19.3.09

Quem vigia os cineastas?

Alan Moore é um gênio. Maluco, beirando o eremita, adorador de um Deus-serpente romano obscuro, estudiosos de cabala, alta-magia, paganismo, bruxaria tradicional bretã e escritor de romances e quadrinhos. Estes últimos principalmente.
Foi onde o conheci. Gostaria de dizer que foi antes de todos mundo no Brasil, nas histórias do Monstro do Pântano publicadas escondidas em "Novos titãs" lá no começo dos anos oitenta...

Que nada. Foi em plena onda de marketing em volta do "Batman" do Tim Burton. "O cavaleiro ds trevas" de Frank Miller e "A piada mortal" do Moore eram sempre citadas como as fontes de onde o filme bebeu. Eu, nunca afeito a super-heróis, fui fisgado pela Vênus do marketing e entrei na onda. Em um ano, era expert em quadrinhos da DC comics.
E elegi Moore como o escritor supremo depois de ler o Monstro do Pântano, Constantine, Liga extraordinária e, claro, V de vingança. E depois de Watchmen, estou esperando até hoje algo ser publicado com o mesmo impacto.

De onde chego nos cineastas. As adaptações cinematográficas das obras de Moore, inevitavelmente toscas pela impossibilidade de transferir a riqueza dos detalhes criados nas obras dele, ganharam um novo patamar depois de Watchmen.

Para ilustrar o quadro, desde a adaptação de "Liga extraordinária", ele entrou numa cruzada contra as adaptações de suas histórias. Com razão: todas são horríveis, com cenas gloriosas onde brilham as idéias, mas sempre terríveis em sua totalidade. "Do inferno" virou sessão da tarde, "Liga..." é um lamaçal infantilóide. "V de vingança", se não foi uma monstruosidade, deixa de lado a essência da idéia, que é a dos males de qualquer sistema de governo feito por elites. O problema destas obras é que, por alguma armadilha do mercado, elas são da Time-Warner, que as publicou originalmente através de suas subsidiárias, e nunca, NUNCA, deram o devido crédito ao autor por elas e não precisam pedir autorização para usá-ls como bem entenderem. Lembremos que foram criadas em uma era anterior ao poder autoral de hoje em dia.

E Watchmen (Teriam os Simpsons acertado?)?
Quando chamaram Zack Snyder para adaptar o infilmável petardo de 12 partes, negociado em Hollywood há uns vinte anos (na época, Moore até apostava na idéia, e pretendia se envolver na criação do roteiro), as fichas eram que ele conseguiria o nível de fidelidade necessário, coisa já feita por ele em "300", do Frank Miller.
E aí está o problema. Frank Miller escreve lindas pancadarias, gente durona e cenas memoráveis, mas está anos luz aquém da habilidade de Alan Moore de criar personagens complexos e sutilezas e deformidades psicológicas.
"Watchmen" saiu lindo, e visualmente é mais fiel do que qualquer outra coisa já transposta dos quadrinhos para as telonas (veja ao lado o grau de fidelidade).
Cada mínimo detalhe é bem feito, bem desenhado, bem criado. O Dr. Manhatan é fantástico. Os uniformes, se não são idênticos, transmitem o que a obra exigia, com requintes de percepção mental de seu significado (a roupa do coruja, homenageando os heróis tecnológicos exagerados de hoje, é prova disso). O Rorschach é literalmente transposto para a tela.
E até o final modificado, com o perdão dos admiradores da "Lula alienígena" criada por Ozymandias nos quadrinhos, caiu como uma luva, uma solução elegante, linda e à altura dos sonhos da obra original.
O que não funciona, então?

O desenvolvimento das pessoas. Seriam coisas simples: mudanças de palavras básicas, planos de olhares, mudanças bestas nas cenas intimistas e de diálogos... do jeito como saiu, todo mundo é raso como um pires. A escolha de alguém tão frágil para fazer Ozymandias e da "mocinha com cara de Gossip girl" não ajudaram dentro da escolha de atores. As cenas sentimentais são dirigidas com o pulso de uma vovozinha com mal de Parkinson e os hormônios de uma criança de 12 anos. cenas que funcionam em quadrinhos, como o "Smiley" na face de Marte, poderiam ter ficado de fora se isso significasse uma frase a mais para entendermos o cérebro do Coruja ou as motivações de Adrian Veidt. As simplificações, como o poder de despertar memórias dado ao Dr. Manhatan pelo diretor, também são de doer.

Portanto, se querem algo de encher os olhos, cheio de efeitos especiais e uma história interessante, podem ir ver o filme. Eu, pessoalmente, torço para sair uma versão do diretor com uma hora a mais dedicada apenas a destrinchar os bons e maus sentimentos dos personagens. E que incluam "Os contos do cargueiro negro" em suas cenas!