23.6.11

O descontentamento procura suas vozes, quem se candidata?



Ontem assisti um “cover” de Raul Seixas em um bar rock’n’roll aqui perto de casa. Já vi boas bandas tocando por lá, públicos razoáveis, mas nada que se comparasse ao volume de pessoas gritando as letras e erguendo seus copos aos gritos satíricos de “Toca Raul”. Estava lotado, simplesmente, de fãs.

Claro, eu me incluo. Cantei “Gita” com a emoção de sempre, pedi “Novo Aeon” (e não fui atendido, não é uma música que qualquer um toque e/ou saiba fazer aquele finalzinho rap) e dei risada com “Aluga-se”.

É óbvio que a moda é cíclica, e a música, como fenômeno de expressão, igualmente se repete de tempos em tempos, e acredito que isso tem a ver com a sequência de adolescência após adolescência dos públicos. Sim, montes de pessoas que eram bebês, ou mesmo nem haviam nascido quando Raul Seixas morreu, estavam lá cantando e celebrando a sociedade alternativa. São minoria de sua geração, são, mas existem e não são poucos. Aqueles que cresceram escutando só Strokes ou White Stripes como o máximo de rebeldia se encantam com a mensagem genuinamente raivosa contra o mundo do Raul (eles enxergam o Nirvana como eu enxergava o Led Zepellin, algo lá no fundo da história).

Logo após a morte do Raulzito, na semana do eclipse (para quem não lembra: na música “As aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor”, ele cantava que só o entenderiam quando chegasse o dia do eclipse. Pois bem, Raul morreu 2 dias depois de um eclipse total do Sol), ele foi criticado pelo rumo péssimo de sua vida nos anos finais, pelos shows que não terminou de tão bêbado que estava, pela parceria duvidosa com Marcelo Nova e por aí vai. Quatro anos depois, Raul tinha mais fãs do que jamais tivera quando vivo, e essa onda se espalhou de São Thomé das Letras à China. Aí surgiu o famoso grito de “Toca Raul”.

Quando o novo milênio chegou, Raul era ultrapassado, datado, chato. Os fãs se enfiaram no seu nicho, e bandas se recusavam a tocar suas músicas nos bares da vida. Um mês atrás, resolvi dar uma nova chance ao Raul e fui lá desenterrar a pasta de músicas dele do computador.

E estava tudo lá. A clareza crítica, a ironia, a afiada análise social, a filosofia adequadamente profunda para os propósitos de uma música para todos, o tino de fazer música comercial sem ser raso, o desprezo pela alienação, o humor indescritível, a grandeza espiritual, o amor pelo viver livre. O cara foi muito bom no que fez, e quando olhei ao redor, vi que eu não era o único a revisar a atualidade das ideias anticaretice do maluco beleza.

Agora, passados mais de vinte anos desde sua morte, ganha um novo fôlego e público, que sintoniza sua revolta contra a burrice coletiva, a mentalidade politicamente incorreta que não tem sequer a coragem de se assumir fascista, a vida reacionária da classe média agonizante de Higienópolis, a face careta mesmo do mundo. Está mais adequado ao mundo de hoje que seu ex-parceiro, Paulo Coelho.

Senhor Seixas, o mundo evoluiu inegavelmente, não pode impedir sua voz e admite que não pode mais discriminar as pessoas por serem como são, não é mais dividido em duas superpotências, a informação corre para cima e para abaixo em bits, e as grandes gravadoras agonizam; só infelizmente continua merecendo as mesmas críticas hoje que merecia na sua época para aprofundar nesta evolução.

Só espero que suas palavras não tragam a revolução datada que seus fãs adorariam ver.

14.6.11

E onde estão as crianças?




Lá na era cenozóica, eu escrevi com alguns amigos uma lisérgica história envolvendo tudo que desejávamos detonar e colocamos a tarefa na mão de um grupo de antiheróis quadrinísticos. Basicamente, a coisa toda era sobre uma MegaCorporação de eletrônicos(!) que roubava crianças no terceiro mundo (!) para vender seus órgãos(!) embora dissesse para sua aliada Igreja fundamentalista norteamericana(!) que ajudava-as a arrumar casa em famílias abastadas e ambas conspiravam(!) para criarem um exército ciborgue ultrareligioso(!) às custas disso tudo.

