22.7.09

Black is beautiful.



Quando fala-se de preconceito, o mais lembrado, sem sombra de dúvidas, é o contra gente da raça negra.

Esta frase já carrega em si uma enorme carga de preconceito. Primeiro, que preconceito é algo que se refere somente a cores e não a dezenas de outras coisas que fazem grupos muito diferentes de pessoas sofrerem. Segundo, que negros são negros. Ninguém é negro, as pessoas são marrons, todas elas, em diversas tonalidades. Algumas quase róseas, mas essencialmente beges. E enfim, que há raças na espécie humana.

Há raças na espécie humana?
Geneticamente falando, um lulu da pomerânia é uma espécie completamente diferente de um rotweiller, e todos são cães. Este é um conceito de raça levado ao extremo. Mas mesmo falando de raças comuns, como as diferentes subespécies de macaco-prego por exemplo, é identificável uma certa distância genética que difere estas raças. Na espécie humana esta distância inexiste, e portanto podemos, no máximo, falar que há variedades na espécie humana.

Negros são mais agressivos que os outros? Fui assaltado por um negão, tinha que ser, né?
Primeiro, não existe "Um" negro. Afora a imensa variedade dos indivíduos, há tantas etnias diferentes que possuem a cor escura que não se pode fala de um só tipo de gente de cor marrom. Muitos caucasianos não diferem um japonês de um chinês ou um coreano, assim como não diferem um Tutsi de um hutu ou de um massai. Um aborígene australiano tem tanto a ver com um hutu quanto tem com um polinésio. Um turco tem tanto a ver com um bosquímano quanto tem com um hindu.

Assim sendo, vamos nos concentrar no aspecto social: imagine que a sua linhagem inteira, e a de todos os que estão perto de você, foi criada a base de chicote, marginalizada, alvo de achaques e humilhações, preterida no emprego por ter a cor errada embora mais competente e experiente, obrigada a trabalhos braçais intensos e bombardeados pela mídia como fisicamente mais fortes e brutos. Ou ainda, ser parte de um país que foi joguete de potências coloniais que forçaram a divisão de terras levando em conta tudo, menos o povo que lá habita?
Isso influencia a corrente predominante do pensamento de uma comunidade obrigada a condições de vida terríveis e submetidas a criminosos de todos os tipos? Isso causa guerras civis terríveis em um país?
Daí, negros são a maioria nas cadeias e cometem mais crimes. Com os japoneses na mesma situação, após 5 séculos de dominação, seria diferente? Seria diferente se tivéssemos raptado brutalmente poloneses de seu país e arrastado-os para outro mundo para serem escravizados geração após geração? Se dominássemos colonialmente a Rússia e a tornado nosso depósito de bandidos, conquistadores sanguinários e destino de milhões de homens e mulheres escravos, obrigados a produzir incessantemente para mandar as riquezas para o dominante mais fraco que nós?

Minha vizinha tá de caso com um negão.
A fantasia do negão é parte da propaganda preconceituosa do mundo. O homem negro é animalizado, serve de desculpa para a dondoca reprimida por séculos de doutrina cristã soltar seu lado fêmea, pois afinal ela está com um animal ao lado, não um humano. E se ele forem pegos, sempre é mais fácil acusá-lo de estupro e sair de vítima na história. A mulher negra então nem se fala, é objeto. Claro, muitos negros se sentem a vontade neste papel, pois ganham fama e mulheres, e esquecem do papel que o mundo lhes dá. Mas entra também o papel das características físicas dos povos, de que falamos abaixo.

Jogador de futebol bom é o Pelé.
Temos, sim, diferenças físicas entre as variedades humanas. A resistência física dos quenianos em provas de longa distância é uma lenda nos esportes. Em compensação, o atual recordista de cem metros rasos, uma prova de explosão muscular, é negro mas tem tanto em comum com um queniano como tem com um russo, além da cor.
MAS... essa capacidade física não é comprovadamente uma característica dos negros: pode ser simplesmente o efeito de que mais negros tentam as chances de ascensão social através do esporte. O crescimento dos chineses no quadro de medalhas é um sinal disto. Ninguém tem fantasias sexuais selvagens com chineses branquelos e baixinhos, mas eles estão colocando muitos outros povos famosos por suas características físicas no chinelo.

