19.8.07

Totem

A vida é minha crença.
Nela, não há espaço para cordeiros. Na vida, o belo da existência é a beleza da superação. Não há espaço para aquilo necessitado de um pastor a nos alimentar, guiar e a quem vez ou outra é concedido o direito de matar uma de suas rés em sacrifício para se alimentar.

Todos os povos ligados à vida em sua pureza e essência escolheram o totem de sua imponência, de sua força, de sua nobreza e coragem. A lebre, o corvo, o leão, a harpia... O elefante, o touro, a serpente... a onça, o boto, o cervo. Não há espaço para tolos teleguiados na vida. Não há lugar para quem não nada contra a corrente.

O tamanduá quando rompe o cupinzeiro crava suas garras no mamilo de Gaia e lá bebe o sumo da vida na forma de milhares de insetos. O cadáver destruído por vermes e carniceiros é resgatado ao pó de sua origem e volta ao ciclo de nutrição e retribui pela carne que teve. O grito de nascimento da baleia e o assobio de sua primeira respiração são os cânticos de agradecimento ao seu direito de enfrentar a vida e superar suas imperfeições, pondo-as à prova contra o substrato do existir.

Meus avatares não são os profetas da servidão. Jesus era de escorpião. Maomé deu suas lições a Che Guevara. Buda renasceu para lutar sem um tapa sequer como Gandhi, e venceu. É mais nobre o Para-atleta que o perfeito milionário do futebol italiano. Ali é a manifestação do Olimpo em sua plenitude, onde nasce um fulgor de luz, uma dádiva dos deuses e ergue-se a vida benigna. E onde as trevas gritam e sacodem a alegria de terem feito seu serviço de fazer erguer-se o herói.

A águia assume seu lugar ante o sol e abre suas asas sobre o continente, sobre o oceano, sobre o mundo. Ela abate os cordeiros, submissos a seu pastor. E ainda assim os pastoreados a invejam. Pois seus chifres de cordeiro são aparados. Pois ao que aceita seu papel de ovelha não é dado o direito de bramir e tomar seu lugar na montanha, nos picos mais altos de seus ancestrais selvagens e pagãos.

23.7.07

Para raros.

Era pra esse texto ter ido ao ar semana passada, mas ele merece uma atualização depois de tudo acontecido em 3 fins de semana (e neste em especial).

1 – É possível ter uma conversa fantástica com pessoas que você nunca viu na vida, atravessando a noite entre o filosofar e o rir (muito). Mesmo na mais estranha das festas, com o pior dos vinhos, na curva do rio mais cheia de perdidos. E notar que assumida nossa amplitude de faces, fica mais fácil ser você mesmo e ser diferente para cada um de seus companheiros de mesa.

2 – É possível começar uma conversa com as pessoas mais próximas, sobre os assuntos mais relevantes, e simplesmente se saturar disso. Ver suas preocupações e assuntos serem transformados em escada para falar de problemas e aflições superficiais dos outros, e absolutamente ser imperceptível a seu interlocutor notar que naquele dia específico você não é capaz de ser conselheiro, piadista ou penico de nada. Que você não quer ser a si mesmo naquele momento. Que não vai dar apenas o de sempre.

Dito isso, voltemos.

Há feras dentro de nós. Lobos e macacos. Disputam o cerne de cada humano desde o dia em que a humanidade nasceu. Divididos evolucionariamente entre sermos primatas coletores fortemente hierarquizados e caçadores ativos e coletivamente orientados, escapamos da trilha da seleção antes de termos uma resposta fácil sobre quem somos.

Nossos instintos de animal social são díspares. Abarcam modos de socializar em extremos muito afastados entre o lobo e o macaco. E vez por outra, temos a consciência de que há uma coisa em comum entre ambos:
Lobos e macacos possuem seus renegados.

Neste lobisomem que somos todos, agregando caracteres de carnívoro e de primata, experimentamos uma solidão interna dos perdidos, e descobrimos valores que definem os lobos que desejamos ao nosso lado e os macacos que queremos para fazer a catação mútua de piolhos. Às vezes, são ambos num mesmo indivíduo. Às vezes, e não há diferença de importância, quem temos ao nosso lado é só uma dessas coisas. E é igualmente desejado.

