Na quarta-feira, 25 de junho de 2008, findou-se uma era. Cerraram-se as portas do bar do Betão, herdeiro e continuidade do V2, o bar rock´n´roll esperança a todos os órfãos da zona norte.
Não, os motivos de fechar não são dramáticos e chorosos. O Betão resolveu deixar a noite de lado um pouco, pois família aumentou. Ainda vai existir diurnamente.
Durante 4 anos, o V2 e o bar do Betão ofereceram ao bairro uma quarta feira onde todos os seres da noite se encontravam. E se não há exatamente consolo em saber que outros 2 ou 3 lugares já se ofereceram para substituí-los, ao menos ficamos esperançosos de encontrar sempre a fauna dali.
São muitas as mudanças que passei nestes últimos 4 anos, e o fim das quartas de sarau, capitaneadas pelo Mou, apenas traz a confirmação de novos passos serem dados. E ainda mais, que tudo precisa de mudanças. Foram-se o Half, o Blues company, o Jazz Bass, o V2 e agora o Betão, mas o próximo na função de agregar a tribo róquenrol de Santana e adjacências está no forno.
E de todas as criaturas por ali encontradas e conhecidas, cada figura emergente ou já estabelecida, ganhei algo. E do clima de casa, mesmo sob meu silêncio num canto enquanto escrevia alguma coisa, ou nas mais animadas conversas com novos e velhos amigos, recém adquiridos ou reencontrados após anos, eu levo a hospitalidade e o bom humor.
Os nomes são muitos, próximos ou apenas conhecidos, amigos ou rostos que perfaziam o cenário e completavam a luz do lugar, e todos importantes.
E do Cri ao Chris, Da Tati e Mou a Batata e Sheila, Rita e Renata a Bruna vs Fabi, Marcos Valério e Theo a Nelsinho e Eduardo, Paloma, Guará, Thaís, Isaac, Wan, Suelen, toda a trupe do Soul Barbecue e cia (Leozinho, Diego e trocentos outros), foram milhares as piadas, tirações de sarro e assuntos sérios tratados. E não é saudade sentida, mas vontade de logo ter o que toma o espaço para novas mesas com cerveja em cima, bexigas cheias embaixo e idéias flutuando.
Até a próxima mesa, e sejam bem vindos ao admirável mundo novo.
Depositário de comentários, sede do caos, falta do que fazer e onde mostrar, outdoor ao inverso e convite ao velho e bom papo de bar. Tudo isso e mais um pouco de Vida e Cenas, e história a contar.
29.6.08
9.6.08
Raquel, Oriel, Miguel, Daniel, Gabriel, Rafael...

Minha vida é cheia de anjos. Aliás, se for para ir nesta direção, praticamente todo povo de origem católica entope de anjos os cartórios, quase com tanta lotação quanto coloca santos em certidões de nascimento.
Mas a minha especialmente é cheia deles. Não é sempre que encontro um, mas achar um anjo é um acontecimento. Achar o nome do seu anjo particular demanda um certo conhecimento de hebreu, mas acontece. Mas identificar os anjos do dia a dia é deveras mais difícil.
Recentemente li uma sobre quantas pessoas o executivo precisa presentear no natal. O fulano vive de bajular a secretária do chefe, o manobrista, a tia do café, e por aí vai, pois são eles que realmente tocam a carreira dele para a frente, indiretamente. É mais ou menos esta a ação do anjo. Mas quando anjos tocam nossa vida para o novo patamar, usam de mais modos de agir que simplesmente achar o cara simpático e dar a chance a ele de ter sua reunião com o chefe.
Todas as culturas crêem em espíritos guardiões. A maioria delas crê, xamãnicamente, em espírito animais, os totens, que facilitam nossa existência. Os orientais possuem o conceito do "Eu-maior", como se (simplificando o conceito) nossa proteção e aconselhamento divino viessem de nós mesmos no futuro evolutivo do espírito. Hermes tem asas nos pés, e é o mensageiro dos Deuses, embora seja um Deus por si só. Anjos ganham a missão de mensageiros também, e as asas nos espíritos protetores das grandes religiões monoteístas não são apenas apra designar sua proximidade com o céu.