Negros aprendem menos?
Quantos negros você vê em uma classe de cursinho e quantos você vê em uma classe de futebol? E na mídia, vemos negros no papel de cientistas e de jogadores de futebol na mesma proporção? Muitos ignoram o poder dos estímulos externos na conformação dos desejos e das aptidões de uma pessoa. Isso sustenta minha opinião sobre cotas em faculdades: eu sou afro-descendente, mas isso não aparece na cor da minha pele. Tenho direito a uma vaga facilitada na pós que eu quero? Cor é prova de alguma coisa em um mundo mestiço? Não, mas pobreza é. Cotas por condições sociais são enormemente mais justas que cotas para negros, pois aposto que o boliviano, o coreano e o português que vieram para o Brasil em busca de oportunidades e mora em um cortiço merecem chance de estudo. E certamente vão ter mais negros entre as classes mais pobres, pelos mesmos comentários acima citados para violência.

Negros são preguiçosos.
Fale isso para um cara que fica dez horas por dia, se não mais, pendurado em um andaime, carregando tijolos, submetido a agravos causados por condições perigosas de labuta, correndo o risco de ser mandado embora e sem registro em carteira, e que não consegue um emprego mesmo com segundo grau completo e muito esforço e dedicação por causa de sua cor e por ser tachado de preguiçoso. Pergunta se ele tinha pais que tinham dinheiro o bastante para mantê-lo dedicado aos estudos até os 25 anos, como fazem muitos por aí, e se isso garantiria-lhe o mesmo salário que o branco ao lado dele tem.
Até eu ajudo-o a bater em quem vem com essa.

Logo tem mais sobre o assunto.

10.7.09

Os cabelos de Lionel Ritchie


Este texto nasceu antes da morte do rei do pop. Referia-se a outro dos grandes cantores negros que emergiram da Motown, a gravadora mítica que recriou a música ao trazer para a massa a música empolgante dos negros americanos, sem deixar esta presa às convenções do gueto.

Já dizia o Scandurra, do Ira: Se é pra fazer sucesso, não adianta fazer folclore. Isso significa que se deve, mesmo quando se cria música regional, buscar a universalidade do que dizemos. Nenhuma arte é grandiosa se só diz algo a um grupo privilegiado de pessoas que entende seu significado.

Lionel Ritchie surgiu como primeiro vocalista do lendário grupo vocal “The Commodores”, nos primórdios da Motown. Alçou vôo solo nos anos oitenta, primeiro compondo para o cantor country Kenny Rogers, depois com um mega sucesso com Diana Ross (Endless Love) e um disco recheado de sucessos. O maior deles foi
“All night long”, duramente criticado por supostamente perpetuar, com sua “pegada caribenha”, que a música negra podia ser reduzida a uma coisa só. O cabelo antes “Black Power” domado em um enroladinho molhado não ajudou.
Ritchie reagiu fazendo mais sucesso, e com dois exemplos que passavam por cima da idéia de cor na música.

A oscarizada (vejam aqui: http://musicaseleituras.blogspot.com/2008/09/as-trilhas-sonoras-do-oscar-say-you-say.html) música para o filme “O Sol da meia-noite”, um libelo da arte contra a barbárie, ali representada pelo estado soviético repressor. Mas não só: o personagem representado por Gregory Hines fugiu dos Estados Unidos para viver como dançarino na então U.R.S.S. após um colapso emocional causado pelo horror perpetrado por seu país no Vietnã. O filme transita entre a barbárie dos dois mundos (comunista e capitalista), e embora a opção hollywoodiana seja pelo país onde há mais liberdades individuais, as críticas são para os dois lados. A “liberdade americana” tem um preço alto em sangue, racismo e dor. A arte (no caso, a dança) é a única coisa acima da mesquinharia humana.

