trazem algum equilíbrio às vozes da política mundial, ainda hoje. Não é estranho lembrar-se de quando os soviéticos eram o mal, mas os russos de hoje passam fome sob a sombra de uma máfia ex-KGB?
Mas tudo bem. Já voltei ao mundo moderno. Tem um imbecil falando que vai arreganhar as pernas de uma vadia, estuprá-la e enchê-la de tabefes. Nada como passar por uma rádio onde toca Funk carioca para sermos lembrados de que não faz tanto tempo que descemos das árvores.
Na verdade, não acabou a década de oitenta, de sessenta, de 1910, de 1840, de 860, de 1000 A.C. ou a de 300.000 antes da escrita. Continuamos lá, pensando se o trouxa vai se descuidar de sua banana para que possamos pegar ela e levar pra casa. Uma dessas bananas hoje se chama petróleo. Nossa casa faz com que metade do mundo viva na miséria ao gastar cem vezes mais energia e alimento que as casas da Índia. Nós nos chamamos de civilizados pois podemos ver um grupo se matar ante nossos olhos eletrônicos, trancados em uma casa-circo romano; e achamos o máximo que o governo tenha satélites nos vigiando a cada passo.
E agora está tocando Guns´n´Roses... logo, será Soft Cell, com seu hit novo, lançado em 2003.
Mas o que toca em minha mente é California Über Alles (que eu nunca soube como se escreve) e suas citações ao Big Brother que todos temem, mas ignoram.
Uma grande vantagem. Hora ou outra, vai ressuscitar o John Lennon, e vão tocar na rádio New Model Army com sua maravilhosa “51st State” e vão nos colocar de novo em 1989, mas indo para frente. E vamos saber usar Internet e outras coisas que o estado de coma chamado de anos noventa nos deram, sem explicar para quê serviam...

21.2.06

DO HORROR


Algumas considerações acerca do gênero horror aplicadas à literatura, cinema e teatro, extraídas de "A filosofia do horror - paradoxos do coração", de Nöel Carrol e de mais um monte de artigos em revistas e trabalhos.

Carrol expõe suas idéias do livro em busca da resposta a uma pergunta simples: por que raios alguém pagaria para tomar sustos, ou ainda mais, para ser enojada, apavorada, mantida em suspense e ter seu coração feito de tamborim, e porque quer?

Para chegar a isso ele analisa diversos aspectos que compõem o que ele chama de "horror artístico", em detrimento do horror real, do qual nós fugimos e pelo qual certamente não desejamos passar.

O horror nasce como o conhecemos por volta do fim do século 18, e uma relação deste seu definir com o domínio de seu oposto evocativo de racionalidade, chamado iluminismo, não é coincidência. Se estabelece com o romance de Shelley e toma fôlego com o cinema. Mas quando chega ao cinema, ele já tem uma longa história com o teatro e com a ópera. Disto, ele ganha uma estreita relação do gênero com os modos narrativos da moda de então, como o realismo melodramático e os experimentalismos de gênero (mas não só: Há algo que se deve ao expressionismo advindo do romance gótico que está além, tocando de alguma forma no épico especialmente no que se refere aos enredos do extrapolador).

A princípio, busca-se uma caracterização que seja ampla o bastante para abarcar todos os tipos de narrativas que atinjam o horror artístico e mesmo exemplares de artes plásticas e outras não-narrativas. Essencialmente, um fantástico ente extraordinário que aflige um mundo ordinário, e causa um sentimento na platéia chamado de “horror artístico”. Isso é muito diverso de um conto de fadas, que possui fantásticos entes que são, em verdade, ordinários em um mundo extraordinário, e portanto estabelece-se uma oposição que define o gênero.

Do monstro.

O cerne do Horror é a presença de algo ameaçador que é avesso a caracterizações culturais e portanto ofende violentamente nossas interpretações e classificações. O número de descrições de criaturas na literatura através de sentimentos de enlouquecimento quando de seu surgimento é um bom exemplo deste aspecto. A criatura é necessariamente intersticial e impura, isto é, fusionada (que violem as distinções categóricas de dentro-fora, animal-homem, vivo-morto... como vampiros, fantasmas, a criatura de Frankenstein ou zumbis) ou fissionada (lobisomens, dado a fissão entre dois aspectos diferentes no espaço/tempo, ou psicóticos, pela fissão entre o homem controlado e seu aspecto amoral); massificada (abelhas assassinas) ou magnificada (um tubarão que mata em um verão o que todos os tubarões do mundo matam em uma década, dinossauros, mas também aranhas gigantes), ou ainda dotada de capacidades que escapam ao ordinário.
Norman Bates é uma figura que escapa a nossas categorias culturais estabelecidas, e mesmo não sendo sobrenatural no sentido usual desta palavra ele está além do que chamamos de natural e suas capacidades ao longo do filme dão uma impressão de sobre-humanidade. A criatura também evoca repugnância (e novamente a quantidade de caras e bocas de “vou vomitar” do cinema e as descrições de asco da literatura, assim como a presença de elementos sanguinolentos em muitos dos filmes que se prezam ao estilo “prova de fogo para adolescentes testosteronizados” serve a isso), mesmo que seu aspecto não seja enojante, como o assassino da HQ “Do Inferno”.