Velocidade é útil a um anjo. Ter asas é uma coisa animalesca, mas invejável. O anjo católico é um pouco totem, também.
Cupido é a imagem pagã romana transferida para os anjos. Cupido é o Amor de sua mãe, Afrodite, em termos práticos. E o amor de uma entidade superior para cuidar de um simples mortal só poderia ganhar a cara de Cupido.
Mas anjos são durões também. Na bíblia, trucidam milhares. Animais totens são feras quando alguém tenta intervir no espírito errante do xamã. As valquírias são guerreiras, e ai daquele que tentar desonrar um guerreiro vencido. E as Fingja-hamingja celtas protegem cada membro de linhagens familiares ou de grupos de afinidades diversas.
O pensamento de um ente além-mundo protetor é confortante, mas psicologicamente é apenas um equivalente de crença à sensação infantil de ter a mãe sempre a um grito de distância.
Porém, posso contar uma coisa.
Naqueles momentos de dúvida, onde pensamos onde amarramos nosso jegue, como se usa o botão de "reset" do coração, por que algumas coisas são como são, e por aí vai, a gente saca daquela oração de criança na beira da cama e pede para o "anjo da guarda" uma sugestão.
E de vez em quando, a sugestão é trazer um anjo na nossa vida.
15.5.08
Melissa

Melissa officinalis é o nome de uma erva medicinal comum, popularmente chamada de erva-cidreira, ou de melissa mesmo.
"Diz a lenda que a melissa recebeu este nome em homenagem à ninfa grega Melona (em grego "Mellona"), protetora das abelhas. E a relação da planta com as abelhas é realmente muito interessante: na primavera, quando nascem várias rainhas numa mesma colméia, o enxame se divide em vários menores e cada um sai em busca de uma nova colméia. Como a melissa tem o poder de atrair as abelhas, povos antigos colocavam suas folhas frescas trituradas em colméias vazias para atrair os enxames que estavam migrando" (extraído do site jardimdasflores.com.br).
Lá em algum lugar do passado distante, antes da era dos antibióticos ou hoje, quando eles são caros demais para a maioria e desnecessários para os comuns dos casos médicos caseiros, a melissa e dezenas, centenas de suas amigas medicinais abasteciam as boticas, jardins, hortas e memórias de nossas avós e avôs. Há plantas para tudo: de pedra no rim a vírus desconhecidos, de frieira a bicho de pé. E há as receitas com carvão, mel, gordura animal, pós e muitas outras substâncias que fazem os farmacêuticos comuns se arrepiarem e os pesquisadores sorrirem pela chance de um novo princípio ativo.
Claro, a medicina popular precisa ser salva, recuperada, disseminada e voltar a ocupar o lugar merecido pelos séculos de experiências dos nossos antepassados, mas aí encostamos em uma barreira de superstição, preconceito e falta de avôs pacientes o bastante para dizer aos cientistas como se faz o chá para curar dor no joelho e asma.
E não tem cabimento voltar a prescrever testículos de boto cozidos para impotência, mesmo na remota possibilidade de que funcionasse. Existe viagra, que não mata nenhum cetáceo para ser produzido. E podemos usar o antibiótico da vez sem abrir mão do chá de alho com limão e guaco, e vice-versa.
Diz a crônica (mitologia?) científica que uma planta usada por índios do Pará por milênios para curar diversas viroses inespecíficas começou a ser estudada por, para variar, um grupo de cientistas estrangeiros. Potencialmente, era o maior anti-viral conhecido. Quando o grupo foi colher a planta para dar continuidade aos estudos e começar os protocolos de descoberta do princípio ativo, uma queimada destruiu o único lugar onde esta planta era encontrada. Hoje, milhares de hectares de floresta estão nas mãos de interessados em recursos medicinais de nossas matas.
E pedimos as bênçãos de Mellona para um dia a tal da planta ser reencontrada. E assim possamos dar alento a pacientes de dengue, HIV, ebola e tantas outras...