O segundo exemplo foi “We are the world”, música que escreveu, diz a lenda, em dez minutos com Michael Jackson. Sob a batuta do fantástico Quincy Jones, a música promovia uma arrecadação de fundos mundial para aliviar a fome na Etiópia. Estudos posteriores demonstraram que a entrada de dinheiro sem planejamento em países sem estruturas políticas sustentáveis era apenas um paliativo, com boa parte deste dinheiro escoando pelos bolsos da corrupção estatal. Mas a música fez história: catapultou sucessos (Bruce Springsteen entre eles), mostrou ao mundo que a fome era um pesadelo ainda presente, mostrou que as causas sociais importantes estavam além da questão de cor e credo,e fez de Ritchie e Jackson astros conscientizados aos olhos de todos.

A carreira de Lionel Ritchie acabou prejudicada depois por “N” problemas, de drogas a problemas administrativos. Hoje, há quem se lembre dele apenas como pai da socialite Nicole Ritchie, que certamente faz um desfavor digno da Ku Klux Klan ao negar sua negritude ao aparecer cada vez mais branca e loira na mídia. Vejam-na no passado na foto ao lado. Hoje, alisamentos, descolorações e chapinhas tentam apagar o negro nas cabeças alheias, “caucasiando” o máximo possível os gostos pessoais.

Mas Ritchie está vivo e bem, e enquanto esteve desaparecido da mídia, resolveu suas pendengas financeiras e hoje é um dos poucos artistas que após tanto tempo sem grandes sucessos mantém um patrimônio invejável, e crescente. Quem você acha que paga as extravagâncias da dondoca Nicole ao lado da multimilionária Paris Hilton? Dizem por aí que Beyoncé, se não abriu um processo por ter sido “desbotada” nas fotos de uma propaganda de cosméticos que fez, criou uma bela polêmica com isso. É um bom sinal.

8.7.09

Moonwalk

Admito: eu gostava do Jacko. Dancei break quando tinha uns doze anos até cai no chão de cansaço. Sabia passos e mais passos, embora nunca tenha conseguido o moonwalk.
O moonwalk era para os verdadeiros iniciados. Virou objeto de culto, e chegou até isso: http://www.eternalmoonwalk.com/ . É hilário.
E vicia. Dá vontade de ver centenas de vídeos só pelo prazer de rir do próximo da fila.

E em homenagem ao rei do pop, que e gosto de lembrar pelo rompimento das barreiras de cor da música, por ter sido mentor do projeto "Weare the world" e por ter sido o Peter Pan que todos queríamos ser, que vou abrir uma sessão de postagens em relação a preconceitos. Espero que seja de valia para pesquisas escolares, desentalamento de idéias e criação de gente mais tolerante. E que todos os que admitem preconceitos em si pensem nos motivos que os levaram a tal.

9.6.09

O fim do mundo já aconteceu e não nos avisaram?

A transição dos 80 pros 90...

O apocalipse foi anunciado umas dez vezes desde que eu nasci.

No fim da guerra do Vietnã, eu era um recém-nascido e diziam que pra dar o troco os EUA iam enfiar bombas no Vietnã, e a URSS ia revidar, acabando com o mundo. Quando o Irã e o Iraque se pegavam, corria algo sobre o colapso da economia aliado a uma guerra que se espalharia pelo oriente médio e trazendo de novo as bombas atômicas. O ambiente pós apocalíptico clássico da época previa um mundo dominado pelos malvados punks, os terrores da classe média americana e seus sonhos de ordem e progresso capetalista.


Com o advento dos computadores, nasceu o fim do mundo pela mão das máquinas.


Com o Reagan no poder, o mundo só não acabou pois na União Soviética havia um careca com um cérebro que evitou uma desgraça. O ponteiro do relógio do apocalipse bateu perto da meia-noite (relógio que inspirou a temática de Watchmen, diga-se de passagem) quando o projeto “Guerra nas estrelas” foi cogitado.