Nem é preciso falar que a suspensão de crença necessária para engolir isso é quase tão grande quanto a que precisamos para assistir um filme de ação blockbuster. Claro que enfiamos diálogos ferinos, protagonistas absurdos e muitas explosões. Tudo isso para extravasar artisticamente a revolta com o mundo.

No meio dessa massa toda, estava um momento histórico onde o mundo todo tinha algo de errado. E pasmem, ainda estamos nele! E eis que me espanta ver que numa determinada entrevista um membro de uma banda da qual desejaria nunca ter ouvido nem mesmo falar de emocoloridobreganejorock (obviamente não darei a eles a honra de terem seu nome aqui) foi questionado por que raios todas as músicas eram sobre romance, balada e sei lá mais o quê. A criatura responde que não há mais nada do que reclamar então eles fazem só isso.

Mais nada do que reclamar? Em que cúpula de cristal nos picos de Higienópolis ou Ipanema este ser nasceu e foi mantido toda sua vida? Que jornais róseos ele leu na vida? Que televisão com censura dos pais ele pode assistir? Que estradas de tijolos amarelos ele usa para chegar onde se apresenta? Que palcos de diamante e plateia de burgueses à francesa tem nesses shows? Se arte é expressão, o que expressa alguém tão insensível ao que o cerca?

Qualquer ser humano que tenha um único dos 5 sentidos encontra facilmente algo do que reclamar pelo que acontece no mundo. Minha historieta adolescente falava de impunidade dos grandes poderes econômicos, da falta de laicidade dos estados, do fundamentalismo, da exploração dos países terceiromundistas, do abuso infantil, do tráfico humano, da falta de senso de justiça, do uso ilegal e ganancioso da tecnologia, do preconceito, do crime organizado e de pelo menos uns mil assuntos que ganhavam espetada nos diálogos entre a personagem que tentava ir pela lei e a que preferiria tudo feito no esquema olho por olho.

Basicamente, as pessoas esperam por um novo movimento hippie, um novo punk ou revolução francesa. E não metem as caras para mudar nada. O problema é que chegamos no momento onde todo mundo, repito, TODO MUNDO sabe o que é certo e o que é errado. Essencialmente, a humanidade toda sabe que devemos respeitar tudo que tem em volta como respeitamos a nós mesmos. Isso significa que abuso, exploração, preconceito, desrespeito aos direitos das gerações futuras, esgotamente de recursos naturais, desinteresse pelo bem estar alheio e várias outras coisas estão subentendidas. Pela primeira vez nos últimos 200000 anos, é possível sonhar com uma constituição mundial. John Lennon sorri na tumba.

E portanto, agora é a hora de praticar isso, e não esperar grandes impactos externos para nos obrigar. Quando as pessoas reclamam dizendo que o mundo está passivo, é por que não olham para o que está rolando nos países árabes. A primavera árabe simboliza a vez deles colocarem para si mesmos aquilo que boa parte do mundo conquistou na revolução francesa e na carta dos direitos humanos.

Aqui no seu país onde um imbecil diz que não tem nada do que reclamar, é hora de fazer seu papel de indivíduo e botar as mãos na massa sozinho, cobrando aquele em que você votou, reciclando seu lixo, respeitando o direito do cadeirante, assumindo que fez asneira no trânsito ao invés de tentar subornar o guarda... enfim, parando de esperar que alguma revolução venha te ensinar o que deve ou não fazer.

Quem espera que algo de fora lhe diga o que é o certo equivale àquela parcela do povo alemão recebendo Hitler como salvador da pátria e ignorando seus maiores pensadores apontando-o como o monstro que era. Os pensadores, coitados, ou fugiram do país ou foram mortos. O povo que achava que não analisou a coisa por si mesmo até hoje convive com as cicatrizes daquilo.

Exagero? O número de vezes em que você ouviu "ah, é Brasil, é assim mesmo" é o quanto você foi exposto ao conformismo explícito. E um milésimo do quanto foi ao implícito.