Da estrutura narrativa

A estrutura do gênero horror é identificada através de dois moldes que eu com minha cinemateca mental, resolvi concordar sem pestanejar por não encontrar exceções de super-estrutura a estes moldes. O primeiro e mais comum, e podemos usar "O exorcista" como exemplo, é o enredo do descobrimento, com uma de suas modalidades, o descobrimento complexo, sendo a básica a partir da qual há variações. Esse enredo complexo é feito de quatro momentos: a irrupção, onde o objeto de horror exibe danos, mortes ou inflige suspense aos protagonistas e seus efeitos são percebidos (a longa introdução onde descobrimos o que está acontecendo com Regan); o descobrimento, feito pelos protagonistas e que faz com que nasça a necessidade de combater o problema (quando a mãe de Regan a vê girando o pescoço e descobre que o que acontece com ela é anti-natural), a confirmação, em que os protagonistas precisam obter recursos ante um mundo ou figura de poder que tem a capacidade de evitar os danos ou controlar a entidade (o convencimento do padre Karras e da igreja acerca da necessidade do exorcismo. em geral é uma figura poderosa, mas podem ser apenas um adulto com as balas de prata, como em "Bala de prata", de Stephen King. A corporação que tenta manter o Alien vivo ou a prefeitura que mantém os banhistas vindo em "Tubarão" são outros exemplos); e por fim, o confronto, (o exorcismo) que contém em si o acúmulo de desesperança criado durante a confirmação que é necessário para um elemento comum, mas não imprescindível para o horror: o suspense.
As variações no descobrimento complexo acima descrito são por volta de 14, estabelecidas pelos elementos subtraídos ou recombinados acima. King Kong não tem irrupção ou confirmação, por exemplo. Drácula tem os quatro, que se repetem ao longo do romance para estabelecer os diversos níveis onde a questão do vampiro é discutida.
No cinema, especificamente, é comum criar-se um elemento introdutório aos demais que serve como recurso dramatúrgico, a fim de estabelecer empatia entre protagonista e público e também a repugnância e assombro ao elemento sobrenatural.
O segundo molde é aquele, exemplarmente, de Frankenstein: o do Extrapolador. Essa figura viola uma ordem natural e cria algo que escapa ao normal, com conseqüências nefastas. Jurassic Park e Constantine (o filme, devido ao surgimento da lança do poder) se enquadram nesta premissa.
O suspense, como é óbvio, nasce de um padrão simples: o que é moral tem baixa probabilidade de vitória, o que é mau tem alta probabilidade. Sustenta-se normalmente por meio de perguntas imbricadas cujas respostas direcionam o espectador ou leitor até onde desejamos.

O suspense é um componente comum no horror, mas não obrigatório. É algo de imensa simplicidade: o suspense nasce quando aquilo que é moral, benigno e/ou com que tivemos identificação tem baixa probabilidade de sucesso e seu oposto amoral, maligno e/ou repugnante tem alta probabilidade de sucesso. O acúmulo de desesperança citado acima vale-se disto.

Da mesma forma, o modelo de thriller é comum também e muitas vezes divide uma história com o suspense. Contraposto a este, o thriller parte de uma desabalada batalha ou perseguição, em seqüências de fatos que criam por si sós a história, sem a criação de climas imbricados. De certa forma, "A guerra dos mundos" é um thriller onde o suspense nasce da impotência ante a destruição, apenas.

Outro elemento comum ao horror é o fantástico, como elemento narrativo que propõe a dúvida entre a realidade ordinária e um elemento que a abalroe, escape-lhe, questione ou destrua. Em geral, na ficção cinematográfica, não há espaço para que o fantástico fique em seu estado puro, que é o irresoluto, mas na literatura é relativamente comum que nunca saibamos se algo que nos intrigava como violação possível da realidade realmente o era.