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22.4.08
Marcos
Na primeira medição de um terreno para delimitar um território, nasceram três coisas:
1º- A ferocidade territorial humana ganhou contornos visíveis e qualquer idiota portando um tacape grande o bastante podia se dizer dono de um pedaço de terra, fonte de toda disputa territorial, fundiária e por moradia desde então, mas este ponto crucial da cretinice da espécie merece outro tipo de discussão;
2º - A geometria e...
3º - A necessidade de colocar pontos precisos de delimitação de área, onde se identificasse as curvas, linhas, pontos importantes e o centro de cada terreno. A isto se deu o nome de marco, e as marcações passaram a ser integrantes de nossa visão de mundo.
Talvez por causa disso, hoje temos o hábito de pôr referências internas para nossa vida. Estabelecemos marcos que nos dividem em antes e depois deles, separam fases de nossa psicologia, ou são literalmente os momentos onde nossa vida vai de cabeça para baixo. Suponho que quando o José Hamilton Ribeiro perdeu a perna no Vietnã (não sabe quem é o maior repórter de guerra do país? Buscador nele!) ele não teve muitas dúvidas sobre aquele ser um marco em sua vida. Dos mais negativos, é verdade, mas foi.
Mas em geral nossos marcos são mais sutis. O dia do aniversário que nunca fora comemorado e de repente enche a casa de presentes, bolo e gente; aquele "não" ante a certeza; o chocolate que nos salva no momento de maior vontade de matar o cretino do trabalho; aquele palavrão bem colocado que nos faz livres da repressão familiar... Todo mundo pode identificar coisas aparentemente fúteis, estabelecedoras de uma nova fase na existência.
Os bons mesmo são aqueles não tão comuns. Onde torcemos nossa personalidade (dita imutável) graças a uma revelação surgida em nosso intelecto, e não forçada pelas circunstâncias.
Estas revelações capazes de alterar toda a dinâmica de nosso ser, nascidas de observação, lógica, inspiração espiritual, harmonia com nossos corações... tudo isto junto ou nada disso, são as que nos definem como mutantes verdadeitos, não nos obrigam a ser sempre iguais e fazem nossa alegria quando encontramos quem não vemos a muito tempo e dizem "você parece igual, mas tem algo dentro de você tão diferente..."
Isso é show de bola.
Posso identificar em mim mesmo alguns destes momentos sem sofrer. Outros terão que ser puxados dos fundos da memória. Os negativos, os traumas, em geral são ocultos por nossas mentes. Lutamos contra suas consequências com os momentos de mudança positivos. Um livro pode valer mais que anos de terapia, uma terapia bem conduzida pode ser melhor que uma viagem de peyote xamãnica, um porre de vinho pode ser melhor que todos os livros do mundo. E todos podem nos mudar se surgem no momento certo, quando mantemos nossa mente aberta a ser radicalmente mudada...
Posso identificar pelo menos um exercício de teatro que me fez dar um salto para fora da adolescência. Uma bronca de diretor que me fez ver o palco como outro mundo. Um fora que me fez retrair-me em conchas cada vez mais grossas. Uma lágrima escutando uma música me mostrou o que é arte. Um porre de vinho que me fez começar a sair de conchas. Um susto no trânsito que me fez tornou atento às armadilhas de meu corpo em conflito com minha mente. Um livro ano passado me deu a chave de minha luta contra a barbárie. Outro, muitos anos atrás, me colocou em contato com os Deuses em cada pedaço do universo e da imaginação. E talvez as últimas 24 horas tenham sido outro marco. Só o tempo dirá.
O mais estranho foi encontrar o Marcos quando este texto já embrionava na minha cabeça. Se os momentos de mudança não são extraídos por nós daquilo que nos cerca, ou de nossas mentes e imaginação, eles se apresentam sozinhos, mas daí, não são necessariamente como gostaríamos que fossem.
1º- A ferocidade territorial humana ganhou contornos visíveis e qualquer idiota portando um tacape grande o bastante podia se dizer dono de um pedaço de terra, fonte de toda disputa territorial, fundiária e por moradia desde então, mas este ponto crucial da cretinice da espécie merece outro tipo de discussão;
2º - A geometria e...