O que não suportamos é o lobo que não participa da caçada e espera pelos nacos de carne do grupo, o macaco que só pede para tirarmos seus incômodos e não tira de ninguém. Mas nossa cultura de ovelhas os acata. Você conhece o tipo. Ele está do seu lado quando você dorme, debaixo do seu travesseiro, e se você bobear, ele saltará para dentro de sua mente e o dominará. E sequer será percebido, pois sua vida é tão leve que te faz flutuar sobre os outros.

Ele espera do lado de cada um.

E aqueles de nós interessados em não ser submisso ao reles sobreviver vêem claramente este fenômeno. Vêem em si e vêem em outrem. Mesmo nos mais amados, nos que desejamos mais próximos, aparece e fere o jeito de ser dos espelhos, que só recebem as nossas cores e imagens, mas não oferecem seu calor. Os renegados vêem claramente os unilaterais pois, opostos a estes, sobrevivem sem estarem imersos no conjunto do grupo.

Eu soube que não estou livre de ser unilateral. Mas assim libertei-me e encontrei o alvo da crítica. Encontrei o incômodo causado pelo outro quando o vi em mim.

Cansei-me da unilateralidade. Não perderei os que me são caros, mas serei igualmente espelho: darei o reflexo do que me é ofertado, até prova em contrário. Valorizar o novo, que me vê hoje, sem os vícios de saber de um só de mim, em um só aspecto cômodo e imutável.
E, (feridos não tem ajuda) os apegados a um “eu” só inexistente na cabeça delas deixarei à sua própria sorte. E sei que me doerá.

A vida é mais que instinto. Acima do lobo, acima do homem das cavernas, acima do alienado da civilização, nossas asas se abrem e nos permitem ver onde podemos pousar e de onde devemos voar para longe. Acima do macaco e da contradição, temos arte.

7.7.07

Mil coisas

Se as coisas andam meio usuais no cotidiano, não posso falar o mesmo do cérebro. Tente acompanhar uma mudança radical no modo de manejo da tchurma, implantando várias mudanças simultâneas e que não servem de assunto numa roda de amigos; leia "O macaco nu" e tenha mil idéias de postagens para um blog ao mesmo tempo em que começa "O lobo da estepe" do Hesse; não consiga encontrar com as pessoas com que você quer falar por rolos de vida comuns e se perca com isso; se veja fazendo besteiras de vez em quando; pense outras e fique tentando contê-las dentro da boca bem na hora em que muitas outras coisas querem sair; fique espiritualmente ante as opções de caminhos diversos; seja tentado por voltar ao simples teatral mas só se sacrificar seu já escasso tempo; tenha rolos de dinheiro brasileiros básicos; tenha dez ou vinte possibilidades de estudos diferentes, uma possibilidade de ser convidado a virar a mesa da rotina...

Isso dá nó na cabeça de qualquer um. Qual eu posto primeiro?

7.6.07

FUTHARK

Frey, dos Vanires, lançou a sorte ao mundo e nos impulsiona a deixar a passividade qual um feroz auroque ao avançar pelas charnecas com sua força primitiva, pura e oportunista. E Thor, dos Aesires, foi daqueles que, ante as novidades, superou com sua força as mazelas da vida, qual seu pai, Odin, através da sabedoria e das palavras. A mensagem da existência viajou sobre rodas, decidida, capaz de, como o fogo, destruir, purificar ou recriar, qual dádiva, presente ou dom, com o qual devemos compromisso e sem o qual não haverá alegria naquilo que caminha ou nas lembranças.

