7.6.07

FUTHARK

Frey, dos Vanires, lançou a sorte ao mundo e nos impulsiona a deixar a passividade qual um feroz auroque ao avançar pelas charnecas com sua força primitiva, pura e oportunista. E Thor, dos Aesires, foi daqueles que, ante as novidades, superou com sua força as mazelas da vida, qual seu pai, Odin, através da sabedoria e das palavras. A mensagem da existência viajou sobre rodas, decidida, capaz de, como o fogo, destruir, purificar ou recriar, qual dádiva, presente ou dom, com o qual devemos compromisso e sem o qual não haverá alegria naquilo que caminha ou nas lembranças.

Mas assim como o ar traz as consequências voando para o hoje, devemos lidar com as necessidades da vida com cautela, friamente, como o gelo, que tantas vezes é nosso obstáculo. Mas a Terra é generosa e seus ciclos se repetem, inexoravelmente, trazendo em seu bojo a morte e a renovação, o nascimento e a colheita, a lenha e as feras. Assim, temos nossas histórias para contar em frente à lareira, lições e lendas, mitos e conselhos, onde a verdade é revelada. Nos expomos qual caniços, sabedores de que como eles, temos nossos espinhos e sabemos nos proteger, e cuidamoso para não chegar a extremos. Assim, o Sol brilha sobre nós, traz a saúde e testa nossos limites.

Nossa coragem é a de Tyr, o guerreiro, e nossa persistência nos leva em frente desde o nascimento, e nos renovamos sempre, através do impulso, e sob as benções das deusas. Qual cavalos, somos inconstantes, inquietos, mas controlados e sabedores de quem somos. E qual homens, saímos de nosso conforto e iniciamos nossa jornada atrás de nossos potenciais, além da água, que é a transcendência, que traz nossas emoções, nos permite o descontrole e nos leva sem esforço em suas marés e fluxos. A vida nos leva à conclusão de nossa travessia, em êxtase como Ing em suas reviravoltas, ou como a aurora que dissipa o véu dos mundos e revela o que a noite ocultava, ultrapassando as trevas e levando à compreensão dos opostos. Só assim completamos o círculo e reencontramos nossas raízes ancestrais, colhemos nossos frutos plantados há muito, e nomeamos nosso lar.

Assim são os passos no desconhecido de nosso destino, ou o mistério supremo da nossa jornada, o que apenas os fados poderão responder.

16.5.07

When your day is done and you wanna run; cocaine... She dont lie, she dont lie, she dont lie...

O papel do xamã é descobrir por trás do véu da humanidade aquilo que a natureza, através dos deuses que a personificam, tudo que foi, é e pode vir a ser. Usar deste conhecimento para abrir os olhos de seu povo, e ferir as comodidades e destruir as ilusões que limitam a vida e afastam da felicidade os comuns dos mortais.
Por esta visão, o Xamã, o Hierofante, é uma espécie de herói, resgatando das trevas profundas, do âmago do monstro marinho do subconsciente coletivo, e muitas vezes pagando um preço em incompreensão ou até em sua existência física, normalmente injusto com o benefício que ele pode trazer.
O aprendizado para se controlar durante este mergulho é duro, árduo, longo e desprovido de glamour e prazer. Isto virá, sim, durante o mergulho, e é necessário para que se possa voltar á tona vivo, bem e mais sábio.
Ou os horrores enterrados fundo na alma do mar o carregarão para as profundezas e nunca mais o deixarão sair.
Não é fácil entender o caminho até lá em cima ou até lá embaixo da mente. Falar com as mentes ali presentes, então, demora e exige uma carga de interpretação que ainda estamos longe de adquirir como mortais. Então, no decorrer dos séculos, facilitadores foram evocados de todas as aprtes do mundo natural para isso: Rituais, animais guias, anjos da guarda ou demais guardiões e condutores espirituais, plantas de poder, tendas de suor, isolamentos e jejuns, cogumelos alucinógenos e por aí vai.
Uma lenda perunana diz que um dos primeiros segredos dos incas roubados foi o de sua principal planta de poder sagrada. Cansados de escalar sem costume as montanhas e abismos onde os incas se refugiavam, os conquistadores espanhóis rapidamente descobriram que uma planta da região era mascada pelos nativos para suportar os efeitos da falta de oxigênio.
A planta era usada como ponte para o mundo dos ancestrais. Ela teria ensinado o complexo alfabeto de nós em cordões usados pelos incas, a arte de construir e como viver nas montanhas mais altas do hemisfério sem sofrer.
Quando os estrangeiros massacraram uma das maiores cidades da região do Peru, conta a lenda que o sacerdote, que também tinha as características de xamã, lançou uma maldição naqueles homens. A planta que eles roubaram para seus próprios propósitos iria ser a ruína deles, e os destruiría e aos seus familiares devido à ganância, e a mesma ganância faria a maldição mais a mais forte.
O que mais mata hoje no crime? Qual o comércio ilegal que mais fatura no mundo?
Aquela planta tomou de muitos suas vidas. Ela ofereceu aos descontentes, aos pobres de espírito, aos fugitivos da realidade dura de se enfrentar uma saída. Mergulhava-os no mundo interior onde só os xamãs podem ter acesso e saírem a salvo. E os deixa lá para serem devorados pelos monstros crescidos na futilidade, no desespero e na falta de perspectiva.
J. J. Cale tinha razão. Ela não mente. Mas ela é rudemente sincera. Até demais.