3º - A necessidade de colocar pontos precisos de delimitação de área, onde se identificasse as curvas, linhas, pontos importantes e o centro de cada terreno. A isto se deu o nome de marco, e as marcações passaram a ser integrantes de nossa visão de mundo.
Talvez por causa disso, hoje temos o hábito de pôr referências internas para nossa vida. Estabelecemos marcos que nos dividem em antes e depois deles, separam fases de nossa psicologia, ou são literalmente os momentos onde nossa vida vai de cabeça para baixo. Suponho que quando o José Hamilton Ribeiro perdeu a perna no Vietnã (não sabe quem é o maior repórter de guerra do país? Buscador nele!) ele não teve muitas dúvidas sobre aquele ser um marco em sua vida. Dos mais negativos, é verdade, mas foi.
Mas em geral nossos marcos são mais sutis. O dia do aniversário que nunca fora comemorado e de repente enche a casa de presentes, bolo e gente; aquele "não" ante a certeza; o chocolate que nos salva no momento de maior vontade de matar o cretino do trabalho; aquele palavrão bem colocado que nos faz livres da repressão familiar... Todo mundo pode identificar coisas aparentemente fúteis, estabelecedoras de uma nova fase na existência.
Os bons mesmo são aqueles não tão comuns. Onde torcemos nossa personalidade (dita imutável) graças a uma revelação surgida em nosso intelecto, e não forçada pelas circunstâncias.
Estas revelações capazes de alterar toda a dinâmica de nosso ser, nascidas de observação, lógica, inspiração espiritual, harmonia com nossos corações... tudo isto junto ou nada disso, são as que nos definem como mutantes verdadeitos, não nos obrigam a ser sempre iguais e fazem nossa alegria quando encontramos quem não vemos a muito tempo e dizem "você parece igual, mas tem algo dentro de você tão diferente..."
Isso é show de bola.
Posso identificar em mim mesmo alguns destes momentos sem sofrer. Outros terão que ser puxados dos fundos da memória. Os negativos, os traumas, em geral são ocultos por nossas mentes. Lutamos contra suas consequências com os momentos de mudança positivos. Um livro pode valer mais que anos de terapia, uma terapia bem conduzida pode ser melhor que uma viagem de peyote xamãnica, um porre de vinho pode ser melhor que todos os livros do mundo. E todos podem nos mudar se surgem no momento certo, quando mantemos nossa mente aberta a ser radicalmente mudada...
Posso identificar pelo menos um exercício de teatro que me fez dar um salto para fora da adolescência. Uma bronca de diretor que me fez ver o palco como outro mundo. Um fora que me fez retrair-me em conchas cada vez mais grossas. Uma lágrima escutando uma música me mostrou o que é arte. Um porre de vinho que me fez começar a sair de conchas. Um susto no trânsito que me fez tornou atento às armadilhas de meu corpo em conflito com minha mente. Um livro ano passado me deu a chave de minha luta contra a barbárie. Outro, muitos anos atrás, me colocou em contato com os Deuses em cada pedaço do universo e da imaginação. E talvez as últimas 24 horas tenham sido outro marco. Só o tempo dirá.
O mais estranho foi encontrar o Marcos quando este texto já embrionava na minha cabeça. Se os momentos de mudança não são extraídos por nós daquilo que nos cerca, ou de nossas mentes e imaginação, eles se apresentam sozinhos, mas daí, não são necessariamente como gostaríamos que fossem.
7.4.08
Priscila
Os gregos antigos acreditavam que vivemos na era de ferro. Hesíodo relata as diversas eras da humanidade citando os eventos que vão dando forma ao mundo da mitologia e enfim chega até a era dos homens mortais, esta, onde a presença dos deuses já não é sentida diretamente e o trabalho e a justiça são os valores capazes de elevar os donos deste tempo, os humanos, para a morada dos Deuses.
