20.12.09

Desencapetamento geral!

Já viram isso nas portas de igrejas evangélicas? Pois é, igrejas que colocam faixas na porta com essa frase partem do pressuposto que somos todos encapetados, e seres sobrenaturais malignos grudam em nós e estão muito preocupados com a felicidade humana, a ponto de se dedicarem exclusivamente a sabotar a existência de quem quer que seja.

E quem está encapetado precisa passar lá no templo falar com o pastor, preferencialmente com o talão de cheques na mão, e se desencapetar para ir em frente.

Tem capeta muito pior por aí. Declaro aqui, para todos ouvirem e dar a força do consciente coletivo, que desejo todo o mal possível e imaginável aos capetas mundanos e mortais que há por aí. Desejo doença, fraqueza e miséria, baixa-estima, sofrimento e dor a todo aquele que feriu a mim e aos meus. E essa dor, lógico, seja exclusiva do ente maligno em questão. Declaro-os oficialmente amaldiçoados.

Igualmente o faço para cada político corrupto deste país, para cada criatura despótica andando pelos corredores da política mundial, para cada economista que numera os famintos como consequências do crescimento mundial, para cada mané que não assume seu compromisso com as gerações futuras e coloca empecilhos nos acordos para diminuição do desmatamento, da geração de gases estufa e salvamento de espécies.

E desejo a todos que não se enquadrem nisso Justiça, Amor e Prosperidade.

13.12.09

Deixa ela entrar, mesmo!



Para qualquer um mestrado em filmes de terror e seus personagens clássicos, a atual onda de vampiros emos celibatários, lobisomens "bom-selvagem" e regravações pobres de filmes idem pobres dos anos 80 é um chute no estômago.

Ser original em um filme que não tem a menor necessidade de ser fiel à realidade é no mínimo fácil. Ser original, contando uma boa história, com bons personagens e respeitando as convenções do gênero é um pouco mais difícil, mas certamente não tanto quanto foi pra a autora daquele filmeco adolescente de vampiro acabar com a noção de liberdade, prazer e abandono da repressão duramente conquistada pelas últimas gerações de contestadores.

E é por isso que eu aplaudo um (O?) dos melhores filmes do ano, um dos melhores filmes de terror dos últimos tempos e certamente um dos maiores filmes de vampiro de toda a história da sétima arte: "Deixa ela entrar" (“Låt den rätte komma in”).

Pessoas, ele só está passando em um cinema de São Paulo agora, mas corram para vê-lo. É de uma sensibilidade ímpar, além de climática e assustadoramente envolvente, a história da vampira de doze anos ("mas tenho doze anos há muito tempo.", ela diz) que fica amiga do menino cuja raiva contida por ser o capacho dos valentões da escola é mais assustadora do que qualquer ser sobrenatural.

Quem realmente conhece a mitologia dos vampiros conhece alguns elementos sagrados para criar as histórias, mas "Deixa ela entrar" cuida e recria alguns destes elementos sagrados com uma liberdade respeitosa (nada de não poder aparecer na luz do Sol por que brilha como uma mulata globeleza).

Aprendemos, por exemplo, que vampiros, quando entram em uma casa sem serem convidados, podem ser mortos no interior desta.É o elemento que batiza o filme, mas cria uma das cenas mais angustiantes, embora seja apenas um pequeno detalhe sem consequências do enredo, já criadas com um vampiro em cena.

E não, apesar de ser uma graça, a vampira não é um ser bonitinho acometido por culpa. Ela é uma assassina terrível e perigosa, e sob diversos aspectos notamos o cuidado da composição "predatória" da criatura. Estranha e deliciosamente, notamos que o diretor a recria com algo de felino, e não como um morcego ou outro sanguessuga qualquer. A nobreza ganha com este recurso destaca enormemente o modo como entendemos e respeitamos a criatura retratada. E dá-lhe sangue! O filme não nos poupa de mostrar o que significa ser uma criatura sobrenatural que vive de sangue.

Tão fascinante quanto a vampira é seu amiguinho humano. Apanhando do valentão da escola de uma forma bem humana (nada dos exageros hollywoodianos de Bullying escolar), dele brota algo que hora ou outra o faria entrar atirando no colégio. Funcionando como condutor da história, o menino é tão pálido que notamos nele sua condição de papel em branco sobre a qual é apresentada uma crítica social, é descrito um universo sobrenatural vizinho e terrivelmente próximo a nós, e desenhada a formação de uma relação tão amorosa quanto é possível para uma predadora sem culpa e uma pessoa.

E sem abobrinhas romanticidas. Aqui cabe uma citação roubada da crítica do G1: é uma “exploração impressionante da solidão e da alienação através de um reexame magistral do mito do vampiro”, declarou o júri do Festival de Tribecca, em Nova York, ao premiar o longa-metragem dirigido por Tomas Alfredson como “melhor narrativa” da competição.

Em suma, há muito tempo eu não saía tão feliz (e tendo tomado tantos bons sustos) de um cinema. Procurem nas locadoras em breve, comprem o filme, e não se assustem com a inesperada origem nórdica do filme. Ela dá um tom completamente diverso para tudo.

5.11.09

De quando Ulisses retorna a Ítaca.

Hoje é 5 de novembro.
Hoje terminou o ciclo dos piores 365 dias que já vivi na minha vida no que se refere ao que acredito, que luto, que faço para viver.
Hoje terminou a dor, a vontade de morrer que se abatia na cama, o ódio e seu poder imenso, horripilante e inescapável como as Fúrias mitológicas.
Eu devia ter tomado comprimidos iguais aos da Doida, a macaco-prego fêmea alucinada, e tido doces viagens serotoníticas para longe das pessoas e suas mediocridades?

Não consegui, durante todo este ano, falar sobre o tamanho da dor. Sobre como isso me transformou em algo muito pior do que eu era. De como tem chão para ser percorrido para que eu recupere o tanto perdido, o tempo gasto, a pele perca as rugas e o sono volte ao normal.

Mas agora acabou.

Para quem estava do meu lado, acredite: vocês não viram nada. Ninguém soube de mais do que uma parcela reduzida da sensação. Eu sou um ator, não esqueçam. E este ano foi aquele no qual mais atuei. Era isso ou ter que suportar os outros sofrendo comigo, por mim, incapazes de solucionar os problemas.

Sabe quantas maneiras diferentes existem de... não, melhor não falar. Há quem vá usar contra alguém.

Meditem, pessoas. E pensem na benção da ignorância. Por vezes ela vale a pena. Hoje deixo aqui o que resta de terrível desse ano. E saúdo o búfalo por ter enfrentado o rato e o transformado em patê.

A partir de amanhã, os posts voltam ao lado feliz do mundo.

12.10.09

Dia das crianças

Celebrar a criança interior é diferente de se tornar infantilóide.
Em algum lugar que já virou história, quando o mundo se dividia entre vermelhos e azuis, o terceiro mundo padecia com militares no poder, ninguém reciclava lixo, o apocalipse era questão de tempo e a Etiópia era a prova disso, eu era criança. E qual a solução para aquelas crianças sem futuro? (ah sim, o punk cantava "No future").