14.3.11

Godzilla, a Síndrome da China e Honra.

Para ler ao som de REM:
It's The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine)
That's great, it starts with an earthquake...



Quanto esta música foi lançada, o mundo acabara de passar por mais um de seus fins, o dos anos 1980, dos muitos desde a guerra fria (leia o post sobre isso em: http://biocenico.blogspot.com/2009/06/o-fim-do-mundo-ja-aconteceu-e-nao-nos.html ). O interessante é que agora a música soou friamente profética conforme o atual fim do mundo, o de 2012, se aproxima.

Um clássico filme de 1979 chamado "A síndrome da China" em que a repórter com pretensões investigativas de Jane Fonda (ela, a engajada) investiga com seu cameraman rebelde-anos-70 (Michael Douglas em seu primeiro bom papel) as falcatruas que uma empresa fez para fraudar a fiscalização de segurança de uma usina nuclear. Um técnico do lugar, magistralmente encarnado por Jack Lemmon, resolve abrir o bico antes que ocorra a síndrome da China, isto é, o derretimento do núcleo atômico da usina que o faria derreter a crosta terrestre até chegar à China.

Como Chernobil nos mostrou anos depois, quando um núcleo de usina desanda, a coisa toda voa, e não afunda. Alguém viu pedaços de teto de usina voando no Japão?

Ok, todos falam agora do maremoto e do terremoto, fazer o quê, isso acontece (embora existam teóricos que digam que o degelo dos pólos está alterando a distribuição de peso nas placas tectônicas, o que eu acho exagero). E ao fundo, fala-se do risco de explosão de reatores nucleares que abastecem o Japão. Mas por que usar energia nuclear no Japão? Não tem grandes rios represáveis, não tem grandes fontes de combustíveis fósseis, não está disponível ainda tecnologia para criar energia em grande escala por fontes como energia do mar ou geotérmica. E claro, como país mais traumatizado com o poder do átomo, o Japão precisa conhecer este monstro.

E traumatizado como é desde 1945, o poder da terceira maior economia do mundo (até a China ultrapassá-lo dia desses, a segunda) não foi suficiente para impedir que a trama do filme se repetisse. Segundo reportagem veiculada no Estadão de 13/03/11, a empresa que administra a Usina atualmente vigiada por repórteres do mundo todo, a maior empresa de energia do Japão, recebeu nada mais nada menos do que VINTE E NOVE CASOS de alterações em procedimentos de segurança, fora ACUSAÇÕES DE FALSIFICAÇÃO e ADULTERAÇÃO de dados.

A usina de Fukushima Daiichi já expirou sua validade (aliás, agora chegou o tempo em que quase todas as usinas nucleares do mundo já são prédios com décadas de uso constante sob condições extremas) mas alguém deu a ela mais dez anos de lambuja. Quem foi que revalidou esse prédio se ele foi reprovado na calibração? Claro, colocar a usina em um lugar vulnerável a tsunami e terremoto só foram a cereja do bolo.

Nos anos 1950, as explosões nucleares de Hiroshima e Nagazaki afetaram um lagarto e o transformaram no rei dos monstros. Godzilla encarnou os temores nucleares do Japão como uma força absolutamente irracional que destruía sem remorso "a cultura mais tradicional do mundo", nas palavras de um certo carcaju de adamantium.

E aí vem um executivo a fim de lucro cuidando da coisa mais perigosa do mundo como se fosse a lojinha de saquê do avô dele e falsifica laudos de segurança. Godzilla nasce do poder irracional do Iene, pisa impiedosa e destrutivamente na tradição de honra e senso de cidadania que fizeram do Japão a força que ele é hoje.

Agora, Godzilla de terno e gravata arrisca tornar um cataclismo natural de pesadelo em um cataclismo de erro humano onde a radiação fará o papel de completar os espaços deixados em branco pelo terremoto no obituário. E claro, Godzilla nunca cogitou cometer haraquiri quando traiu a alma de seu país. O monstro irracional não tem honra que possa ser perdida.

Talvez a usina tivesse os mesmos danos por conta da força do abalo? Talvez. Mas se a usina tivesse sido desativada quando chegou sua hora, anos atrás, e eu pudesse confiar nos laudos de segurança e nos dados sobre ela, seria mais fácil aceitar isso.