O comunismo caiu na União Soviética e seus militares iam se vingar jogando seu arsenal mundo afora. Você viu? Nem eu.

E aí veio a guerra do golfo, as previsões de Nostradamus casando passo a passo com a escalada do conflito (durante duas míseras semanas).

Então a era dos super vírus. O Ebola matou um monte de gente mas nunca se tornou uma pandemia.

E o mais midiático, o fim do milênio. Não caiu nenhum meteoro na terra, não aconteceu nenhum “bug do milênio” pra jogar nossa tecnologia na idade das trevas, não houve invasão alienígena.

Daí, 11 de setembro. Nada tão relevante pro resto do mundo, mas a mídia da era Bullshit propagava uma era de terroristas superpoderosos. Necas de novo.

Em 2009 temos duas ameaças de fim do mundo: as “Sexy dolls” (dessas eu tive medo, é quase como ver os 4 cavaleiros do apocalipse) e a mais recente gripe suína.

Cantava o REM: It´s the end of the world...

Mas aí me pergunto. E se o mundo acabou mesmo? E se Nostradamus estava certo e o fim do mundo veio com a guerra do golfo? Mais especificamente, na transição dos anos 80 pros 90?


Explico. Com a queda do muro de Berlim, um invento militar se popularizou: a Internet. Mas a internet nasceu de uma idéia hippie dos anos sessenta. Compartilhar informação, descentralizar o conhecimento, comunicar-se com o mundo todo em um clique...

O invento foi adotado nas instalações militares de todo o mundo, em versões vermelhas e azuis. Na mesma época, os hippies trouxeram a revolução de costumes, a liberdade feminina e a igualdade dos indivíduos se espalhou como idéia básica de democracia.


Quando o mundo se viu livre da divisão binária do século XX (Sim, o século XX acabou ali. Mas o século XXI só começou em 2001) os conflitos regionais ressurgiram. Vieram as guerras étnicas da África, do leste europeu e do oriente médio.


No mundo da cultura, a Disney se antecipou e propôs um modelo de novo mundo. E fizeram isso com um filme: “Uma linda mulher” propunha um mundo pós punk, onde os anos oitenta eram enterrados, a putaria acabava e o futuro abraçaria todos que se dispusessem a serem elegantes, divertidos e blasé. A trilha sonora transitava junto aos personagens, começando com a prostituta artificial e meio punk ao som de Peter Cetera ou Christopher Otcasek, para ao fim chegar aos modernos de então, Roxette, tocando para uma mulher natural, sóbria, em tons pastéis e apreciadora de ópera, moderna mas dependente de seu provedor. Pois é, o futuro imaginado era regado a Ace of Base e Roxette, em tons pastéis, cheio de puritanismos e dentro dos conformes.


Mas alguns anos depois veio o grunge. A Internet matou a indústria fonográfica e de filmes como a conhecíamos, e embora estas ainda agonizem, logo o esqueleto delas ruirá. Governos opressores se sacodem em uma luta inglória para conter a informação que chega ao seu povo de maneiras absolutamente incontroláveis, que mudam e crescem a cada dia. Todos podem postar blogs, fotologs, e terem perfis em comunidades que conversam com o mundo todo. Todos sabem que é ridículo ser preconceituoso, que governos falham, que votos são melhores que nada, que liberdade é um direito. Só não agem como deveriam, mas sabem.


O mundo com o o conhecíamos foi pulverizado em menos de dez anos. Os anos 90 simplesmente destruíram todas as certezas, tornaram todas as ficções científicas retratos ridículos do porvir (com a gloriosa exceção de alguns poucos e bons autores do Cyberpunk, e olhe lá: hoje “Neuromancer” está logo ali).