Doses inimagináveis de imaginação. É! Todo programa infantil pregava que, se tudo está uma merda, se você sofre, se está reprimido, com medo de monstros debaixo da cama, de bombas nucleares, de abutres esperando mortos de fome e policiais descendo o cassetete no seu irmão mais velho... OS SEUS PROBLEMAS ACABARAM. Basta que você USE A IMAGINAÇÃO!

E era isso pra todo lado. Peter Pan, Pirlimpimpim, Plunct Plact Zoom, Sítio do Pica-pau amarelo, A história sem fim, Steven Spielberg, Rambo e por aí vai.

No fundo, no fundo, isso ajudava a criar uma geração que não questionasse, pois o descontentamento era facilmente tratado dando a essa galera doses de sonhos tornados realidade. Circo bastava para calar toda essa turma, incutida da idéia de que a realidade é um saco e que a solução mesmo é viajar na maionese.

Tá. O onírico é fascinante. Mas a capacidade de realização desta geração foi prejudicada, abrindo caminho para a seguinte ainda mais alienada, adultificada antes da hora. E todos se esqueceram do que significa ser criança em um mundo onde a adolescência se expande a níveis absurdos. Aos oito anos, meninos e meninas se acham adolescentes, e quarentões de toda parte se acham no direito de se comportarem como pivetes de dezoito anos.

Adolescência é a fase cretina onde somos apresentados ao mundo adulto e só podemos consumir nele, sem criar este mundo. E onde nossa imaginação e poder criativo são podados, deformados, reprimidos e julgados por nossos colegas, sociedade e por nossa pretensão de sermos muito maduros quando não somos.

Por isso, eu prego: usem a imaginação! A imaginação, a brincadeira, o jogo, isso nos prepara para sermos alguma coisa. A imaginação criou Einstein, Da Vinci, Cousteau, enquanto o cartesianismo só cria no máximo os CEO de empresas que temos por aí, aquelas pessoas que acabam de afundar a economia mundial ganhando muito para não produzirem ou criarem nada.

Na boa, uma criança que sonha ser caubói ou astronauta ou professor ou médico vale muito, mas muito mais do que qualquer adulto que resolveu que tinha que escolher uma profissão lucrativa para ter o carrão do ano. E um adulto que virou economista precisa, de vez em quando, meter o pé na lama para não se esquecer de quando queria ser bandeirante e explorar o sertão atrás de esmeraldas.

O homem de fato, o adulto de verdade, é a imaginação calibrada e dotada de poder de realização.

Tudo isso pra desejar-te um feliz dia onde a criança interior renasça. Uma criança com o poder de realização e a força de adulto, uma criança com dinheiro, informação e passadas de adulto. Uma criança capaz de fazer, não só de sonhar, o que quer ser quando crescer.

25.7.09

Verde que te quero verde!


Existe um tremendo preconceito contra ambientalistas. Basta o pobre coitado do humano dizer que o meio ambiente está sendo destruído que pinta um engraçadão dizendo "Ah, você é do tipo que vai pra moita com a garota e come a moita, né?"

Isso acontece por causa do início do movimento ambientalista. Quem entendeu o problema explicou ao mundo, mas quem captou a mensagem na época foram os que estavam naquele exato momento repudiando o atual sistema social e viram na destruição ambiental um sintoma disso: os hippies, os beatniks, os excluídos, os engajados (ou em uma visão de quem estava conformado: os drogados malucos, os revoltados, os pobres e feios imigrantes, os frustrados, os comunistas...).

Cretinos a parte, a crítica útil mais comum é simples: pessoas não deviam ter prioridade nas decisões? E eu entendo isso. Fica difícil entender os motivos de não destruir a floresta da centopéia de peito rosado se fazendo isso vamos abrir espaço para produzir comida para os famintos e espaço para casas próprias. Mas é fácil: um mundo onde existe a centopéia de peito rosado é o mundo onde humanos podem viver. Um mundo sem centopéias de peito rosado é um mundo diferente daquele onde o humano nasceu.

A questão é: nós JÁ produzimos comida o bastante para dar 2500 calorias para cada um dos 6,5 bilhões de habitantes humanos da Terra. E sobra para os bichos de estimação de todos. Aí você se pergunta como ainda vemos imagens da Somália com centenas de pessoas esqueléticas num acampamento dos médicos sem fronteiras? Fácil: vá ver como são bem nutridos os políticos da Somália, os guerrilheiros da Somália, os reis do petróleo árabes, seu vizinho que joga fora meia pizza sempre que não tem visitas em casa, as vitimas da epidemia de obesidade dos E.U.A. e Europa...

Explico outro detalhe: se a tecnologia de produção de alimentos mais moderna fosse usada em todas as áreas hoje em cultivo da América do Sul, a produção dela bastaria para alimentar o MUNDO! Não ia ter carne no prato de todos, mas daria tranquilo. Se fosse usada nas áreas hoje cultivadas (isto é, sem derrubar uma árvore a mais, sem usar os campos abandonados de cultivo ou as áreas de pastagem já em uso) do planeta, todos os habitantes da Terra teriam 4 refeições por dia, com carne pelo menos 3 vezes por semana e sobremesa. SEM precisar aumentar os níveis de pesca ou a produção de carne mundial de hoje.

Mas a tecnologia mais moderna depende de pagamento de royalties e da permissão de todos os que ganham com a miséria.

Sabiam que o viagra é o mais poderoso instrumento na luta contra a caça ao rinoceronte? Eles são mortos, principalmente, devido aos supostos poderes afrodisíacos do pó feito com seus chifres. O viagra diminuiu a procura por chifre de pó de chifre de rinoceronte a níveis muito menores do que a média histórica. O bicho ainda corre risco de extinção, mesmo assim.

Um aumento de 2 graus na temperatura da Terra terá efeitos graves na disseminação de doenças, destruição de áreas férteis, secas, tempestades, elevação dos níveis do mar e muitos outros.

Um estudo recente mostrou que comunidades brasileiras que vivem ao lado de uma floresta preservada na região amazônica retirando, de forma sustentável, seu sustento pelas últimas décadas, possuem renda per capita X. Quando aparece, por exemplo, uma madeireira ou mineradora predatórias, a devastação faz a renda crescer pra algo como 1,5 X durante o período de exploração, o que alegra o caboclo. Quando a floresta (ou os recursos abaixo dela) acabam, os donos da tecnologia vão embora e largam a comunidade original sem a floresta que os sustentava antes, sem dinheiro e com uma renda per capita pior do que nunca.

Aí entram outros aspectos menos defensáveis: o cara que reclama pois ambientalistas não o deixam fumar dentro do bar e o obrigam a revisar seu carro, a perua que não pode mais sair de casaco de peles e não liga em ter raposas mortas em cima de si, o fulano que tenta convencer o amigo vegetariano a comer um bifinho.