A sugestão também vive no horror. H.P. Lovecraft escreve: “Apenas o suficiente é mostrado, e apenas o mínimo é dito”. Stephen King e Clive Barker concordam com uma visão pessoal mais simplista, que nas palavras de King poderia ficar assim: “o terror é a emoção mais fina, e assim, tentarei horrorizar o leitor. Mas, se achar que não conseguirei, (ou não obterá o efeito desejado), tentarei horrorizá-lo. E, se achar que não posso horrorizar, partirei para a grosseria”.
Barker sempre parte para a grosseria, basta lembrar de Hellraiser.
Aqui, o horror é diferido do terror, sendo este primeiro considerado irmão do suspense e uma mistura de medo com imaginação. O horror é o medo mais o retrato gráfico horripilante que conduz a imaginação, e a grosseria é medo acrescido dos detalhes pegajosos, cruentos e moralmente ofensivos, como cabeças de feto recheadas de vermes na mesa do café da manhã.
Viu como funciona?

Assim definidas, as duas estruturas narrativas básicas encontradas em todas as peças do horror INDEPENDEM DOS MOLDES ESTRUTURAIS da literatura ou dramaturgia. Podem ocorrer em tragédias, líricas, melodramas, dramas, épicas ou o que o valha. Está acima do modo como as histórias serão montadas.

O melodrama, caracterizado usualmente como construção de uma narrativa que busca a exacerbação do emocional durante seu usufruto; tem uma ponte musical de onde vem sua definição clássica: o uso da sonorização em prol da construção psicológica de um estado emocional almejado. Esta última é própria das artes interpretativas, mas o melodrama em sua primeira definição casa como uma luva no que conhecemos e queremos com o horror. Ele é definido por provocar no público sentimentos acima e alheios aos naturalistas, afinal.

Certa vez escrevi sobre o que adaptações cinematográficas devem a Wagner e suas premissas lançadas, primordialmente, com “O anel dos Nibelungos” e até onde isso chega, como por exemplo outro subproduto da cultura nórdica, “O senhor dos Anéis”. Mas isso fica para depois.

Do medo.
Vou viajar um pouco. Quando assisti a “Aliens, o resgate”, pela primeira vez, fiquei fascinado, mas ele é uma ficção de horror extremada na ação. Tempos depois, quando vi “Alien, o 8º passageiro”, passei a encarar “...Resgate” como algo muito mais assustador, pois ali a criatura serve ao propósito horrorífico como poucas vezes se viu no cinema, ainda mais na Sci-Fi.
Em compensação, depois de duas cenas, ninguém mais tem medo do Slot em “Goonies”. Mas soltem o Slot na “Nostromo” e falem para ele que se ele trucidar todo mundo ele ganha um chocolate e temos um horror. Filmes com palhaços assassinos foram feitos e deram medo a algumas pessoas, ou o medo de palhaço é tão limitado que você não conhece ninguém que tenha? Claro que isso tem a ver para alguns com o Serial Killer que matou um monte de crianças vestido de palhaço e que inspirou uma das facetas de Hannibal “the cannibal” Lecter, mas apenas isto? O palhaço é desconhecido e se faz de bom, mas sob ele há aquele ser horrível, um humano adulto.
Carrol não inclui exemplos de um horror que ficou ainda mais comum depois que seu livro foi escrito, o horror dos psicopatas assassinos. Até então, o mais comum é que até mesmo assassinos maníacos tinham poderes sobrenaturais, como Jason. Mas os assassinos de filmes são tão impossíveis quanto os aliens.
Uma técnica de terapia anti-fobia recente consiste em fazer com que o fóbico observe objetos que remetam à forma básica do seu objeto de medo e isto faz com que sua mente associe a imagem mental indireta ao inofensivo e por tabela a mente começa a dar o justo valor ao que a aflige. O exemplo clássico é expor um aracnofóbico a cabelos rastafaris, chips de computador e polvos até que ele conceba a aranha como apenas mais um objeto. As implicações na forma de interpretação/associação mental que possuímos ainda merecerão estudos imensos para explicar por que raios isto funciona.
Teria o horror função parecida, mas em forma de fenômeno de massa? Nos faria pouco a pouco capazes de suportar as agruras da vida e depois nos confortaria, satisfazendo nossos anseios que não conseguimos explicar, dando-nos uma válvula de entendimento para um mundo além do compreensível? Mostrar que há algo além inexplicável, e que mesmo que ali isso seja horrorífico, quer dizer que igualmente poderia haver algo desconhecido e benigno. Fica a idéia complementar à abaixo exposta...


Do paradoxo final.