5.5.07

Carol

Acabo de" salvar" junto com minha prima Ana a Carol, outra prima, de um seqüestro.

O mais engraçado é que ela nem sabia que estava sendo sequestrada. Isso só estava acontecendo na cabeça da mãe dela, na mente coletiva de uma gangue daquelas que ouvimos falar nos programas sensacionalistas e nos piores pesadelos de todos os demais.

Sabe o que é mais estranho? É exatamente como reza o clichê. O celular da suposta vítima está desligado, portanto, ela está sem contato. Uma ligação aparece do nada e uma voz chorosa e genérica pede ajuda, uma ligação policial falsa logo em seguida e logo viria algum pedido de resgate ou sei lá o quê. Um acúmulo de lugares comuns de jornaleco.

Ela tinha deixado acabar a bateria, o que me faz pensar que alguém deve ter tentado ligar para ela antes de começar o golpe e descobriu que ela estaria incomunicável. Pessoas, troquem o número se algo assim rolar! Alguma enrolação, e eu me enchi e resolvi ir pra facul dela ver se ela estava no nobre esporte irlandês de encher a cara.

O conhecimento insuperável da botecogeografia de entornos de faculdade foi essencial para achar a Carol, feliz e contente dois segundos antes da gente cair abraçado nela e explicar que só ela não estava em pane na família Avari.

Agora vai virar piada de festa familiar. Mas o entendimento do que é medo passa por aqui!

3.4.07

300!

E enfim eu fui ver algo que eu esperava há mais ou menos uns dois anos: Os 300 de Esparta, ou, como acaba de ficar popular, simplesmente 300.
Quem me conhece vai logo fazer a pergunta clássica: "É fiel ao quadrinho?" e todas as suas variações: "é bom, é melhor ou pior, os atores calharam certo dessa vez, o Santoro dá conta do recado, as imagens são perfeitas?"
Irrelevante. É de longe a melhor adaptação de uma história em quadrinhos já feita. A fidelidade beira o impossível, (pecando apenas pelo tom politicamente correto que permeia o filme todo, mas eu já explico por quê isso pode ser deixado para trás). O autor, Frank Miller, que me perdoe, mas nem ele mesmo adaptou tão bem uma história sua em Sin City quanto Zack Snider com o 300. E olha que Sin City era até agora minha campeã em fidelidade.
Em fidelidade mas não em cinema. 300 consegue a proeza de ser fiel na medida do possível, acrescentar aqueles pedaços que nós colocávamos entre uma cena e outra, funcionar como cinema e não deixar a mensagem esvanecer.
A acusação iraniana de que o filme foi feito agora para falar mal dos persas esbarra em uma coisa óbvia. Não é uma aula de história. Mesmo supondo que 300 espartanos tenham realmente defendido com alguma utilidade o desfiladeiro das termópilas, o que se passa no quadrinhyo não é factual ao extremo. Na verdade, pode ser entendido como mais uma vela na escuridão contra as limitações que o homem coloca a si mesmo a título de espiritualidade, ou sistemas de governo.
Americanos rejubilam-se com a palavra democracia e os espartanos não eram exatamente o que nós chamamos de democráticos? Sim. Os persas não tinham monstros deformados e reis divinizados em batalha? Sim. O filme pode ser visto como uma mensagem política contra teocracias? Sim, e aí os americanos atiram no próprio pé, pois o presidente deles é um dos que levam a bíblia para o campo das leis. O Irã pode se unir aos americanos para protestarem.
Mas o que importa é que os espartanos foram o povo mais durão de todos os tempos. Se alguém poderia ter feito aquilo, foram eles. E Gerard Butler está fantástico como o personagem em quadrinhos mais bem desenhado de todos os filmes. Ele é um desenho ambulante.
E sim, o Santoro foi manipulado digitalmente. Ele não tem dois metros de altura.
E para quem gosta de sangue, é um prato cheio.
Ele tem milhões de defeitos preconceituosos para quem está na onda do politicamente correto. A minha crítica favorita não gostou nada disso (vejam o que ela diz: http://www.lost.art.br/lola_300.htm). Mas eles atenuam até a medula o original. Sem perder a dureza, O rei agora sugere ao corcunda que ele ajude longe da batalha, a rainha tem papel importante, Xerxes não é negro, e os soldados de Esparta não apanham dos outros soldados de Esparta quanto demonstram fraqueza. Isso é ceder ao gosto do grande público, mas se do jeito que está ele já vai sofrer com os mau-humorados críticos do politicamente correto (e lembrando que dois mil anos atrás toda guerra era étnica) Imaginem se o Leônidas despacha o corcunda pro Hades por ele ser disforme. Como ERA o costume de Esparta.
Em suma, não levem mocinhas que se digam virginais ou senhoras conservadoras, não levem intelectualóides e homens de terno e gravata, e assistam sem medo, divirtam-se muito em plena catarse, e lembrem que os bichos são de computação gráfica.
E depois da sessão, quero ver quem não acha que Esparta tinha uma ou duas vantagens sobre o Brasil.