A era de ferro tem como marco inicial a guerra de Tróia. É o ponto culminante da vida do último dos semi-deuses, Aquiles. Os semi-deuses, filhos dos Deuses do Olimpo, são os donos da era anterior. Seus feitos são mais próximos aos do homem, e sevem para dar exemplo e molde ao caráter deste. Na guerra de Tróia, Aquiles é morto quando um homem comum atinge seu ponto fraco, o calcanhar, com uma flechada.
E a guerra somente é vencida por um estratagema humano: Ulisses tem a idéia de construir um cavalo de madeira e entregar aos troianos, para assim, através da inteligência (alguns diriam da trapaça), conseguirem vencer uma guerra capaz de destruir um semi-deus. É a vitória da perspicácia humana, e destaca a inteligência como ponto forte do homem.
Mas não é aí que se encerra a era de maravilhas. Ulisses precisa voltar para casa, e aí começa a Odisséia, narrando a jornada dele até seu lar.
Ulisses enfrenta, sempre munido apenas de sua malandragem, sereias, o último dos titãs (o cíclope Polifemo), a feiticeira Circe e dois monstros marinhos abomináveis: Charibdis e Scilla.
O primeiro era um ser divino, filho de Pontos e Géia, e controlava as marés. Costumava jogar barcos atrevidos contra um enorme penhasco.
Já Scilla, a última criatura da jornada de Ulisses, era uma humana, transformada em ser maligno por Circe, quando esta se apaixonou por um tritão enamorado por Scilla.
Scilla destrói cada ser humano que passa perto de si. A habilidade para pilotar barcos e comandar faz de Ulisses o único que escapa de sua fúria, e logo que consegue sair de seus tentáculos monstruosos, consegue voltar para sua terra e exigir seu trono ao lado de sua amada. É o fim da era dos semi-deuses definitivamente, e desde então os gregos contam a história de homens e reis, não mais de deuses e monstros.
Os gregos entendem, portanto, seu tempo em Pós-scilla e pré-scilla. Prescilla, Priscila. Aquilo que vem da antiguidade, de antes do tempo dos mortais. Mas falta Priscila em nossos tempos. Os homens, na ânsia por mudar, por conseguir seus próprios feitos, esqueceram das lições deixadas pelos deuses e semi-deuses nos tempos anteriores a Scilla.
E acabamos nos deixando levar pelas pequenezas da alma humana. Desprovida de centelha divina, a maioria cai na facilidade dos instintos ao invés de lutar pelo seu próprio brilho interior, pelo herói dentro de si. Não entende o sacrifício dos seres míticos que deram tudo de si por nós, para trazer a sabedoria e a civilização e dar de presente àquela raça nascente.
Mas prefiro ser alguém que tem dentro de si um tanto daqueles tempos pré-scilla e luta contra os monstros de meu tempo a admirar-me com o humano rasteiro espalhado por aí.
A era de ferro tem como marco inicial a guerra de Tróia. É o ponto culminante da vida do último dos semi-deuses, Aquiles. Os semi-deuses, filhos dos Deuses do Olimpo, são os donos da era anterior. Seus feitos são mais próximos aos do homem, e sevem para dar exemplo e molde ao caráter deste. Na guerra de Tróia, Aquiles é morto quando um homem comum atinge seu ponto fraco, o calcanhar, com uma flechada.
E a guerra somente é vencida por um estratagema humano: Ulisses tem a idéia de construir um cavalo de madeira e entregar aos troianos, para assim, através da inteligência (alguns diriam da trapaça), conseguirem vencer uma guerra capaz de destruir um semi-deus. É a vitória da perspicácia humana, e destaca a inteligência como ponto forte do homem.
Mas não é aí que se encerra a era de maravilhas. Ulisses precisa voltar para casa, e aí começa a Odisséia, narrando a jornada dele até seu lar.
Ulisses enfrenta, sempre munido apenas de sua malandragem, sereias, o último dos titãs (o cíclope Polifemo), a feiticeira Circe e dois monstros marinhos abomináveis: Charibdis e Scilla.
O primeiro era um ser divino, filho de Pontos e Géia, e controlava as marés. Costumava jogar barcos atrevidos contra um enorme penhasco.