Obs: Uma versão mais recente (e americana) recriou o monstro em 1998 quando a França fez testes nucleares de superfície no atol de Mururoa alguns anos antes. E o visual do bicho ficou genial. E ano que vem, quando o mundo estiver prestes a acabar, vai sair mais um filme. E pelo visto, o horror nuclear que o originará é o de um tempo muito recente...

1.3.11

Elektra

Pois é, o blog volta à vida. Mas antes de dedicar-me a assuntos mais sérios, um pequeno interlúdio de fã.



Em algum lugar na minha busca incessante por quadrinhos interessantes, e já satisfeito de Carl Barks, Hergé e Maurício de Souza, os quadrinhos mais vendidos do mundo bateram à minha porta.

Na verdade foi culpa de um filme do Batman com uma publicidade absurda e uma imensa curiosidade mórbida adolescente por um mundo que, nas páginas, vinha estampado “leitura para adultos”. Eu tinha lá meus catorze, e achei tudo aquilo sinistro, sombrio, realista. Um mundo onde as pessoas morriam e vilões eram terrivelmente assustadores.

Claro que eu li os grandes clássicos do morcegão, e tremi de medo do Coringa enfiando um tiro na coluna da Batgirl para provar sua teoria. E tremi de arrepio quando o Batman meteu a mão na cara do Super-homem que se tornara um joguete nas mãos do poder constituído. O grande astro desta era do morcego era Frank Miller, e logo em seguida (eu ainda não lera as obras supremas dele) eu admirava um tal de Alan Moore.

E Frank tinha uma carta na manga. Alguns amigos meus á estavam versados no cara graças a outro personagem que ele transformou em um ícone, o Demolidor, da Marvel. Eu não era, e até hoje não sou, um grande admirador do jeito Marvel de quadrinhos, com raras exceções. Mas Miller era Miller, e li tudo que pude do Homem sem Medo, Matt Murdock, sob o disfarce do demônio ousado.

Até que caiu em minhas mãos a história em que ele reencontra com uma ex-namorada que se tornou uma assassina de aluguel. Elektra.

Anos depois soube que foi a primeira história que Miller roteirizou para a Marvel. Logo que teve a oportunidade, ele jogou o novaiorquino até o osso Matt Murdock em um mundo de ninjas, artes marciais e misticismo arcano oriental. E colocou a bomba envolvida e uma mulher de traços musculosos, poucas curvas e cara de que castraria qualquer um que tentasse alguma graça com ela. O oposto absoluto de todas as mulheres já retratadas em quadrinhos até ali.

Elektra é a antítese da Mulher Maravilha ou das X-girls, de Lois Lane ou Barbarella. Depois de ler tudo que Miller fez com ela nas histórias do Demolidor, sua vida e morte, caiu em minhas mãos a síntese do que aquela personagem queria dizer ao mundo.

Em “Elektra: Assassina”, toda aquela podridão de mundo escondida e atenuada nas outras coisas com advertência de “leitura para adultos” desaba com o peso de um Sartre de porre e um Nieztsche virado no cão. Sangue é o que menos chama a atenção. Temos traição, complexos freudianos, manipulação, conflitos políticos, um mal absoluto controlando o horror nuclear, hospícios cucarachas, estuprador virando herói, hippie virando monstro, maionese podre e uma ninja absolutamente assassina sem nenhuma hesitação em chacinar pessoas que estão do lado do bem para atingir seu objetivo de salvar o mundo por vingança.

E de repente, o que falta no mundo é uma pitada de Elektra. O politicamente correto transformou essa criatura sem piedade em uma coisa insossa interpretada pela boneca-de-lábios-botox Jennifer Garner.

Posteriormente, Miller a matou de vez (em “Elektra vive”) e foi se dedicar a petardos como “Sin City”, mas nunca superou-se como fez com “assassina”. Daí os executivos da Marvel a ressuscitaram ao melhor estilo X-men e deram-lhe curvas saborosas, preceitos morais caretas e arquiinimigos superpoderosos convencionais.