Todos tem direito a respirar, portanto não merecem atenção os que repudiam leis anti-fumo ou inspeções veiculares. Na remota hipótese de um dia existirem fazendas de produção de peles que não usem de tortura ou de condições precárias de criação de animais de pele, podemos volta a discutir o assunto, pelo mesmo ângulo do vegetarianismo. Francamente, ser vegetariano pode incluir uma questão pessoal de não gostar de animais que sofreram no prato e uma questão geral muito mais séria, que é o fato de que a alimentação, espaço e água usados para um único boi, antes de chegar no prato, seria o bastante para abastecer FAMÍLIAS inteiras.

Um último adendo. Os ambientalistas são malucos, que fazem arruaça na rua, fumam maconha e sei lá mais o quê. São como roqueiros que ao invés de destruírem quartos de hotel se amarram em árvores e querem tirar o emprego de trabalhadores honestos.

O Midnight Oil é uma das bandas que mais ferozmente se engajou, durante quase 30 anos, na divulgação de mensagens de preservação ambiental e proteção à cultura aborígene (eles são australianos). Suas letras denunciavam mineradoras, políticos, alienados e seus shows eram um saco de produzir, pois eles exigiam compensação ambiental pelos danos que o evento eventualmente causasse.

Pois bem. O roqueiro maluco que cantava no Midnight Oil é hoje o ministro do ambiente, cultura e ancestralidade da Austrália. Entrem no site de Peter Garret e vejam-no, ainda careca e com a mesma cara de maluco, criando leis e meios de educação ambiental. O rock, de fato, está cheio de ambientalistas que fizeram muita arruaça. Mas eles fazem mais barulho ainda do que antes...

22.7.09

Black is beautiful.



Quando fala-se de preconceito, o mais lembrado, sem sombra de dúvidas, é o contra gente da raça negra.

Esta frase já carrega em si uma enorme carga de preconceito. Primeiro, que preconceito é algo que se refere somente a cores e não a dezenas de outras coisas que fazem grupos muito diferentes de pessoas sofrerem. Segundo, que negros são negros. Ninguém é negro, as pessoas são marrons, todas elas, em diversas tonalidades. Algumas quase róseas, mas essencialmente beges. E enfim, que há raças na espécie humana.

Há raças na espécie humana?
Geneticamente falando, um lulu da pomerânia é uma espécie completamente diferente de um rotweiller, e todos são cães. Este é um conceito de raça levado ao extremo. Mas mesmo falando de raças comuns, como as diferentes subespécies de macaco-prego por exemplo, é identificável uma certa distância genética que difere estas raças. Na espécie humana esta distância inexiste, e portanto podemos, no máximo, falar que há variedades na espécie humana.

Negros são mais agressivos que os outros? Fui assaltado por um negão, tinha que ser, né?
Primeiro, não existe "Um" negro. Afora a imensa variedade dos indivíduos, há tantas etnias diferentes que possuem a cor escura que não se pode fala de um só tipo de gente de cor marrom. Muitos caucasianos não diferem um japonês de um chinês ou um coreano, assim como não diferem um Tutsi de um hutu ou de um massai. Um aborígene australiano tem tanto a ver com um hutu quanto tem com um polinésio. Um turco tem tanto a ver com um bosquímano quanto tem com um hindu.

Assim sendo, vamos nos concentrar no aspecto social: imagine que a sua linhagem inteira, e a de todos os que estão perto de você, foi criada a base de chicote, marginalizada, alvo de achaques e humilhações, preterida no emprego por ter a cor errada embora mais competente e experiente, obrigada a trabalhos braçais intensos e bombardeados pela mídia como fisicamente mais fortes e brutos. Ou ainda, ser parte de um país que foi joguete de potências coloniais que forçaram a divisão de terras levando em conta tudo, menos o povo que lá habita?
Isso influencia a corrente predominante do pensamento de uma comunidade obrigada a condições de vida terríveis e submetidas a criminosos de todos os tipos? Isso causa guerras civis terríveis em um país?
Daí, negros são a maioria nas cadeias e cometem mais crimes. Com os japoneses na mesma situação, após 5 séculos de dominação, seria diferente? Seria diferente se tivéssemos raptado brutalmente poloneses de seu país e arrastado-os para outro mundo para serem escravizados geração após geração? Se dominássemos colonialmente a Rússia e a tornado nosso depósito de bandidos, conquistadores sanguinários e destino de milhões de homens e mulheres escravos, obrigados a produzir incessantemente para mandar as riquezas para o dominante mais fraco que nós?

Minha vizinha tá de caso com um negão.
A fantasia do negão é parte da propaganda preconceituosa do mundo. O homem negro é animalizado, serve de desculpa para a dondoca reprimida por séculos de doutrina cristã soltar seu lado fêmea, pois afinal ela está com um animal ao lado, não um humano. E se ele forem pegos, sempre é mais fácil acusá-lo de estupro e sair de vítima na história. A mulher negra então nem se fala, é objeto. Claro, muitos negros se sentem a vontade neste papel, pois ganham fama e mulheres, e esquecem do papel que o mundo lhes dá. Mas entra também o papel das características físicas dos povos, de que falamos abaixo.

Jogador de futebol bom é o Pelé.
Temos, sim, diferenças físicas entre as variedades humanas. A resistência física dos quenianos em provas de longa distância é uma lenda nos esportes. Em compensação, o atual recordista de cem metros rasos, uma prova de explosão muscular, é negro mas tem tanto em comum com um queniano como tem com um russo, além da cor.
MAS... essa capacidade física não é comprovadamente uma característica dos negros: pode ser simplesmente o efeito de que mais negros tentam as chances de ascensão social através do esporte. O crescimento dos chineses no quadro de medalhas é um sinal disto. Ninguém tem fantasias sexuais selvagens com chineses branquelos e baixinhos, mas eles estão colocando muitos outros povos famosos por suas características físicas no chinelo.

Negros aprendem menos?
Quantos negros você vê em uma classe de cursinho e quantos você vê em uma classe de futebol? E na mídia, vemos negros no papel de cientistas e de jogadores de futebol na mesma proporção? Muitos ignoram o poder dos estímulos externos na conformação dos desejos e das aptidões de uma pessoa. Isso sustenta minha opinião sobre cotas em faculdades: eu sou afro-descendente, mas isso não aparece na cor da minha pele. Tenho direito a uma vaga facilitada na pós que eu quero? Cor é prova de alguma coisa em um mundo mestiço? Não, mas pobreza é. Cotas por condições sociais são enormemente mais justas que cotas para negros, pois aposto que o boliviano, o coreano e o português que vieram para o Brasil em busca de oportunidades e mora em um cortiço merecem chance de estudo. E certamente vão ter mais negros entre as classes mais pobres, pelos mesmos comentários acima citados para violência.

Negros são preguiçosos.
Fale isso para um cara que fica dez horas por dia, se não mais, pendurado em um andaime, carregando tijolos, submetido a agravos causados por condições perigosas de labuta, correndo o risco de ser mandado embora e sem registro em carteira, e que não consegue um emprego mesmo com segundo grau completo e muito esforço e dedicação por causa de sua cor e por ser tachado de preguiçoso. Pergunta se ele tinha pais que tinham dinheiro o bastante para mantê-lo dedicado aos estudos até os 25 anos, como fazem muitos por aí, e se isso garantiria-lhe o mesmo salário que o branco ao lado dele tem.
Até eu ajudo-o a bater em quem vem com essa.