Já Scilla, a última criatura da jornada de Ulisses, era uma humana, transformada em ser maligno por Circe, quando esta se apaixonou por um tritão enamorado por Scilla.
Scilla destrói cada ser humano que passa perto de si. A habilidade para pilotar barcos e comandar faz de Ulisses o único que escapa de sua fúria, e logo que consegue sair de seus tentáculos monstruosos, consegue voltar para sua terra e exigir seu trono ao lado de sua amada. É o fim da era dos semi-deuses definitivamente, e desde então os gregos contam a história de homens e reis, não mais de deuses e monstros.
Os gregos entendem, portanto, seu tempo em Pós-scilla e pré-scilla. Prescilla, Priscila. Aquilo que vem da antiguidade, de antes do tempo dos mortais. Mas falta Priscila em nossos tempos. Os homens, na ânsia por mudar, por conseguir seus próprios feitos, esqueceram das lições deixadas pelos deuses e semi-deuses nos tempos anteriores a Scilla.
E acabamos nos deixando levar pelas pequenezas da alma humana. Desprovida de centelha divina, a maioria cai na facilidade dos instintos ao invés de lutar pelo seu próprio brilho interior, pelo herói dentro de si. Não entende o sacrifício dos seres míticos que deram tudo de si por nós, para trazer a sabedoria e a civilização e dar de presente àquela raça nascente.
Mas prefiro ser alguém que tem dentro de si um tanto daqueles tempos pré-scilla e luta contra os monstros de meu tempo a admirar-me com o humano rasteiro espalhado por aí.
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19.3.08
Maria, José
A páscoa acontecerá em alguns dias. A nossa sociedade, acostumada com o estranho paralelo de feriados-para-escapar-da-cidade-grande ditados pelos dois pontos cruciais do líder religioso da maioria, isto é, o nascimento e a morte; parece estranho e (o que é pior) normal entender o andamento do mundo desta forma. Pois o cristão vive na corda bamba entre nascimento e morte, entre divino e espiritual. Entre Maria e José.
Seguindo a tradição dos heróis solares, Jesus nasce de uma virgem, diretamente da divindade, e é chamado Issa entre alguns estudiosos, e ele também é estudioso, mas dos ensinamentos dos orientais, segundo outros. Teria passado alguns anos (os anos desaparecido) na Índia ou Tibete, aprendendo. Há quem diga que os essênios foram seus mestres.
Mas tudo isso é irrelevante: a igreja diz que suas capacidades são fruto de sua origem divina. a cura, a sabedoria, não poderiam vir de fontes humanas. Não podem vir de reflexão, esforço, estudo disciplinado e anos de treino. Em suma, quanto mais Jesus for divino, menos podemos sonhar em ser como ele.
O pai, também chamado de "O corno manso mais famoso do mundo " José, era um carpinteiro. Não, ele não era miserável, pois artesãos eram valorizados na época. Algumas correntes dizem que José era razoavelmente mais velho que Maria, e teria assumido um filho que não era seu por conveniências de época. Maria, por sua vez, já ganhou a fama de ter dormido com um soldado romano e tido um filho do invasor. De qualquer modo, Jesus teve irmãos, aliás bem definidos nos evangelhos.
Daí, com todos estes pontos polêmicos, qual o problema em achar o rebelde mais famoso de todos os tempos um reles mortal? Isso diminui o papel dele em propagar uma filosofia de não-violência e tolerância? Ou dá a ele a responsabilidade pela destruição de todo o conhecimento da antiguidade nas mãos dos fanáticos religiosos da idade média?
Entre as faces de mãe virgem e pai trabalhador, encontramos um cara razoavelmente humano, mas esta humanidade foi sistematicamente eliminada para afastar-nos de seu aspecto revolucionário. Não é demais lembrar que os romanos eram o povo a ser seduzido, portanto reforçar o aspecto rebelde de Jesus contra o invasor não era útil aos primeiros evangelizadores. Antes tê-lo como um fazedor de ovelhas (e não pastor, mas criador de passivos na população) ao invés de um leão de Judá.