Diversas vezes pensadores e autores do horror propuseram respostas ao paradoxo que o horror artístico traz. Duas das mais citadas são a de Stephen King e a de H. P.Lovecraft.
King defende, e aí alia uma visão política óbvia em sua obra, que o horror é um agente da norma, e a motivação básica dos consumidores do gênero seria a vontade de ver suas certezas e ideais de normalidade refeitos ao fim de um conflito com seu oposto. Politicamente, isso pode ser interpretado como uma visão direitista do horror, pois ele obedeceria/confirmaria o status quo. O número de obras subversivas ou/e que não tem final de retorno à normalidade derrubam essa tese, embora ela ainda sirva a muitas obras, subciclos do horror e mesmo a Stephen King em particular (vocês já repararam que os velhos, gays, mulheres não-submissas e qualquer outra coisa que não seja do gosto do americano médio são sempre as que morrem nas obras de King?).
Lovecraft, por sua vez, pode ser considerado o primeiro teórico do gênero. Sua hipótese é de que buscamos o horror por desejarmos um assombro secular e cósmico, uma irrupção de algo maior que nossa realidade. Ele tem razão no que se refere ao tipo de obra que ele mesmo escrevia, onde a grandiosidade dos fatos sobrenaturais sempre, sempre extrapola a realidade comum em no mínimo mil vezes.
Obviamente nem toda obra de horror faz com que vislumbremos uma fração do estupendo que abarca nossa mísera realidade, mas isso explica também o motivo pelo qual a repugnância é superada: o fascínio compensa a sensação desagradável, pois ele é parte daquilo que nos é demonstrado como sobre, muito sobre o “natural”, aqui visto como uma visão curta e emparedada por concepções de moral ridículas, de certa forma, e às quais o objeto do horror só poderia solapar.
Portanto, para Lovecraft, ficar enojado é o preço para vermos embasbacados o quão pequena é nossa forma de pensar. As criaturas de Lovecraft sempre são de poder cósmico assombroso? Nem sempre. Assim como devemos nos lembrar que Lovecraft era racista e conservador. Essa visão do horror como “estupro prazeroso ao nosso cérebro” não é ampla o bastante.
Aí entramos no campo da psicanálise. Os medos primários do inconsciente coletivo seriam um prato cheio aos Junguianos, e as estruturas libertadoras, por catarse, das repressões internas que o horror oferece seriam a sobremesa Freudiana. De novo, não dá pra pensar em estrutura repressora liberada quando um pé de lagarto gigante nos esmaga, e que medo primário aparece em uma obra como “O Sabath das bruxas” de Goya? Igualmente, podemos imaginar que nem todo horror é uma prova de masculinidade para adolescentes.

No fim, a explicação mais genérica possível é a do senso comum, e é perfeita em sua simplicidade:
Aquilo que normalmente seria evitado, na ficção é alvo de curiosidade e fascinação pela impossibilidade categorial, e esta curiosidade é estimulada ainda mais quando é orquestrada por uma narrativa que induz ao descobrimento / definição de um mistério, mesmo que insolúvel. O objeto de fascínio é diferente de nossa realidade categorial por seus aspectos horroríficos (intersticiais, ameaçadores e impuros) e exatamente por isso é uma curiosidade que deve ser enfrentada. O sentimento que isso desperta é ainda mais forte quando há um desafio a ser galgado, o que se aplica sobremaneira à estrutura narrativa. Ainda mais, quando há um elemento de descobrimento.

Tal satisfação de curiosidade ganha vulto em momentos socialmente tensos. Os ciclos do horror no cinema americano são claros quanto a isto (a depressão a partir de 1929, a paranóia anticomunista, a fragilidade da economia dos anos oitenta, e atualmente o medo com o desequilíbrio social mundial provocado pelo Bush).

Enfim, quando observamos o horror em nossas vidas, continuaremos a buscar motivos em nós para enfrentarmos Fred Krueger no cinema. Sem saber que é exatamente a curiosidade sobre sua natureza bizarra que nos leva até a sala escura. Saber isso não acaba com a graça do horror, mas faz com que nos liberemos para os outros aspectos de leitura disponíveis em uma obra e que nos dizem mais a um aspecto da realidade específico. E o horror é nosso gênero quando imersos nas incertezas, pois ao confrontar elementos que vão além de nossa capacidade avaliativa na ficção conseguimos satisfazer muitos aspectos mentais, como a sagacidade e a curiosidade, para que ajam no mundo das nossas, agora, devidamente dimensionadas dificuldades.

E eu odeio o “O vingador tóxico”. Mas morro de medo em “O Iluminado”.