Nostradamus estava certo, então: tudo que imaginávamos está mudado. O mundo que começou a nascer após a segunda guerra mundial é globalizado, a informação desconhece limites, e apesar de todos os preconceitos, visões míopes de política e raça, dos danos ao meio-ambiente, é consenso geral uma linha de como o futuro deve ser. Existem normas na guerra, embora nem sempre seguidas. Existe a idéia de que racismo, sexismo, fanatismo são errados. Tudo isso era impensável nos tempos de H.G. Wells ou Lênin.


Bem vindo ao mundo pós-apocalíptico.

O deserto está sendo providenciado pela devastação florestal e pela fome de bilhões e bilhões de seres humanos. Você carrega um celular que acessa internet e faz as vezes de memória de vez em quando, e alguns o usam conectado constantemente ao ouvido num fone. Usa carros híbridos para combustível criados por multinacionais em bancarrota, e logo, movidos a hidrogênio. O Brasil é uma das economias mais fortes do mundo no mundo da ficção cientifica de seu hoje. Temos epidemias de obesidade e sedentarismo, em breve isso nos tornará dependentes de mais e mais máquinas. Marte já tem planos de colonização para daqui a algumas décadas, e os protótipos estão sendo testados. Seu computador aprende com seus erros, e os corrige. Logo ele corrigirá você.


Você é o punk ao lado da personagem da Tina Turner em “Mad Max III”.

1.6.09

War pigs

"Gripe suína provoca zumbis", ouviu essa?

Aproveitando a onda histérica criada, não sem certa dose de justificativa, com a gripe H1N1-A, até então chamada de gripe suína (em paralelo à gripe aviária, com a diferença que o vírus de agora NÃO FOI encontrado em porcos nesse surto), um espertalhão criou um site falso copiando o lay-out da BBC e espalhou por ele uma notícia de que, após algumas horas da morte clínica declarada de alguns pacientes da tal gripe, eles se levantaram, com o cérebro comprometido pela falta de oxigenação causando um surto de violência que durava alguns minutos. Os "zumbis" morriam após este surto, definitivamente.

Dezenas de sites pseudo-informativos espalharam a notícia falsa, comprovando a regra que em tempos de CNN, Foxnews, internet e Discovery channel os jornalistas esqueceram-se que as histórias precisam ser comprovadas. Foi apenas um dia, mas muita gente ficou impressionada enquanto não leram as erratas do dia seguinte.

"War pigs" é uma música do Black Sabbath, ó desavisado leitor com menos de 18 anos. Em uma época de guerra fria, era mais uma música lembrando que, no final das contas, quem resolve criar guerras não são as populações dos países, mas meia dúzia de engravatados artríticos fechados em um "bunker" com seus dólares e filhos em idade de alistamento. O Legião Urbana fez "O senhor da guerra" com a mesma idéia.

E a manchete acima liga-se a isso como?
Bom, a fúria sem canalização das pessoas neste nosso mundo com o politicamente correto encontrou uma solução para video-games, filmes B e desenhos animados trucidarem humanóides e gastar as baterias de fúria das pessoas que os assistem. É só transformar os inimigos em zumbis e a desculpa para você matar aquele ser chato na tela já está feita.

A histeria sobre a gripe H1N1-A é até certo ponto justificada. Gripes se espalham rápido, e uma delas com alta taxa de mortalidade é preocupante sim, em especial se chegar a áreas pouco estruturadas sanitariamente. Os 2 casos na Jamaica noticiados ontem, por exemplo, preocupam muito mais que os 100 casos do Japão.

Ela é muito perigosa? É, mas menos do que a gripe espanhola, com a qual muitos a comparam, especialmente por que na época da gripe espanhola a tecnologia de medicamentos estava engatinhando, e antibióticos e antivirais eram apenas um sonho. A letalidade dela é bem menor que a da gripe aviária, também, mas como surgiu ao lado do país mais escandaloso do mundo, a cobertura está tomando proporções alarmantes.