Mas até hoje, Elektra é a maior personagem feminina já criada, e infelizmente foi esquecida atrás de uma versão sua de peitos enormes e profundidade de um pires.

Volte, Elektra, e mate os executivos que fizeram isso com você.

15.12.10

Hatari!

'Hatari' quer dizer perigo em Swahili.
E é o nome de um dos filmes icônicos da minha infância. Estrelado por John Wayne e a belíssima Elsa Martinelli, conta a história de um caçador que não caçava para matar, mas para abastecer zoológicos e circos do mundo com animais da savana africana.

Isso me fez inventar uma série de personagens, junto com meu irmão, sobre caçadores que abasteciam um zoológico do fantástico, que era dirigido pela Cuca e duas sobrinhas dela, ahahahah. E claro, junto a dezenas de outros filmes e documentários na TV Cultura, colocou a África e suas savanas no meu imaginário para sempre.



Olha o passo do elefantinho...

E saí de Cape town para fazer aquilo que qualquer mortal em sã consciência deve fazer se pisa na África: um safári. Safári hoje em dia significa uma expedição de visualização e fotografia, andando para cima e para baixo por parques delimitados onde os animais valem mais vivos do que mortos.

Safári antigamente era um jeito de todo europeu com pênis pequeno matar tudo que aparecesse pela frente para aumentar sua autoconsideração como macho. Como se fosse justo um homem com dez guias e carregadores nativos armado de um rifle do tamanho de um canhão atirar de longe em um bicho qualquer.

"Ah, mas e como você chegou lá?"
Tá, em resumo: peguei um avião da Cidade do cabo pra Johannesburgo, passei a noite em uma pousada sem graça de um casal de chapados a lá hippies muito simpáticos que deixavam ela nas mãos de um fóssil da época dos bôeres que se mostrou a pior pessoa que conheci em todo meu tempo lá. Além de certamente ter lutado na guerra dos holandeses contra os ingleses no século XIX, ele ainda espelhava o ar de conflito latente constante que há na cidade. Johannesburgo é um pesadelo em comparação com a Cidade do Cabo.

E o povo da empresa de turismo me pegou na pousada e me levou pro Kruger park para meu safári. Tudo lindo, até que descobri que o grupo na van ia fazer outro tipo de safári, e que o meu, pacote "adventure", não tinha mais ninguém. Fiquei sozinho durante todos os dias com o guia, Israel, uma figura que falava com um sotaque zulu absurdo mas tinha olhos que encontravam qualquer coisa que respirasse na mata.



O safári moderno trouxe do antigo o conceito dos "big five", os cinco animais mais nobres para serem caçados (hoje, vistos/fotografados): O leão, o elefante, o búfalo, o leopardo e o rinoceronte. Claro, tem os cinco de Tudo nos livretos turísticos: aves, árvores, filhotes, lugares, insetos...

E lá fomos nós. Um safári é andar num carro aberto procurando bicho. Só isso, mas meu pacote incluía dormir nos campings ultraorganizados dentro do parque, um passeio noturno e um jantar típico no final (O Kruger é um dos maiores parques da África, um dos mais famosos e mais organizados).

Logo no primeiro dia, vimos 4 dos 5 grandes. E não é difícil, embora leões quase nunca fiquem perto das estradas (eles não tem medo dos carros. Eles procuram lugares com sombra durante o dia). Gnus foram mais difíceis de encontrar. E logo de cara, ouvi que "man, leopards are very rare to find with just three days driving through the park". Mesmo na época em que fui, quando ainda está seco e as árvores estão com pouquíssimas folhas.



O mais fácil de achar eram elefantes. Por onde passa uma manda de elefantes fica como se passasse uma manada de elefantes por ali. Sem elefantes, não tem savana. Sem savana, nada de bichos grandes para todo lado. É por não ter nada equivalente a elefantes que nenhum lugar do mundo tem uma megafauna tão rica quanto a África.

Vou resumir tudo em uma coisa: foi um êxtase místico. É absurdo, a melhor coisa que eu já fiz por mim mesmo. Fiquei com medo das hienas rondando os campings, demorei para entender por que todo mundo no safári noturno gritou "Cobra" ao invés de "Snake" (por que "Cobra" em inglês significa Naja!), vi o bicho que eu mais ansiava quatro vezes (Rinocerontes são lindos. São fantásticos. São majestosos. São os animais mais ameaçados pela caça ilegal).