Logo tem mais sobre o assunto.

10.7.09

Os cabelos de Lionel Ritchie


Este texto nasceu antes da morte do rei do pop. Referia-se a outro dos grandes cantores negros que emergiram da Motown, a gravadora mítica que recriou a música ao trazer para a massa a música empolgante dos negros americanos, sem deixar esta presa às convenções do gueto.

Já dizia o Scandurra, do Ira: Se é pra fazer sucesso, não adianta fazer folclore. Isso significa que se deve, mesmo quando se cria música regional, buscar a universalidade do que dizemos. Nenhuma arte é grandiosa se só diz algo a um grupo privilegiado de pessoas que entende seu significado.

Lionel Ritchie surgiu como primeiro vocalista do lendário grupo vocal “The Commodores”, nos primórdios da Motown. Alçou vôo solo nos anos oitenta, primeiro compondo para o cantor country Kenny Rogers, depois com um mega sucesso com Diana Ross (Endless Love) e um disco recheado de sucessos. O maior deles foi
“All night long”, duramente criticado por supostamente perpetuar, com sua “pegada caribenha”, que a música negra podia ser reduzida a uma coisa só. O cabelo antes “Black Power” domado em um enroladinho molhado não ajudou.
Ritchie reagiu fazendo mais sucesso, e com dois exemplos que passavam por cima da idéia de cor na música.

A oscarizada (vejam aqui: http://musicaseleituras.blogspot.com/2008/09/as-trilhas-sonoras-do-oscar-say-you-say.html) música para o filme “O Sol da meia-noite”, um libelo da arte contra a barbárie, ali representada pelo estado soviético repressor. Mas não só: o personagem representado por Gregory Hines fugiu dos Estados Unidos para viver como dançarino na então U.R.S.S. após um colapso emocional causado pelo horror perpetrado por seu país no Vietnã. O filme transita entre a barbárie dos dois mundos (comunista e capitalista), e embora a opção hollywoodiana seja pelo país onde há mais liberdades individuais, as críticas são para os dois lados. A “liberdade americana” tem um preço alto em sangue, racismo e dor. A arte (no caso, a dança) é a única coisa acima da mesquinharia humana.

O segundo exemplo foi “We are the world”, música que escreveu, diz a lenda, em dez minutos com Michael Jackson. Sob a batuta do fantástico Quincy Jones, a música promovia uma arrecadação de fundos mundial para aliviar a fome na Etiópia. Estudos posteriores demonstraram que a entrada de dinheiro sem planejamento em países sem estruturas políticas sustentáveis era apenas um paliativo, com boa parte deste dinheiro escoando pelos bolsos da corrupção estatal. Mas a música fez história: catapultou sucessos (Bruce Springsteen entre eles), mostrou ao mundo que a fome era um pesadelo ainda presente, mostrou que as causas sociais importantes estavam além da questão de cor e credo,e fez de Ritchie e Jackson astros conscientizados aos olhos de todos.

A carreira de Lionel Ritchie acabou prejudicada depois por “N” problemas, de drogas a problemas administrativos. Hoje, há quem se lembre dele apenas como pai da socialite Nicole Ritchie, que certamente faz um desfavor digno da Ku Klux Klan ao negar sua negritude ao aparecer cada vez mais branca e loira na mídia. Vejam-na no passado na foto ao lado. Hoje, alisamentos, descolorações e chapinhas tentam apagar o negro nas cabeças alheias, “caucasiando” o máximo possível os gostos pessoais.

Mas Ritchie está vivo e bem, e enquanto esteve desaparecido da mídia, resolveu suas pendengas financeiras e hoje é um dos poucos artistas que após tanto tempo sem grandes sucessos mantém um patrimônio invejável, e crescente. Quem você acha que paga as extravagâncias da dondoca Nicole ao lado da multimilionária Paris Hilton? Dizem por aí que Beyoncé, se não abriu um processo por ter sido “desbotada” nas fotos de uma propaganda de cosméticos que fez, criou uma bela polêmica com isso. É um bom sinal.

8.7.09

Moonwalk

Admito: eu gostava do Jacko. Dancei break quando tinha uns doze anos até cai no chão de cansaço. Sabia passos e mais passos, embora nunca tenha conseguido o moonwalk.
O moonwalk era para os verdadeiros iniciados. Virou objeto de culto, e chegou até isso: http://www.eternalmoonwalk.com/ . É hilário.
E vicia. Dá vontade de ver centenas de vídeos só pelo prazer de rir do próximo da fila.

E em homenagem ao rei do pop, que e gosto de lembrar pelo rompimento das barreiras de cor da música, por ter sido mentor do projeto "Weare the world" e por ter sido o Peter Pan que todos queríamos ser, que vou abrir uma sessão de postagens em relação a preconceitos. Espero que seja de valia para pesquisas escolares, desentalamento de idéias e criação de gente mais tolerante. E que todos os que admitem preconceitos em si pensem nos motivos que os levaram a tal.

9.6.09

O fim do mundo já aconteceu e não nos avisaram?

A transição dos 80 pros 90...

O apocalipse foi anunciado umas dez vezes desde que eu nasci.

No fim da guerra do Vietnã, eu era um recém-nascido e diziam que pra dar o troco os EUA iam enfiar bombas no Vietnã, e a URSS ia revidar, acabando com o mundo. Quando o Irã e o Iraque se pegavam, corria algo sobre o colapso da economia aliado a uma guerra que se espalharia pelo oriente médio e trazendo de novo as bombas atômicas. O ambiente pós apocalíptico clássico da época previa um mundo dominado pelos malvados punks, os terrores da classe média americana e seus sonhos de ordem e progresso capetalista.


Com o advento dos computadores, nasceu o fim do mundo pela mão das máquinas.


Com o Reagan no poder, o mundo só não acabou pois na União Soviética havia um careca com um cérebro que evitou uma desgraça. O ponteiro do relógio do apocalipse bateu perto da meia-noite (relógio que inspirou a temática de Watchmen, diga-se de passagem) quando o projeto “Guerra nas estrelas” foi cogitado.


O comunismo caiu na União Soviética e seus militares iam se vingar jogando seu arsenal mundo afora. Você viu? Nem eu.

E aí veio a guerra do golfo, as previsões de Nostradamus casando passo a passo com a escalada do conflito (durante duas míseras semanas).

Então a era dos super vírus. O Ebola matou um monte de gente mas nunca se tornou uma pandemia.

E o mais midiático, o fim do milênio. Não caiu nenhum meteoro na terra, não aconteceu nenhum “bug do milênio” pra jogar nossa tecnologia na idade das trevas, não houve invasão alienígena.

Daí, 11 de setembro. Nada tão relevante pro resto do mundo, mas a mídia da era Bullshit propagava uma era de terroristas superpoderosos. Necas de novo.

Em 2009 temos duas ameaças de fim do mundo: as “Sexy dolls” (dessas eu tive medo, é quase como ver os 4 cavaleiros do apocalipse) e a mais recente gripe suína.