Agora somemos: uma crise financeira, um ditador falando duro com seus vizinhos, uma epidemia de gripe... é quase o cenário que antecedeu a segunda guerra mundial! Historiadores estão dando risada do potencial de pânico disso tudo.

A gripe suína não é algo com o qual se criar neuroses. Existe epidemiologia pra isso. Rastreia-se toda uma cadeia de contactantes do caso com cliques em uma telinha. Interrompe-se uma transmissão com antivirais. Monitora-se sinais vitais por aparelhos minúsculos que transmitem os dados a centenas de médicos em todo o mundo.

E não teremos zumbis para matar. Quem quiser curtir um clima bélico deve se mudar para uma das Coréias e vivenciar uma guerra que está acontecendo ininterruptamente há mais de meio século, com uma trégua que está longe de ser satisfatória reinando há algumas décadas.

25.5.09

"O espaço, a fronteira final...

...Estas são as viagens da nave estelar Enterprise, em sua missão de cinco anos para a exploração de novos mundos, para pesquisar novas vidas, novas civilizações, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve!"

E assim começava a icônica abertura de "Jornada nas estrelas", a série mais cultuada de todos os tempos. Promovendo um futuro onde a grande ocupação da humanidade seria angariar conhecimento, explorar, conhecer novos povos e sem absolutamente nenhuma, NENHUMA menção a dinheiro, ela trazia o futuro mais fantástico já espalhado pelas mentes da grande população.

"Jornada nas Estrelas" é realmente absurda. Personagens geniais; uma linha dramatúrgica coerente antenada com o que havia de mais moderno havia na cultura da época (e ainda é incrivelmente atual), que é o realismo mericano de Arthur Miller e Tennesse Williams; atualidade e percepção da realidade como nada antes ou raramente depois...

E fui ver o filme. Muitos o acusaram de espetacularizar o tema, numa espécie de síndrome de adolescentização que é típica do cinema pós-"Guerra nas estrelas". Discordo, Jornada sempre teve ação, mas ela não era a da era dos Spielbergs e James Camerons que nasceu nos anos 80. A crítica fica exatamente aí onde essas duas extremidades da Sci-Fi se encontram.

"Guerra nas estrelas" é estrutura narrativa mítica básica. Conto de fadas mesmo. Como coloquei lá em cima, "Jornada" é parte de uma corrente dramática que visa discutir a atualidade e se embrenhar em um mundo moderno, onde existe psicologia, discussão sobre hábitos e revolução de costumes.

Comparando bem, o filme de Lucas é um lindo quadro de naves espaciais pintado com carvão, e a série de Roddenberry é a imagem de uma guerra de hoje em dia em 3D feita no CorelDraw mais moderno que você conhece. Além disso, as linguagens de TV e de cinema são diferentes.

Mas "Jornada" é revolucionária desde sempre. Medicina não-invasiva? o hoje subestimado personagem McCoy carregava consigo um ultrassom/tomógrafo/analista clínico portátil e sempre estava um passo à frente dos burocratas ao atender as pessoas. Meio-ambiente? Tá lá, discutido com maestria no episódio dos bichinhos peludos que se multiplicam sem parar. Preconceito e guerras ideológicas? No episódio dos povos com a cara metade preta e metade branca. Mais preconceito? Uhura foi a primeira atriz negra regular em uma série. Guerra fria? Os klingons eram parecidos com o clichê americano para russos, mas havia um russo na tripulação. E um japonês, quando os traumas da 2º guerra ainda eram recentes e o Vietnã estourava.

Tudo isso pra dizer: Vão ver o filme. Entendam que é um universo paralelo ao que nós já conhecemos, que os personagens são imaturos, que o cara saído do senhor dos anéis, o saído do Heroes e o cara desconhecido são bons na reconstrução de seus ícones. A Uhura ganha destaque inédito, embora a relação que ela cria com os demais personagens sempre tenha sido insinuada na velha série. Há um porém: o vilão é péssimo. Se o objetivo era criar um babaca, eles conseguiram. Nunca houve um vilão tão sem graça em um filme com tanto orçamento.