E no último dia, depois que já havíamos passado pela recepção do parque e estávamos a uns 500 metros do portão de saída, o guia gritou: Leopardo! E lá estava o mais esquivo dos cinco grandes, o felino de maior distribuição geográfica do mundo.

E depois de tudo isso, a realidade bateu forte na cara. O jantar típico da empresa de safári foi mais pobre que marmita de bóia fria. A volta do parque foi um inferno por causa do motorista mau humorado da van, o africâner fóssil quase me fez perder o vôo, e cheguei em São Paulo com aquela chuva típica que faz o trânsito típico das piadas sobre a cidade.



Mas quer saber, valeu a pena cada segundo. Dizem que quando você sai da cidade do Cabo e ela está chorando nuvens, você vai voltar para lá. Isso aconteceu. E quando saí do Kruger, começava a primeira chuva da temporada, trazendo o ciclo de verde de volta para a savana.

I bless the rains down in Africa...

9.12.10

Bye, Cape!

Cape town é um dos lugares mais bonitos do mundo e eu não preciso ir para o mundo todo para afirmar isso. Minha certeza se deve ao fato de que há tanta coisa para se ver, provar, descobrir e experimentar em um raio de duas horas do centro da cidade que é impossível que isso se repita em muitos lugares do mundo.


Pôr do Sol no topo da montanha. Abaixo está a praia mais famosa do país, Camps bay, que não chega aos pés de qualquer praia regular de Floripa ou do Espírito santo.
Mas você deve considerar que eu sou biólogo, admiro manifestações culturais, adoro vinho e me meto em qualquer roubada que garanta alguma diversão bizarra fora dos padrões. E sou contra viagens onde comprar e fazer pose sejam mais importantes do que se jogar no barro para ver uma pedra esquisita.

Então foi com imensa dor que chegou minha última semana na cidade do Cabo. O curso? Ah, i´d love to enjoy it once more, someday. And I´ve made fantastic friends from all over the world. Rasgação de seda à parte, é importante lembrar que há basicamente dois tipos de cursos no estilo: escolas pequenas para intensivos sérios, e escolas imensas onde a sociabilização é o fator principal. Estas últimas são mais adequadas para quem tem muito tempo e se dispõe a ter coragem pra falar "não" o tempo todos para os pentelhos que falam a sua língua.

Assim, eu tinha pouco tempo e fui pela primeira opção. E descobriq eu se fosse na segunda provavelmente arrumaria inimigos de tantos "Não, eu não quero falar o maldito português aqui, seu pivete filho de papai cretino" que eu falaria.

Na última semana, teve de tudo: o Two Oceans aquarium (simples, de um bom gosto incrível e ambientalmente riquíssimo), a Montanha da Mesa (símbolo da cidade e que deve ser conhecido logo na primeira hora em que se está na cidade, teria me dado outra perspectiva de tudo), V&A Waterfront, almoço típico na escola, churrasco-balada surtado na casa da professora maluca, passeios pelo centro da cidade, compras e mais compras de souvenires.


Elas enfim apareceram no porto!

No final das contas, o aprendizado superou as expectativas e as amizades, que nem eram esperadas, foram um passo importantíssimo. Agora, o mais estranho foi o número de pessoas que conheci que queriam imigrar para lá, meio que iludidas com a organização da cidade e esquecendo de que isso não é sinônimo de crescimento econômico ou algo que o valha.

Uma cidade onde não se vê tanto lixo no chão impressiona, mas só cego não percebe que não se pode andar no centro às seis da tarde com segurança e a um quilômetro dele estão favelas onde moram uns 3/5 da cidade e onde as taxas de HIV positivo são absurdas e a miséria coloca o sertão nordestino no chinelo.

Impossível condensar tudo, mas prometo fazer um guia "África do Sul em 50 dicas" ou algo do tipo. Vão ser mais do que 50, é certo.

20.11.10

Jaws!