27.3.07

Há mais na vida de um biólogo do que ratos.

Dizem que todo biólogo tem sua cota de ratos para matar. Seja fazendo experimentos em um laboratório, seja desratizando algum lugar. Também há a parte de controle agronômico, experimentos de comportamento, feitura de vacinas e exames de inoculação. Eu sou diretamente responsável pela morte de milhares de ratos, através das mãos de uma equipe e mais uns tantos que serviram de alimento a aves de rapina, lagartos, tartarugas carnívoras, jacarés, cobras e urubus, mas não só bichos estranhos. Raposas, cachorros do mato, gatos-maracajá/palheiro/do mato/pescador, tudo come roedor.

Por isso eles reproduzem tanto. Já pensou sustentar essa filharada toda? Ou manter a espécie sem essa filharada?? Mas ratos são dignos de admiração por vários aspectos. Nada que não se possa superar quando pensamos no quão pestilentos eles podem ser fora do biotério.

Mas há mais na vida de um biólogo do que ratos.
Boa parte de tudo que se faz para defender a vida nesse planeta passa por superar os instintos mais baixos, vis e imbecis dos humanos. Explicar que não se come uma espécie em extinção. Que florestas são necessárias para a correta manutenção dos níveis ambientais equilibrados de nossa sobrevivência. Que não se trafica sagüi para que uma criança apalermada e mimada possa ter um brinquedo, a ser jogado fora quando der sua primeira mordida apavorado com aquilo tudo.

Pensando bem, prefiro ratos. A gente ensina uma vez, e eles aprendem. A gente sabe o que eles vão fazer, e nunca, mas nunca mesmo, eles serão ignorantes abaixo da média dos outros ratos. E mais ainda, eles não destroem por luxo.

Há mais na vida que lidar com esses seres sinistros, os humanos?

19.3.07

REMINISCÊNCIAS

Atenção, é raro algo pessoal postado por aqui, então não me responsabilizo por nada ou ninguém.

Como se eu pudesse. Vamos lá.
Quem já ouviu "American Pie"? É uma música, a única conhecida, de Don McLean, um ótimo compositor de folk-rock (seja lá o que for rótulo) . Fala basicamente daquela sensação de desespero Beat e do dia em que a música morreu. A maioria das interpretações não vai mais fundo do que falar do dia em que o rock era uma coisinha meiga e pura e que teria tido um fim simbólico um pouquinho antes dos dias de rebeldia sem causa e viagens além mundinho limitado.
Este dia teria sido o dia em que um avião caiu com Buddy Holly, Ritchie Valens (ou Ricardo "La bamba" Valenzuela, o primeiro astro latino pop que se tem notícia) e JP "Big Bopper" Richardson.

Três precursores do rock que conhecemos e de fato símbolos do rock antes do estouro rebelde da contracultura.

Por quê uma música que além disso tudo e cheia de referências a outros momentos pop macabros (os terríveis Rolling Stones, a fatídica "Helter Skelter" dos Beatles, dentre outras menos conhecidas) buzinou na minha cabeça por tanto tempo?