Mas eu sempre me arrepiarei com a abertura. Sou da geração que cresceu admirando exploradores, pessoas cuja fome por saber era maior que os problemas mundanos. Meu ídolo supremo dos quadrinhos ironicamente é o Patinhas de Carl Barks, que por dinheiro explorava o mundo, e no final sempre nos deixava com vontade de saber mais sobre os povos que ele conhecia. Nos documentários, o Cousteau ia audaciosamente onde ninguém jamais afundara. Na TV, Kirk, McCoy e Spock. Uma era de conhecimento advinda dos primeiros desbravadores daquelas civilizações do outro lado do mundo. Marco Polo foi o primeiro tripulante da Enterprise.

E claro, há um sabor todo especial em ver Leonard Nimoy recitando a frase "Vida longa e próspera" para ele mesmo mais novo.

PS:  A atriz que interpretava Uhura na TV queria desistir da série, pois sofria na mão dos produtores. Martin Luther King em pessoa a convenceu a ficar para dar á comunidade um símbolo. Posteriormente, ela se tornou responsável na NASA por contratações de minorias, abrindo espaço para negros irem realmente para o espaço como ela já fora ficcionalmente. George Lucas não tem uma história como essa para contar sobre seus filmes.

27.4.09

Invasores!

Dique de castor em Ushuaia, Argentina.


A maioria das pessoas lembra-se a palavra "invasão" quando se refere a alienígenas verdes e mal-humorados despejando bombas e lasers sobre os pobres galãs hollywoodianos ou ao falar de episódios bélicos diversos, cujos exemplos são incontáveis.
Não deveria causar espanto, portanto, a seriedade imensa dada pelos ecólogos do mundo todo à questão das espécies invasoras. É uma invasão alienígena nos mesmos moldes dos filmes e romances de ficção, pois os invasores são mais dotados de armas de ataque que os pobres nativos, e igualmente bélica, pois suscita um empreendimento maciço para barrar e exterminar os invasores. Expulsão é quase impossível. Lembremos que a espécie humana é invasora da maior parte de sua atual distribuição geográfica.

A complexidade da questão é maior do que aquela envolvendo o efeito estufa ou o uso de energia nuclear. Para estas duas, as soluções são conhecidas, mas falta esforço direcionado para resolvê-las. Já no caso dos invasores de outras terras, é uma imensa dificuldade descobrir como agir para resolver o pepino. E mesmo delimitar quem é e quem não pode mais ser considerado invasor. O Dingo australiano, por exemplo, deve ser considerado invasor?

Assim, causa-me absoluto espanto a coluna publicada no Estadão de domingo, 26 de abril de 2009, de autoria do Gilles Lapouge, sobre as espécies invasoras da Europa.
Lapouge é um babaca. Suas opiniões são terríveis. Do alto de seus 82 anos e prêmios literários, se presenteou com o direito de falar besteira. Mas dessa vez ele pisou no meu terreno.

Na coluna, ele reclama das espécies que hoje invadem a Europa e causam prejuízos na casa dos bilhões de euros. Sério? Quando ele viveu no Brasil ele prestou atenção na fauna que estava nas cidades? Ele diz que "pássaros, peixes, mamíferos, insetos e flores vindos do outro lado do mundo estão cobrindo suas paisagens, semeando a discórdia, a desordem ou a morte". Depois, afirma que "Outrora, as ilhas do Taiti eram monótonas, apagadas, velhas. bastou Bougainville, Wallis e Cook descobrirem essa ilha para ela começar a brilhar com as flores e os frutos trazidos nos porões dos navios europeus".

