22.11.11

Vampire!




Em 1987, Peter Tosh lançou seu último álbum: “No Nuclear (holocaust) War”. Em setembro do mesmo ano, foi assassinado por assaltantes, um dos quais ele mesmo tentara ajudar a conseguir emprego após anos preso. Há quem diga que o assassinato foi encomendado, como se diz de todo músico ativista morto. É provável, como é com todo músico ativista morto, que o boato seja verdade.

O que um músico de reggae, estilo associado à paz, maconha, defesa dos direitos humanos e de liberdade de expressão, Sol, praia e Caribe tem a ver com vampiros?
No álbum há uma música chamada “Vampire”, um dos reggaes mais geniais já compostos. Atentemos para o fato de que Tosh é o segundo mais conhecido compositor do Reggae, logo atrás de seu companheiro no The Wailers, Bob Marley. “Vampire” usa a figura do vampiro como um símbolo para tudo aquilo que suga a autenticidade, a leveza, a pureza dos jovens. O vampiro da música é velho, carrega o passado como uma jaula onde prender os que pensam inovadoramente.

A capa do disco mostra Tosh usando uma máscara antirradiação na frente de uma explosão nuclear, e aos seus pés estão bombas, uma americana e outra soviética. O visual do alienígena do filme Predador deve ter sido inspirado nesta capa!
A composição é terrivelmente atual. Enquanto o resto do disco hoje soa datado, Vampire poderia ter sido composta ontem. Não fosse um porém: o vampiro atualmente em moda é um cretino.

Aí entra o assunto. Pra quê vampiros? O vampiro se tornou figura literária popular depois de um surto de casos de vampirismo relatados no leste europeu no século XVIII. As lendas circulavam há tempos, mas bem na época em que o iluminismo destruía a maior parte do obscurantismo medieval, explodiram relatos que colocaram em polvorosa a mente que buscava explicações naturais para tudo que existia. O Vaticano enviou um especialista para descobrir o que acontecia, o padre Calmet, conhecido por sua prudência e cientificismo. E o tiro saiu pela culatra! Seu relato não nega nem confirma acontecimentos sobrenaturais, e torna disponível ao mundo imensa quantidade de dados sobre como é, se combate e se localiza um vampiro.


padre Calmet: mais informações aqui: http://www.fafiuv.br/img/noticias/fotos8/calmet.pdf

Em suma, falem bem ou falem mal, mas falem de algo e essa coisa ganha fama. O fim do surto de vampiros iniciou um período de apropriação da criatura pelo imaginário popular, enquanto os livros ganhavam popularização junto às massas. O vampiro acabou, no processo de literarização, perdendo muitas de suas características macabras originais (o vampiro renascentista era mais um zumbi do que um humano) e ganhando contornos do romantismo, pendendo para (pasmem) uma espécie de “Lobo mau”, aquela criatura que sob um disfarce simpático oculta um monstro sedento por aquilo que te faz viver.

O vampiro do romantismo é de certo modo mais assustador do que o vampiro morto-vivo de antes. Nesta época o vampiro ganha ares muito humanos, e humanos são terríveis. E podem andar sob a luz do sol, embora fiquem sem seus poderes sobrenaturais. Hollywood poda esta característica e os impede definitivamente de andar sob o sol, para bem do medo nos filmes. E funcionou tanto que hoje muitos críticos do vampiro purpurina esquecem que o cinema inventou essa do sol-mata-vampiro.

O espaço dos vampiros é conquistado de vez com a publicação de Drácula, e metade do que se fala hoje para estabelecer o que deve ser um vampiro passa por ali. Só que Bram Stocker usa de tanta liberdade mítica para retratar o seu vampiro quanto qualquer autor atual. Não existe UM vampiro modelo.

Conforme passaram os anos, os vampiros se tornaram símbolos de um mal elegante, aristocrático – a burguesia e seu poder sobre os que trabalham? – e sedutor. De onde surge também o fascínio pela idéia de ser imortal, apesar do preço a ser pago, ser monstro para ser imortal. O vampiro é a deturpação da imortalidade da alma. Só que nos anos 1960 (sempre ali) a contestação alcançou também o terror, e o vampiro se torna também algo que vai contra o status quo. E uma autora então jovem absorve a idéia do vampiro como o jovem que vive a noite eternamente. Anne Rice cria o vampiro modernista, que se torna padrão em obras como o seu “Entrevista com o vampiro”, ou em filmes como “Os garotos perdidos” e “Quando chega a escuridão”.

Que filme é esse último, Ricardo? Meu exemplo de bom filme moderno. Poderia ser “30 dias de noite”, “Deixa ela entrar” (objeto desta postagem aqui: http://biocenico.blogspot.com/2009/12/deixa-ela-entrar-mesmo.html) ou “Vampiros, los muertos”, mas esse é desconhecido e merece aplausos.

O sucesso de “A hora do espanto” estimulou uma série de filmes adolescentes. A idéia moderna dos vampiros a lá Anne Rice fez com que fossem retratados como os monstros sedutores das mais diversas situações contemporâneas, desvencilhando de vez o mito dos cenários góticos, e um dos sub-subgêneros que surgiu foi o “vampire-western”, com vampiros que atacavam nos EUA caipiras. “Quando chega a escuridão” é deste subgênero. Não há glamour nestes vampiros. São criaturas sanguinárias, sobrenaturais até o osso, e exploram o gênero dos caninos longos até a última gota.

É dirigido pela então desconhecida esposa de James Cameron, Kathryn Bigelow, hoje oscarizada. Pegou amigos emprestados de filmes do então marido: Bill Paxton, Jenette Goldstein e Lance Henriksen (sensacionais). Mais, os fez atuar como criaturas medonhas, desprezíveis, psicóticas. Retrata o dilema do humano tornado sanguessuga sem frescura. Eles se entregam ao que são, embora saibam de seus tempos como humanos. Em certo momento, a vampira protagonista, que se apaixona por um humano (é, começou longe essa história) dispara ao olhar para as estrelas que quando a luz delas chegar à Terra, ela estará lá para ver. A idéia calou fundo no que penso de vampiros e me fez questionar a validade da imortalidade a esse extremo.

A primeira impressão é só a de que um daqueles grupos de caipiras ultraconservadores armados até os dentes agora tem uma desculpa para matar pessoas sem se preocupar com as balas da polícia, até você parar pra pensar no que acontece. As críticas sociais são equivalentes às de George Romero com seus zumbis consumidores de cérebros, a construção dos personagens milimetricamente pensada, a condução do suspense precisa como um cronômetro, e ao mesmo tempo, o ritmo que anima o filme é apimentado e os diálogos afiadíssimos.


“Quando chega a escuridão”


Enfim, dá para ser moderno, assustador, romântico, crítico, bem escrito e ainda por cima barato com um roteiro escrito por um vivo e não por uma morta-viva sem noção de psique ou construção de personagens. Já disseram muito sobre Crepúsculo, está na hora de direcionar as pessoas para os filmes de vampiro de verdade.

Esses troços são para dar medo, não é?