Cantava o REM: It´s the end of the world...

Mas aí me pergunto. E se o mundo acabou mesmo? E se Nostradamus estava certo e o fim do mundo veio com a guerra do golfo? Mais especificamente, na transição dos anos 80 pros 90?


Explico. Com a queda do muro de Berlim, um invento militar se popularizou: a Internet. Mas a internet nasceu de uma idéia hippie dos anos sessenta. Compartilhar informação, descentralizar o conhecimento, comunicar-se com o mundo todo em um clique...

O invento foi adotado nas instalações militares de todo o mundo, em versões vermelhas e azuis. Na mesma época, os hippies trouxeram a revolução de costumes, a liberdade feminina e a igualdade dos indivíduos se espalhou como idéia básica de democracia.


Quando o mundo se viu livre da divisão binária do século XX (Sim, o século XX acabou ali. Mas o século XXI só começou em 2001) os conflitos regionais ressurgiram. Vieram as guerras étnicas da África, do leste europeu e do oriente médio.


No mundo da cultura, a Disney se antecipou e propôs um modelo de novo mundo. E fizeram isso com um filme: “Uma linda mulher” propunha um mundo pós punk, onde os anos oitenta eram enterrados, a putaria acabava e o futuro abraçaria todos que se dispusessem a serem elegantes, divertidos e blasé. A trilha sonora transitava junto aos personagens, começando com a prostituta artificial e meio punk ao som de Peter Cetera ou Christopher Otcasek, para ao fim chegar aos modernos de então, Roxette, tocando para uma mulher natural, sóbria, em tons pastéis e apreciadora de ópera, moderna mas dependente de seu provedor. Pois é, o futuro imaginado era regado a Ace of Base e Roxette, em tons pastéis, cheio de puritanismos e dentro dos conformes.


Mas alguns anos depois veio o grunge. A Internet matou a indústria fonográfica e de filmes como a conhecíamos, e embora estas ainda agonizem, logo o esqueleto delas ruirá. Governos opressores se sacodem em uma luta inglória para conter a informação que chega ao seu povo de maneiras absolutamente incontroláveis, que mudam e crescem a cada dia. Todos podem postar blogs, fotologs, e terem perfis em comunidades que conversam com o mundo todo. Todos sabem que é ridículo ser preconceituoso, que governos falham, que votos são melhores que nada, que liberdade é um direito. Só não agem como deveriam, mas sabem.


O mundo com o o conhecíamos foi pulverizado em menos de dez anos. Os anos 90 simplesmente destruíram todas as certezas, tornaram todas as ficções científicas retratos ridículos do porvir (com a gloriosa exceção de alguns poucos e bons autores do Cyberpunk, e olhe lá: hoje “Neuromancer” está logo ali).

Nostradamus estava certo, então: tudo que imaginávamos está mudado. O mundo que começou a nascer após a segunda guerra mundial é globalizado, a informação desconhece limites, e apesar de todos os preconceitos, visões míopes de política e raça, dos danos ao meio-ambiente, é consenso geral uma linha de como o futuro deve ser. Existem normas na guerra, embora nem sempre seguidas. Existe a idéia de que racismo, sexismo, fanatismo são errados. Tudo isso era impensável nos tempos de H.G. Wells ou Lênin.


Bem vindo ao mundo pós-apocalíptico.

O deserto está sendo providenciado pela devastação florestal e pela fome de bilhões e bilhões de seres humanos. Você carrega um celular que acessa internet e faz as vezes de memória de vez em quando, e alguns o usam conectado constantemente ao ouvido num fone. Usa carros híbridos para combustível criados por multinacionais em bancarrota, e logo, movidos a hidrogênio. O Brasil é uma das economias mais fortes do mundo no mundo da ficção cientifica de seu hoje. Temos epidemias de obesidade e sedentarismo, em breve isso nos tornará dependentes de mais e mais máquinas. Marte já tem planos de colonização para daqui a algumas décadas, e os protótipos estão sendo testados. Seu computador aprende com seus erros, e os corrige. Logo ele corrigirá você.


Você é o punk ao lado da personagem da Tina Turner em “Mad Max III”.

1.6.09

War pigs

"Gripe suína provoca zumbis", ouviu essa?

Aproveitando a onda histérica criada, não sem certa dose de justificativa, com a gripe H1N1-A, até então chamada de gripe suína (em paralelo à gripe aviária, com a diferença que o vírus de agora NÃO FOI encontrado em porcos nesse surto), um espertalhão criou um site falso copiando o lay-out da BBC e espalhou por ele uma notícia de que, após algumas horas da morte clínica declarada de alguns pacientes da tal gripe, eles se levantaram, com o cérebro comprometido pela falta de oxigenação causando um surto de violência que durava alguns minutos. Os "zumbis" morriam após este surto, definitivamente.

Dezenas de sites pseudo-informativos espalharam a notícia falsa, comprovando a regra que em tempos de CNN, Foxnews, internet e Discovery channel os jornalistas esqueceram-se que as histórias precisam ser comprovadas. Foi apenas um dia, mas muita gente ficou impressionada enquanto não leram as erratas do dia seguinte.

"War pigs" é uma música do Black Sabbath, ó desavisado leitor com menos de 18 anos. Em uma época de guerra fria, era mais uma música lembrando que, no final das contas, quem resolve criar guerras não são as populações dos países, mas meia dúzia de engravatados artríticos fechados em um "bunker" com seus dólares e filhos em idade de alistamento. O Legião Urbana fez "O senhor da guerra" com a mesma idéia.

E a manchete acima liga-se a isso como?
Bom, a fúria sem canalização das pessoas neste nosso mundo com o politicamente correto encontrou uma solução para video-games, filmes B e desenhos animados trucidarem humanóides e gastar as baterias de fúria das pessoas que os assistem. É só transformar os inimigos em zumbis e a desculpa para você matar aquele ser chato na tela já está feita.

A histeria sobre a gripe H1N1-A é até certo ponto justificada. Gripes se espalham rápido, e uma delas com alta taxa de mortalidade é preocupante sim, em especial se chegar a áreas pouco estruturadas sanitariamente. Os 2 casos na Jamaica noticiados ontem, por exemplo, preocupam muito mais que os 100 casos do Japão.

Ela é muito perigosa? É, mas menos do que a gripe espanhola, com a qual muitos a comparam, especialmente por que na época da gripe espanhola a tecnologia de medicamentos estava engatinhando, e antibióticos e antivirais eram apenas um sonho. A letalidade dela é bem menor que a da gripe aviária, também, mas como surgiu ao lado do país mais escandaloso do mundo, a cobertura está tomando proporções alarmantes.

Agora somemos: uma crise financeira, um ditador falando duro com seus vizinhos, uma epidemia de gripe... é quase o cenário que antecedeu a segunda guerra mundial! Historiadores estão dando risada do potencial de pânico disso tudo.

A gripe suína não é algo com o qual se criar neuroses. Existe epidemiologia pra isso. Rastreia-se toda uma cadeia de contactantes do caso com cliques em uma telinha. Interrompe-se uma transmissão com antivirais. Monitora-se sinais vitais por aparelhos minúsculos que transmitem os dados a centenas de médicos em todo o mundo.