A vingança veio logo. O cristianismo foi um dos responsáveis pela queda do império romano.
Mas agora, quando procurar por um bom bife na mesa nesta sexta e não vir, (por que cristão não considera peixe um bicho?) faça um bom brinde com vinho ao aspecto humano da divindade. Seja ele qual for. Afinal, os Deuses agradecerão por mantermos em vista nossas próprias divindades internas, e regozijam-se quando lembramos do humano dentro deles.
E, se um dia o Deus dos católicos, evangélicos, judeus e islâmicos admitir sua humanidade intrínseca, talvez tenhamos um pouco menos de briga entre seus fiéis. Afinal, ser deus é uma profissão muito humana.
Seguindo a tradição dos heróis solares, Jesus nasce de uma virgem, diretamente da divindade, e é chamado Issa entre alguns estudiosos, e ele também é estudioso, mas dos ensinamentos dos orientais, segundo outros. Teria passado alguns anos (os anos desaparecido) na Índia ou Tibete, aprendendo. Há quem diga que os essênios foram seus mestres.
Mas tudo isso é irrelevante: a igreja diz que suas capacidades são fruto de sua origem divina. a cura, a sabedoria, não poderiam vir de fontes humanas. Não podem vir de reflexão, esforço, estudo disciplinado e anos de treino. Em suma, quanto mais Jesus for divino, menos podemos sonhar em ser como ele.
O pai, também chamado de "O corno manso mais famoso do mundo " José, era um carpinteiro. Não, ele não era miserável, pois artesãos eram valorizados na época. Algumas correntes dizem que José era razoavelmente mais velho que Maria, e teria assumido um filho que não era seu por conveniências de época. Maria, por sua vez, já ganhou a fama de ter dormido com um soldado romano e tido um filho do invasor. De qualquer modo, Jesus teve irmãos, aliás bem definidos nos evangelhos.
Daí, com todos estes pontos polêmicos, qual o problema em achar o rebelde mais famoso de todos os tempos um reles mortal? Isso diminui o papel dele em propagar uma filosofia de não-violência e tolerância? Ou dá a ele a responsabilidade pela destruição de todo o conhecimento da antiguidade nas mãos dos fanáticos religiosos da idade média?
Entre as faces de mãe virgem e pai trabalhador, encontramos um cara razoavelmente humano, mas esta humanidade foi sistematicamente eliminada para afastar-nos de seu aspecto revolucionário. Não é demais lembrar que os romanos eram o povo a ser seduzido, portanto reforçar o aspecto rebelde de Jesus contra o invasor não era útil aos primeiros evangelizadores. Antes tê-lo como um fazedor de ovelhas (e não pastor, mas criador de passivos na população) ao invés de um leão de Judá.
A vingança veio logo. O cristianismo foi um dos responsáveis pela queda do império romano.
Mas agora, quando procurar por um bom bife na mesa nesta sexta e não vir, (por que cristão não considera peixe um bicho?) faça um bom brinde com vinho ao aspecto humano da divindade. Seja ele qual for. Afinal, os Deuses agradecerão por mantermos em vista nossas próprias divindades internas, e regozijam-se quando lembramos do humano dentro deles.
E, se um dia o Deus dos católicos, evangélicos, judeus e islâmicos admitir sua humanidade intrínseca, talvez tenhamos um pouco menos de briga entre seus fiéis. Afinal, ser deus é uma profissão muito humana.
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17.3.08
Adriano
Situada em algum ponto na hoje sem sentido fronteira entre as terras dos pictos e os domínios romanos na ilha da Bretanha, a muralha de Adriano, construída a mando do imperador de mesmo nome para dificultar as invasões vindas do norte da ilha ao império, serviu por muito tempo para delimitar as terras dos povos civilizados e cristãos daquelas dominadas pelos temidos pagãos do norte.
Neste dia de San Patrick, é bom lembrar da divisa imposta pelos romanos. Eram povos invasores? Sim. Saxões, pictos, jutos, todos desejosos de uma fatia das férteis terras do sul. Porém, mais invasores eram os romanos. San Patrick que vá encher a cara num Pub, e pare de nos encher o saco. Nessie agradece.