Quando eu comecei a mergulhar no "rock-mundo" que me abarca, comecei pelo óbvio: aquilo que tinha em casa. quantidades estratosféricas de Little Richard (eu tinha algo em comum?), Jerry Lee Lewis, Beatles (da fase inicial), Chuck Berry e o rei, Elvis (cujo dia de nascimento é o mesmo que o meu).

Na minha atual fase de me entender, quando o passado dói, o futuro merece um lustro e o presente está muito chato, onde a gente vai buscar entendimento? No que já rolou. E repentino, tenho um aniversário de gente ressuscitada de um passado distante, que misteriosamente se torna presente e importante, e em uma casa rocambole! (o rockabilly tem apelido aqui em casa).

Além da companhia genial, dos risos de ter que aprender a dançar com os professores da casa e da raiva de não conhecer o lugar antes, algo brotou aqui dentro. algo que apagou American Pie e fez com que eu parasse de reclamar que o passado parecia mais divertido. O passado é agora, o hoje vai parecer mais divertido amanhã. Eu ainda vou dançar twist pela casa com uma vassoura aos noventa anos.

E no dia seguinte, eu e a Luciana em mais uma daquelas noites de atualizações da vida, acabamos por descobrir que apesar de nos conhecermos há uns 15 anos e nos falarmos quase que semanalmente há uns seis ainda temos um monte de coisas que não fazemos a mínima um do outro. O passado não existe.

Quer saber? fazendo uma citação, xarope anti-monotonia nunca é demais.

E acho que eu preciso voltar a ser mais noturno...

"Roll over Bethoven!"

10.3.07

Um jantar, ossos e liberdade criativa

Neste exato momento estão subindo os créditos de “Adivinhe quem vem para jantar”, o clássico de 1967 que fez de Sidney Poitier um astro, coroou mais uma vez as carreiras de Spencer Tracy e Katherine Hepburn e trouxe para a tela grande do mainstream a questão racial em technicores muito além do preto e branco.

A despeito de ser um ótimo filme, atual até mesmo no ritmo (que é normalmente o grande empecilho para a maioria das pessoas não-acostumadas ao cinema clássico e viciadas nos fliperamas atuais) e das atuações “actor´s studios” primorosas, ele é um dos grandes exemplos do roteiro planejado de cima abaixo para atingir seus objetivos, isto é, passar uma mensagem específica.

Protagonista, antagonista, situação, influências externas, personalidades, todas são montadas minuciosamente para, no discursivo (na época era necessário) gran-finale, ninguém ficar na dúvida sobre a moral da história.

Preste atenção: nada é coincidência ou acaso. Cada caracter é parte do quebra-cabeça. Cada profissão ou opinião é simbólica. Não fica uma farpa injustificada em todo o filme.

Isso normalmente nasce daquilo que eu comparo com a montagem de um aeromodelo dramático: colocamos a estrutura, acrescentamos motores, laterais, rodas, pintura, hélice, gasolina e só depois botamos o troço para funcionar.

Se você está aqui sabe que eu escrevo. Muito. De tudo. Mas eu escrevo de outra maneira. E, sem desmerecer o roteirista de “Adivinhe...” ou quase todos os seus colegas atuais do cinemão, eu considero uma forma de escrever muito pouco orgânica para o meu gosto.

Eu estudo vida. Meus paralelos quanto ao que chamo de orgânico Vs o mecanizado, automático, robótico são imensos. O esqueleto surgiu na evolução muito depois dos primeiros corações batendo. A pele surgiu depois da respiração. As cores vieram depois da digestão. A vida uterina já funciona quando nem a chamamos assim ainda.

As histórias nascem em caldeirões de protoplasma, sangue e ossos. Elas pulsam e cheiram mal e soltam sujeira pelo carpete. Seus personagens brotam do solo humoso como vermes já independentes, cegos e simples, comendo, babando e respirando.

O esqueleto aparece depois.

Quando começo a escrever, estou nadando na liberdade. Os fatos, o que aconteceu com aqueles personagens pulsa e se lança contra minha consciência. Arremetem até se esgarçar contra as paredes da lógica. Quando o caos primordial passa, e tudo já está lá, e a história já respira por conta própria e consegue se sustentar, se alimentar e interagir com o ambiente externo, tirando dele o que precisa e jogando o que já digeriu, é só então que aparece-lhe esqueleto, pele, músculos. E o verme começa a caminhar para ser um ente complexo.
Histórias nascem nas mentes, não são montadas como máquinas.