E não teremos zumbis para matar. Quem quiser curtir um clima bélico deve se mudar para uma das Coréias e vivenciar uma guerra que está acontecendo ininterruptamente há mais de meio século, com uma trégua que está longe de ser satisfatória reinando há algumas décadas.

25.5.09

"O espaço, a fronteira final...

...Estas são as viagens da nave estelar Enterprise, em sua missão de cinco anos para a exploração de novos mundos, para pesquisar novas vidas, novas civilizações, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve!"

E assim começava a icônica abertura de "Jornada nas estrelas", a série mais cultuada de todos os tempos. Promovendo um futuro onde a grande ocupação da humanidade seria angariar conhecimento, explorar, conhecer novos povos e sem absolutamente nenhuma, NENHUMA menção a dinheiro, ela trazia o futuro mais fantástico já espalhado pelas mentes da grande população.

"Jornada nas Estrelas" é realmente absurda. Personagens geniais; uma linha dramatúrgica coerente antenada com o que havia de mais moderno havia na cultura da época (e ainda é incrivelmente atual), que é o realismo mericano de Arthur Miller e Tennesse Williams; atualidade e percepção da realidade como nada antes ou raramente depois...

E fui ver o filme. Muitos o acusaram de espetacularizar o tema, numa espécie de síndrome de adolescentização que é típica do cinema pós-"Guerra nas estrelas". Discordo, Jornada sempre teve ação, mas ela não era a da era dos Spielbergs e James Camerons que nasceu nos anos 80. A crítica fica exatamente aí onde essas duas extremidades da Sci-Fi se encontram.

"Guerra nas estrelas" é estrutura narrativa mítica básica. Conto de fadas mesmo. Como coloquei lá em cima, "Jornada" é parte de uma corrente dramática que visa discutir a atualidade e se embrenhar em um mundo moderno, onde existe psicologia, discussão sobre hábitos e revolução de costumes.

Comparando bem, o filme de Lucas é um lindo quadro de naves espaciais pintado com carvão, e a série de Roddenberry é a imagem de uma guerra de hoje em dia em 3D feita no CorelDraw mais moderno que você conhece. Além disso, as linguagens de TV e de cinema são diferentes.

Mas "Jornada" é revolucionária desde sempre. Medicina não-invasiva? o hoje subestimado personagem McCoy carregava consigo um ultrassom/tomógrafo/analista clínico portátil e sempre estava um passo à frente dos burocratas ao atender as pessoas. Meio-ambiente? Tá lá, discutido com maestria no episódio dos bichinhos peludos que se multiplicam sem parar. Preconceito e guerras ideológicas? No episódio dos povos com a cara metade preta e metade branca. Mais preconceito? Uhura foi a primeira atriz negra regular em uma série. Guerra fria? Os klingons eram parecidos com o clichê americano para russos, mas havia um russo na tripulação. E um japonês, quando os traumas da 2º guerra ainda eram recentes e o Vietnã estourava.

Tudo isso pra dizer: Vão ver o filme. Entendam que é um universo paralelo ao que nós já conhecemos, que os personagens são imaturos, que o cara saído do senhor dos anéis, o saído do Heroes e o cara desconhecido são bons na reconstrução de seus ícones. A Uhura ganha destaque inédito, embora a relação que ela cria com os demais personagens sempre tenha sido insinuada na velha série. Há um porém: o vilão é péssimo. Se o objetivo era criar um babaca, eles conseguiram. Nunca houve um vilão tão sem graça em um filme com tanto orçamento.

Mas eu sempre me arrepiarei com a abertura. Sou da geração que cresceu admirando exploradores, pessoas cuja fome por saber era maior que os problemas mundanos. Meu ídolo supremo dos quadrinhos ironicamente é o Patinhas de Carl Barks, que por dinheiro explorava o mundo, e no final sempre nos deixava com vontade de saber mais sobre os povos que ele conhecia. Nos documentários, o Cousteau ia audaciosamente onde ninguém jamais afundara. Na TV, Kirk, McCoy e Spock. Uma era de conhecimento advinda dos primeiros desbravadores daquelas civilizações do outro lado do mundo. Marco Polo foi o primeiro tripulante da Enterprise.

E claro, há um sabor todo especial em ver Leonard Nimoy recitando a frase "Vida longa e próspera" para ele mesmo mais novo.

PS:  A atriz que interpretava Uhura na TV queria desistir da série, pois sofria na mão dos produtores. Martin Luther King em pessoa a convenceu a ficar para dar á comunidade um símbolo. Posteriormente, ela se tornou responsável na NASA por contratações de minorias, abrindo espaço para negros irem realmente para o espaço como ela já fora ficcionalmente. George Lucas não tem uma história como essa para contar sobre seus filmes.

27.4.09

Invasores!

Dique de castor em Ushuaia, Argentina.


A maioria das pessoas lembra-se a palavra "invasão" quando se refere a alienígenas verdes e mal-humorados despejando bombas e lasers sobre os pobres galãs hollywoodianos ou ao falar de episódios bélicos diversos, cujos exemplos são incontáveis.
Não deveria causar espanto, portanto, a seriedade imensa dada pelos ecólogos do mundo todo à questão das espécies invasoras. É uma invasão alienígena nos mesmos moldes dos filmes e romances de ficção, pois os invasores são mais dotados de armas de ataque que os pobres nativos, e igualmente bélica, pois suscita um empreendimento maciço para barrar e exterminar os invasores. Expulsão é quase impossível. Lembremos que a espécie humana é invasora da maior parte de sua atual distribuição geográfica.

A complexidade da questão é maior do que aquela envolvendo o efeito estufa ou o uso de energia nuclear. Para estas duas, as soluções são conhecidas, mas falta esforço direcionado para resolvê-las. Já no caso dos invasores de outras terras, é uma imensa dificuldade descobrir como agir para resolver o pepino. E mesmo delimitar quem é e quem não pode mais ser considerado invasor. O Dingo australiano, por exemplo, deve ser considerado invasor?

Assim, causa-me absoluto espanto a coluna publicada no Estadão de domingo, 26 de abril de 2009, de autoria do Gilles Lapouge, sobre as espécies invasoras da Europa.
Lapouge é um babaca. Suas opiniões são terríveis. Do alto de seus 82 anos e prêmios literários, se presenteou com o direito de falar besteira. Mas dessa vez ele pisou no meu terreno.

Na coluna, ele reclama das espécies que hoje invadem a Europa e causam prejuízos na casa dos bilhões de euros. Sério? Quando ele viveu no Brasil ele prestou atenção na fauna que estava nas cidades? Ele diz que "pássaros, peixes, mamíferos, insetos e flores vindos do outro lado do mundo estão cobrindo suas paisagens, semeando a discórdia, a desordem ou a morte". Depois, afirma que "Outrora, as ilhas do Taiti eram monótonas, apagadas, velhas. bastou Bougainville, Wallis e Cook descobrirem essa ilha para ela começar a brilhar com as flores e os frutos trazidos nos porões dos navios europeus".