Nas tentativas de expulsar os povos pagãos, surgiram muitos heróis. Mas destes, nenhum foi um Arthur. Salvo, o próprio.
Se tornou moda recentemente lembrar da provável base romana do mito arturiano. Não é mais provável que a origem escocesa de Merlin, ou francesa de Lancelot du Lac, mas vamos lá. Arthur é entendido historicamente como um grande chefe de guerra nas constantes lutas empreendidas pelos povos do sul da Bretanha contra os invasores do norte, animados com a saída dos romanos ocorrida por volta do século IV.
Eu nem saberia começar um texto que abarcasse todas as facetas das lendas do Rei Arthur e seus cavaleiros da Távola Redonda. Vou me ater à muralha. Afinal, ela ainda está lá. Os Highlanders (escoceses) ainda a vêem como uma prova do medo que os galeses, ingleses e romanos tinham deles. E de mais uma penca de povos. Quando Arthur conseguiu, por um breve sopro de tempo, manter os invasores atrás da muralha, ele apenas adiou por algumas décadas a mistura que deu origem ao povo bretão. Romanos, celtas, irlandeses, normandos, saxões e por aí vai formaram um dos povos europeus mais miscigenados em sua origem de que temos notícias.
E capaz de nos dar os Beatles.
Quando um imperador romano achou melhor começar a moda, retomada nas últimas décadas por países tão diferentes quanto a Alemanha do pós-guerra e Israel, de dividir para manter longe, não imaginava que um dos guerreiros mais capazes a defender suas esperanças se tornaria muito maior que ele mesmo, nem que o fracasso de seu plano daria origem à cultura de raízes mais longas do século XIX em diante.
Portanto, é sempre bom lembrar: nossa vontade de se isolar pode ser imprevisível. No final das contas, pode nos fazer mais conhecidos do que antes.
Neste dia de San Patrick, é bom lembrar da divisa imposta pelos romanos. Eram povos invasores? Sim. Saxões, pictos, jutos, todos desejosos de uma fatia das férteis terras do sul. Porém, mais invasores eram os romanos. San Patrick que vá encher a cara num Pub, e pare de nos encher o saco. Nessie agradece.
Nas tentativas de expulsar os povos pagãos, surgiram muitos heróis. Mas destes, nenhum foi um Arthur. Salvo, o próprio.
Se tornou moda recentemente lembrar da provável base romana do mito arturiano. Não é mais provável que a origem escocesa de Merlin, ou francesa de Lancelot du Lac, mas vamos lá. Arthur é entendido historicamente como um grande chefe de guerra nas constantes lutas empreendidas pelos povos do sul da Bretanha contra os invasores do norte, animados com a saída dos romanos ocorrida por volta do século IV.
Eu nem saberia começar um texto que abarcasse todas as facetas das lendas do Rei Arthur e seus cavaleiros da Távola Redonda. Vou me ater à muralha. Afinal, ela ainda está lá. Os Highlanders (escoceses) ainda a vêem como uma prova do medo que os galeses, ingleses e romanos tinham deles. E de mais uma penca de povos. Quando Arthur conseguiu, por um breve sopro de tempo, manter os invasores atrás da muralha, ele apenas adiou por algumas décadas a mistura que deu origem ao povo bretão. Romanos, celtas, irlandeses, normandos, saxões e por aí vai formaram um dos povos europeus mais miscigenados em sua origem de que temos notícias.
E capaz de nos dar os Beatles.
Quando um imperador romano achou melhor começar a moda, retomada nas últimas décadas por países tão diferentes quanto a Alemanha do pós-guerra e Israel, de dividir para manter longe, não imaginava que um dos guerreiros mais capazes a defender suas esperanças se tornaria muito maior que ele mesmo, nem que o fracasso de seu plano daria origem à cultura de raízes mais longas do século XIX em diante.
Portanto, é sempre bom lembrar: nossa vontade de se isolar pode ser imprevisível. No final das contas, pode nos fazer mais conhecidos do que antes.
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