Temos dois pesos e duas medidas. As espécies agressivas e competidoras levadas para o Taiti não causaram discórdia, desordem e morte? Quantas plantas nativas não foram devastadas po causa destas competidoras, postas em um lugar sem predadores, doenças e herbívoros que as controlam em seu habitat natural? Quantos animais não morreram por causa destas novas espécies e com o sumiço das nativas? Quando florestas tropicais podem ser consideradas "monótonas, apagadas e velhas"??? Parafraseando o popular ficcionista Michael Crichton em Jurassic Park, as plantas são seres agressivos e que lutam terrivelmente com seus inimigos vegetais, em batalhas químicas e de dispersão que fazem nossas armas químicas parecerem brinquedos.

Ele reclama dos danos causados pelo ratão do banhado (ele lembra que este roedor transmite leptospirose) e pelo mergulhão nas coleções aquáticas européias. Esqueceu-se do aguapé, levado para lá pelos jardineiros fascinados pela linda flor roxa que estes dão, sem imaginar os danos à navegação que ela causa em um lugar sem peixes-boi pra comê-la.

Aposto que o ministério do meio-ambiente da Argentina rirá quando ler isso, lembrando-se dos europeus que enfiaram o castor (e a doninha) na Argentina para ter um animal de caça novo pra produção de peles. Os prejuízos causados pelos castores são de milhões de pesos argentinos. A devastação florestal é incalculável.

Proponho uma troca. Os europeus pegam todos os ratões do banhado e mergulhões de seus açudes e nos mandam de volta. Podem mandar também todo seu aguapé para a Amazônia. Eles podem mandar os lagostins de volta para o Mississipi também: aposto que vai ter jambalaia para todos por meses!

Em troca, nós mandamos seus castores, ratazanas, ratos de telhado, baratas e mosquitos de volta. Sim, ratos e baratas são do velho mundo, eles não existiam no Brasil até sermos invadidos pelas caravelas. E aposto que os ratos do velho mundo trouxeram muito mais leptospirose para a américa desde 1492 do que todos os ratões do banhado juntos já fizeram desde o início dos tempos em todo o mundo.

Mandamos também o mexilhão dourado que entope a hidrelétrica de Itaipu, a truta que invadiu os riachos de montanha de Minas Gerais e São Paulo, as pombas, as dezenas de espécies de gramíneas testadas para pastos e que hoje destroem nosso cerrado e os pampas, os pardais, as árvores de Ficus, os eucaliptos invasores da mata atlântica de volta para a Austrália, os búfalos que estão acabando com a floresta de Rondônia, os javalis que destroem plantações feitas com o suor de muitos meses de caboclos do sul e sudeste, dentre muitos outros exemplos.

Os chuchus, as abelhas, os Aedes aegypti, os caramujos gigantes africanos, as rãs-touro, as tilápias, as lebres européias, as braquiárias e todos os ratos e camundongos, todas os indivíduos de todas estas espécies, eu faço questão de enviar direto para casa do senhor Lapouge. Estas espécies que quebraram a monotonia envelhecida de nossas florestas, campos e rios. Que destroem o ecossistema mais rico de todo o planeta.

E nem vou falar das doenças e vírus.

Não me constam muitas espécies levadas por australianos, brasileiros, nigerianos, chineses, mexicanos, hindus, vietnamitas, canadenses, estado-unidenses, egípcios, afegãos ou seja lá de onde for para a Europa. Estas espécies, se estão aí, foram levadas por europeus.

Claro, a disseminação de espécies pela Europa se deve também ao aquecimento global. Hoje espécies tropicais encontram condições de vida antes inexistentes em terras tão ao norte. Há periquitos em Londres hoje. O transporte acidental também é, e foi, imenso.

Portanto, se este texto foi criado pensando no Brasil, lamentemos a imensa desconsideração dele com a realidade dos países que sofreram a invasão das espécies levadas para cima e para baixo pelos europeus. Perdão, senhor Lapouge. O convido a passar mais alguns anos no Brasil ou Argentina, na Austrália ou no Taiti, e ver o que as espécies invasoras fazem com os ecossistemas destes lugares.

E, em sua responsabilidade como correspondente e divulgador, não agir como invasor, mas como parte destes povos que o acolhem.