Temos dois pesos e duas medidas. As espécies agressivas e competidoras levadas para o Taiti não causaram discórdia, desordem e morte? Quantas plantas nativas não foram devastadas po causa destas competidoras, postas em um lugar sem predadores, doenças e herbívoros que as controlam em seu habitat natural? Quantos animais não morreram por causa destas novas espécies e com o sumiço das nativas? Quando florestas tropicais podem ser consideradas "monótonas, apagadas e velhas"??? Parafraseando o popular ficcionista Michael Crichton em Jurassic Park, as plantas são seres agressivos e que lutam terrivelmente com seus inimigos vegetais, em batalhas químicas e de dispersão que fazem nossas armas químicas parecerem brinquedos.

Ele reclama dos danos causados pelo ratão do banhado (ele lembra que este roedor transmite leptospirose) e pelo mergulhão nas coleções aquáticas européias. Esqueceu-se do aguapé, levado para lá pelos jardineiros fascinados pela linda flor roxa que estes dão, sem imaginar os danos à navegação que ela causa em um lugar sem peixes-boi pra comê-la.

Aposto que o ministério do meio-ambiente da Argentina rirá quando ler isso, lembrando-se dos europeus que enfiaram o castor (e a doninha) na Argentina para ter um animal de caça novo pra produção de peles. Os prejuízos causados pelos castores são de milhões de pesos argentinos. A devastação florestal é incalculável.

Proponho uma troca. Os europeus pegam todos os ratões do banhado e mergulhões de seus açudes e nos mandam de volta. Podem mandar também todo seu aguapé para a Amazônia. Eles podem mandar os lagostins de volta para o Mississipi também: aposto que vai ter jambalaia para todos por meses!

Em troca, nós mandamos seus castores, ratazanas, ratos de telhado, baratas e mosquitos de volta. Sim, ratos e baratas são do velho mundo, eles não existiam no Brasil até sermos invadidos pelas caravelas. E aposto que os ratos do velho mundo trouxeram muito mais leptospirose para a américa desde 1492 do que todos os ratões do banhado juntos já fizeram desde o início dos tempos em todo o mundo.

Mandamos também o mexilhão dourado que entope a hidrelétrica de Itaipu, a truta que invadiu os riachos de montanha de Minas Gerais e São Paulo, as pombas, as dezenas de espécies de gramíneas testadas para pastos e que hoje destroem nosso cerrado e os pampas, os pardais, as árvores de Ficus, os eucaliptos invasores da mata atlântica de volta para a Austrália, os búfalos que estão acabando com a floresta de Rondônia, os javalis que destroem plantações feitas com o suor de muitos meses de caboclos do sul e sudeste, dentre muitos outros exemplos.

Os chuchus, as abelhas, os Aedes aegypti, os caramujos gigantes africanos, as rãs-touro, as tilápias, as lebres européias, as braquiárias e todos os ratos e camundongos, todas os indivíduos de todas estas espécies, eu faço questão de enviar direto para casa do senhor Lapouge. Estas espécies que quebraram a monotonia envelhecida de nossas florestas, campos e rios. Que destroem o ecossistema mais rico de todo o planeta.

E nem vou falar das doenças e vírus.

Não me constam muitas espécies levadas por australianos, brasileiros, nigerianos, chineses, mexicanos, hindus, vietnamitas, canadenses, estado-unidenses, egípcios, afegãos ou seja lá de onde for para a Europa. Estas espécies, se estão aí, foram levadas por europeus.

Claro, a disseminação de espécies pela Europa se deve também ao aquecimento global. Hoje espécies tropicais encontram condições de vida antes inexistentes em terras tão ao norte. Há periquitos em Londres hoje. O transporte acidental também é, e foi, imenso.

Portanto, se este texto foi criado pensando no Brasil, lamentemos a imensa desconsideração dele com a realidade dos países que sofreram a invasão das espécies levadas para cima e para baixo pelos europeus. Perdão, senhor Lapouge. O convido a passar mais alguns anos no Brasil ou Argentina, na Austrália ou no Taiti, e ver o que as espécies invasoras fazem com os ecossistemas destes lugares.

E, em sua responsabilidade como correspondente e divulgador, não agir como invasor, mas como parte destes povos que o acolhem.

19.3.09

Quem vigia os cineastas?

Alan Moore é um gênio. Maluco, beirando o eremita, adorador de um Deus-serpente romano obscuro, estudiosos de cabala, alta-magia, paganismo, bruxaria tradicional bretã e escritor de romances e quadrinhos. Estes últimos principalmente.
Foi onde o conheci. Gostaria de dizer que foi antes de todos mundo no Brasil, nas histórias do Monstro do Pântano publicadas escondidas em "Novos titãs" lá no começo dos anos oitenta...

Que nada. Foi em plena onda de marketing em volta do "Batman" do Tim Burton. "O cavaleiro ds trevas" de Frank Miller e "A piada mortal" do Moore eram sempre citadas como as fontes de onde o filme bebeu. Eu, nunca afeito a super-heróis, fui fisgado pela Vênus do marketing e entrei na onda. Em um ano, era expert em quadrinhos da DC comics.
E elegi Moore como o escritor supremo depois de ler o Monstro do Pântano, Constantine, Liga extraordinária e, claro, V de vingança. E depois de Watchmen, estou esperando até hoje algo ser publicado com o mesmo impacto.

De onde chego nos cineastas. As adaptações cinematográficas das obras de Moore, inevitavelmente toscas pela impossibilidade de transferir a riqueza dos detalhes criados nas obras dele, ganharam um novo patamar depois de Watchmen.

Para ilustrar o quadro, desde a adaptação de "Liga extraordinária", ele entrou numa cruzada contra as adaptações de suas histórias. Com razão: todas são horríveis, com cenas gloriosas onde brilham as idéias, mas sempre terríveis em sua totalidade. "Do inferno" virou sessão da tarde, "Liga..." é um lamaçal infantilóide. "V de vingança", se não foi uma monstruosidade, deixa de lado a essência da idéia, que é a dos males de qualquer sistema de governo feito por elites. O problema destas obras é que, por alguma armadilha do mercado, elas são da Time-Warner, que as publicou originalmente através de suas subsidiárias, e nunca, NUNCA, deram o devido crédito ao autor por elas e não precisam pedir autorização para usá-ls como bem entenderem. Lembremos que foram criadas em uma era anterior ao poder autoral de hoje em dia.

E Watchmen (Teriam os Simpsons acertado?)?
Quando chamaram Zack Snyder para adaptar o infilmável petardo de 12 partes, negociado em Hollywood há uns vinte anos (na época, Moore até apostava na idéia, e pretendia se envolver na criação do roteiro), as fichas eram que ele conseguiria o nível de fidelidade necessário, coisa já feita por ele em "300", do Frank Miller.
E aí está o problema. Frank Miller escreve lindas pancadarias, gente durona e cenas memoráveis, mas está anos luz aquém da habilidade de Alan Moore de criar personagens complexos e sutilezas e deformidades psicológicas.
"Watchmen" saiu lindo, e visualmente é mais fiel do que qualquer outra coisa já transposta dos quadrinhos para as telonas (veja ao lado o grau de fidelidade).
Cada mínimo detalhe é bem feito, bem desenhado, bem criado. O Dr. Manhatan é fantástico. Os uniformes, se não são idênticos, transmitem o que a obra exigia, com requintes de percepção mental de seu significado (a roupa do coruja, homenageando os heróis tecnológicos exagerados de hoje, é prova disso). O Rorschach é literalmente transposto para a tela.
E até o final modificado, com o perdão dos admiradores da "Lula alienígena" criada por Ozymandias nos quadrinhos, caiu como uma luva, uma solução elegante, linda e à altura dos sonhos da obra original.
O que não funciona, então?