Já estou de volta ao Brasil há um mês, e desistira de postar coisas enquanto estava lá na África do Sul por conta da terrível conexão das lan-houses de lá.

Mas para terminar o show, claro que pelo menos mais duas postagens precisam ser feitas além dessa.



Bom, meus fins de semana eram extremamente importantes pois permitiam fazer as grandes coisas. Na semana, com aula o dia inteiro, não sobrava tempo para nada. No FDS entre 24 e 26 foi algo a mais, quando veio um feriado! E caiu em uma sexta feira, olha que maravilha. O feriado, Heritage day, é algo equivalente ao dia de ação de graças americano no espírito, mas de significado único: é o dia de celebrar as heranças culturais, naturais e espirituais da Terra deles, e é apelidado carinhosamente de "Braai day". Braai, no linguajar sul-africano, é churrasco!

E no Braai day, uma das professoras levou 4 diletos alunos para passear pelas vinícolas!

As vinícolas sul-africanas tem MUITO a ensinar para a pobre região dos vinhedos gaúchos. Todas são preparadas para receber turistas por um preço justo, com atendimento de primeira e elegância na medida certa.

E muitas destacam-se pela responsabilidade além da qualidade dos vinhos. A primeira que visitamos, Spiers (guardem esse nome, e tomem-no quando puderem) sustenta um projeto de reabilitação de aves de rapina e outro de recuperação de guepardos!

Dá pra imaginar que eu não liguei para os vinhos...

Toda a região vinícola de Stellenbosch deve sustentar metade do país com suas exportações de vinhos, seu turismo que atrai gente do mundo todo graças a eles e a suas paisagens fantásticas e seu comércio de alta classe consistente.

Mas isso não foi o principal do FDS. No dia seguinte, fui ver tubarões brancos em Gaansbai, a meca do grande branco.
Há uma imensa polêmica acerca dos mergulhos com tubarões brancos. Uma de minhas professoras insistia para que eu não fizesse o mergulho de forma alguma pois a atividade fazia com que os tubarões supostamente relacionassem a presença humana com comida (a isca de caldo de peixe deve atrair tubarões de todo o hemisfério para o barco) e isso estaria aumentando o número de ataques a humanos no litoral. Não são raros os casos de ataques ali.

Por outro lado, o mergulho faz com que cidades inteiras ganhem sustento, preservem seus mares e tornam o tubarão branco, um dos peixes predadores mais ameaçados do mundo, em algo mais valioso vivo do que morto. E eu fui!



E eu fiquei no cantinho da gaiola aí em cima...

Apareceram três tubarões no mergulho. A primeira, uma fêmea de uns 3,5 metros, fez com que quase um terço de quem estava no barco desistisse de entrar na gaiola. Apesar da água geladíssima (por volta de 11ºC) ficar ali na gaiola é mais seguro do que saltar de bungee jump, de paraquedas ou quase todos os esportes radicais que você já ouviu falar.

Mas quando você, ser terrestre incompetente para nadar afundado ao lado de um predador que está há uns 300 milhões de anos se tornando o melhor naquilo que faz, se toca da situação... meu caro, frio da água nem se compara com o da sua espinha.

Um segundo tubarão, de talvez dois metros, mal ficou por perto, saiu de perto antes de topar com a grande fêmea. E o terceiro, um nervosinho de uns 2,5 metros e que aparece na foto, deu a maior parte das boas fotos de todos no barco. Mordeu a gaiola para experimentar, nadou rente ao barco... enfim, deu show. A agilidade, imponência e graça dele faz com que imediatamente esqueçamos do monstro desajeitado e feio retratado por Spielberg no filme "Jaws" (que significa mandíbula, e não tubarão. Grande filme, mas nada mais distante da realidade que há no bicho).

Nem tudo é preocupação em um passeio destes. Ao fim, após um êxtase que superou a visualização das baleias em muito, voltamos para a base sem nada querendo sair do estômago e vimos o DVD que a companhia gravou conosco no barco (lógico que eu trouxe uma cópia). Um dia perfeito, antecedido de outro. E quase me fez esquecer que, a esta altura, eu já estava quase no fim do meu tempo na Cidade do Cabo.