12.2.08

O Riiiiiiiildo Piracicaba...

Conheço há uns vinte e poucos anos um cara chamado Rildo. Logo que o conheci, quando entrávamos na escola armados de porretes para não sermos pegos pelos pterodáctilos do caminho, o nome dele logo evocou (na cabeça dos moleques que admitiam ouvir a rádio da Vó) um dos clááááááássicos do cancioneiro popular. "O Rio de Piracicaba", cuja gravação mais conhecidas das vovós é na voz de Sérgio Reis.

Lembrei disto quando vi o lançamento da mais nova edição do "Dicionário do Dialeto Caipiracicabano: arco, tarco, verva".

De Piracicaba se diz que é a princesa das cidades fundadas pelos caçadores de esmeraldas. Talvez em nenhum outro lugar do mundo exista gente tão paulista como lá. Ali está o interior em sua mais genial caracterização. Gente jovem de lá se orgulha do seu sotaque (dialeto?) pois se ele rende até dicionários, é motivo de apego, e não de vergonha.

O dicio0nário marca uma das poucas e corajosas manifestações em prol da cultura paulista. Todos sabem quem é Ariano Suassuna na exposição do centro cultural, cantam com Caetano "Sampa" e com Gil "Punk da periferia", comem pão de queijo no centro e lutam pela preservação dos costumes dos habitantes do Xingu. Mas quem além dos piracicabanos lembra de preservar a cultura paulista? Existe folclore na cidade mais grandiosa abaixo do equador. Existe Mito no litoral empesteado de turistas do sul do estado. Mas quando vemos a festa do dia do folclore das escolas, vemos cordel, boi caprichoso e garantido, Bombachas, chimarrão e cobra-grande, mas não vemos nada do folclore de São Paulo!

Alguns milhares de anos atrás, um paulista resolveu reagir a tudo isto. Conscientemente ou não, Monteiro Lobato resolveu colocar em livros parte das histórias que escutava quando criança. Mas dali, não apenas parte da rica herança cultural do povo herdeiro dos bandeirantes foi salva, mas foi igualmente misturada a referências européias, clássicas, dos contos de fada dos irmãos Grimm e de Esopo.

O paulista, e em especial o paulistano, resolveu que com o café, a indústria e a modernização não poderia ser caipira. Guardou seu sotaque e sua arte atrás dos sonhos dos imigrantes, escondeu suas crendices e seus mitos no cofre de suas indústrias e sua exoticidade e extravagâncias nos ares cosmopolitas da avenida Paulista.

Mas quem busca a forma e o conteúdo de si não pode esquecer-se das raízes indígenas plantadas pelos desbravadores na crença daquele povo. Longe dos mitos medievais que permearam as enormes levas de imaginação dos homens que colonizavam o norte e nordeste do país, o bandeirante tinha sua cultura muito mais invadida pelas lendas dos Tupis e dos Guaranis. O folclore da banda de baixo do país é de certa forma mais brasileiro neste aspecto. Enquanto cangaceiros eram os novos cavaleiros, os bandeirantes eram pajés, xamãs, em mergulho no ventre da Matre-Brasilis.

Há centros de cultura gaúcha no Acre. De cultura nordestina até na Irlanda. De estudos do caboclo matogrossence. E não há ninguém pensando no vasto e alijado repertório caipira do estado mais plural do país. Mas sim, usando desta pluralidade para afogar o centro onde esta pluralidade pode se manifestar.

Não é por bairrismo ou afronta, mas quem luta para não esquecerem dos povos, cantigas, lendas, monstros e temores arcaicos, brincadeiras de rua e roda, superstições e palavreados daqui merece um nobre prêmio de consolação. Merece ser chamado de brasileiro.

Para quem quer saber mais sobre o dicionário, taí:
http://eptv.globo.com/caipira/interna.asp?ID=17896

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