O desenvolvimento das pessoas. Seriam coisas simples: mudanças de palavras básicas, planos de olhares, mudanças bestas nas cenas intimistas e de diálogos... do jeito como saiu, todo mundo é raso como um pires. A escolha de alguém tão frágil para fazer Ozymandias e da "mocinha com cara de Gossip girl" não ajudaram dentro da escolha de atores. As cenas sentimentais são dirigidas com o pulso de uma vovozinha com mal de Parkinson e os hormônios de uma criança de 12 anos. cenas que funcionam em quadrinhos, como o "Smiley" na face de Marte, poderiam ter ficado de fora se isso significasse uma frase a mais para entendermos o cérebro do Coruja ou as motivações de Adrian Veidt. As simplificações, como o poder de despertar memórias dado ao Dr. Manhatan pelo diretor, também são de doer.

Portanto, se querem algo de encher os olhos, cheio de efeitos especiais e uma história interessante, podem ir ver o filme. Eu, pessoalmente, torço para sair uma versão do diretor com uma hora a mais dedicada apenas a destrinchar os bons e maus sentimentos dos personagens. E que incluam "Os contos do cargueiro negro" em suas cenas!

27.1.09

Caso quente


"Cold case" é um seriado exibido na televisão a cabo (Warner channel) e na TV aberta como "Arquivo morto" (SBT) acerca de uma unidade de investigação de casos arquivados e sem solução. Sem entrar no mérito da existência ou não de algo equivalente na polícia brasileira (teria muito, mas muito mais trabalho que todo o resto da polícia), queria falar aqui sobre o principal ponto a favor da série:

Todo mundo é importante.


Alguns anos atrás, lendo uma história em quadrinhos do Arqueiro Verde, onde ele e o Questão se unem para capturar traficantes de armas, ele responde, em meio a divagações sobre a "Arte cavalheiresca do arqueiro Zen", à questão do seu colega (cujo codinome vem da enormidade de perguntas feitas durante toda sua carreira a qualquer um) sobre seus motivos para ir atrás daquele caso em particular ao invés dos habituais malabarismos atrás de vilões fantasiados.

Simples. Uma criança foi morta em um avião sequestrado por uma arma translúcida ao raio X vendida por aquela gangue. Ele lembra que aquela criança poderia ter sido a descobridora da cura para o câncer, um excepcional jogador de baseball ou simplesmente um cara legal. Ninguém tem o direito de interromper o potencial de outra pessoa.

O Arqueiro Verde é personagem esquerdista assumido, mas a questão não é essa. "Cold case" se baseia integralmente nesta premissa. Todas, TODAS as vítimas mortas a séculos e cuja morte é investigada décadas depois pela equipe da senhorita Lili Rush são pessoas que poderiam ter mudado o mundo. São sempre pessoas caridosas, mesmo quando não aparentam, com enorme potencial para o bem, de vida difícil e em geral morrem por não abdicarem de seus princípios. dia ou outro, serão justiçadas, e a segunda mensagem do seriado poderia ser "não importa quem você seja hoje, a era de impunidade está acabando e serás responsável por teus passos anteriores".

A equipe de investigação é um show a parte. A protagonista é aquela coisa de sempre, mas os dois veteranos são fantásticos e o segundo investigador, interpretado pelo gorducho Jeremy Ratchford, é um ator de fazer inveja a muito oscarizado por aí. Rush sempre vê as vítimas sorrindo para ela ao fim dos episódios, quando a justiça foi feita, e alguns pensam ser uma série de temática espírita. nada mais incorreto. É uma série de investigação de estilo pré-CSI, onde as provas analisadas por ultra-tecnologia são substituídas pela boa e velha investigação dedutiva. Quando eu escrevo histórias de investigação, me inspiro neste tipo de narrativa. Estou de saco cheio de máquinas tomando o lugar de Sherlock Holmes.

Todos têm potencial para serem pelo menos pessoas legais. Toda pessoa perdida é um potencial perdido. Cada caso deixado de lado é um desestímulo para quem tenta ser legal. Todo ato de corrupção faz das pessoas boas as palhaças da sociedade.

Que muitas pessoas vejam "Cold case" e reflitam. Afinal, só eu li a história do Arqueiro Verde, mas todo mundo tem a emissora do homem do baú em casa.

E se lembrem do potencial a ser estimulado nos outros e em si mesmos.

1.1.09

O ano em que Dercy nos deixou.


2008 vai embora sem traumas. Por mim ele pode acabar e me deixar em paz logo. 2009 se configura muito mais promissor, como um vasto campo onde se escondem novidades e tesouros só visíveis sem a capa de previsibilidade dos últimos tempos.
E não quero nada mais com um ano onde Dercy Gonçalves morreu.
Dercy Gonçalves, a última grande representante do teatro de revista ainda na mídia, nos deixou, e vai fazer falta sua subversão nestes tempos de papas na língua para tudo. Na foto ao lado ela já tinha idade para ser chamada de "senhora", e responderia com um delicado "Senhora é a putaqueopariu"!
Foi um ano para acabar com certezas e apagar o passado e as travas do tempo.

Bettie Page também se foi.
Para os desavisados, Bettie Page foi a maior Pin Up da história e, sob uma ótica simbólica, um dos pontos altos que criaram a modernidade feminina.

Cyd Charisse idem. As pernas mais bonitas de Hollywood e um das artistas supremas da era dos musicais.
Há quem diga o papel desta trinca na libertação feminina é tão grande quanto o do episódio da queima de sutiãs.

Fernando Torres, expoente de sua geração e um dos maiores atores que já pisaram nos palcos brasileiros, nos deixou (e à sua viúva e sobrevivente, Fernanda Montenegro) não recebeu metade das homenagens merecidas.

E foi o último ano da era Bush, causador do colapso econômico mundial com sua (falta de) política econômica. Ano do reerguimento do conflito entre Israel e Palestina.
Em suma, foi um ano onde acabou o passado, derrubou muros e pontes e deixa espaço livre para novas e diferentes formas de arrumar as coisas.

Um novo tempo começa com novos governos (Obama?), novos macacos, novas universitárias, novos caminhos e novas opostunidades, além de uma outra disposição em ver as coisas. Planejar é sempre bom.
Vou sentir saudades de muita coisa, e para mim vieram tantas coisas boas durante este ano que se torna quase hipócita desejar o começo de 2009. Mas deixemos o passado para trás.

Alguém precisa tomar o lugar desse povo todo que nos deixou!