Mas assim como o ar traz as consequências voando para o hoje, devemos lidar com as necessidades da vida com cautela, friamente, como o gelo, que tantas vezes é nosso obstáculo. Mas a Terra é generosa e seus ciclos se repetem, inexoravelmente, trazendo em seu bojo a morte e a renovação, o nascimento e a colheita, a lenha e as feras. Assim, temos nossas histórias para contar em frente à lareira, lições e lendas, mitos e conselhos, onde a verdade é revelada. Nos expomos qual caniços, sabedores de que como eles, temos nossos espinhos e sabemos nos proteger, e cuidamoso para não chegar a extremos. Assim, o Sol brilha sobre nós, traz a saúde e testa nossos limites.

Nossa coragem é a de Tyr, o guerreiro, e nossa persistência nos leva em frente desde o nascimento, e nos renovamos sempre, através do impulso, e sob as benções das deusas. Qual cavalos, somos inconstantes, inquietos, mas controlados e sabedores de quem somos. E qual homens, saímos de nosso conforto e iniciamos nossa jornada atrás de nossos potenciais, além da água, que é a transcendência, que traz nossas emoções, nos permite o descontrole e nos leva sem esforço em suas marés e fluxos. A vida nos leva à conclusão de nossa travessia, em êxtase como Ing em suas reviravoltas, ou como a aurora que dissipa o véu dos mundos e revela o que a noite ocultava, ultrapassando as trevas e levando à compreensão dos opostos. Só assim completamos o círculo e reencontramos nossas raízes ancestrais, colhemos nossos frutos plantados há muito, e nomeamos nosso lar.

Assim são os passos no desconhecido de nosso destino, ou o mistério supremo da nossa jornada, o que apenas os fados poderão responder.

16.5.07

When your day is done and you wanna run; cocaine... She dont lie, she dont lie, she dont lie...

O papel do xamã é descobrir por trás do véu da humanidade aquilo que a natureza, através dos deuses que a personificam, tudo que foi, é e pode vir a ser. Usar deste conhecimento para abrir os olhos de seu povo, e ferir as comodidades e destruir as ilusões que limitam a vida e afastam da felicidade os comuns dos mortais.
Por esta visão, o Xamã, o Hierofante, é uma espécie de herói, resgatando das trevas profundas, do âmago do monstro marinho do subconsciente coletivo, e muitas vezes pagando um preço em incompreensão ou até em sua existência física, normalmente injusto com o benefício que ele pode trazer.
O aprendizado para se controlar durante este mergulho é duro, árduo, longo e desprovido de glamour e prazer. Isto virá, sim, durante o mergulho, e é necessário para que se possa voltar á tona vivo, bem e mais sábio.
Ou os horrores enterrados fundo na alma do mar o carregarão para as profundezas e nunca mais o deixarão sair.
Não é fácil entender o caminho até lá em cima ou até lá embaixo da mente. Falar com as mentes ali presentes, então, demora e exige uma carga de interpretação que ainda estamos longe de adquirir como mortais. Então, no decorrer dos séculos, facilitadores foram evocados de todas as aprtes do mundo natural para isso: Rituais, animais guias, anjos da guarda ou demais guardiões e condutores espirituais, plantas de poder, tendas de suor, isolamentos e jejuns, cogumelos alucinógenos e por aí vai.
Uma lenda perunana diz que um dos primeiros segredos dos incas roubados foi o de sua principal planta de poder sagrada. Cansados de escalar sem costume as montanhas e abismos onde os incas se refugiavam, os conquistadores espanhóis rapidamente descobriram que uma planta da região era mascada pelos nativos para suportar os efeitos da falta de oxigênio.
A planta era usada como ponte para o mundo dos ancestrais. Ela teria ensinado o complexo alfabeto de nós em cordões usados pelos incas, a arte de construir e como viver nas montanhas mais altas do hemisfério sem sofrer.
Quando os estrangeiros massacraram uma das maiores cidades da região do Peru, conta a lenda que o sacerdote, que também tinha as características de xamã, lançou uma maldição naqueles homens. A planta que eles roubaram para seus próprios propósitos iria ser a ruína deles, e os destruiría e aos seus familiares devido à ganância, e a mesma ganância faria a maldição mais a mais forte.
O que mais mata hoje no crime? Qual o comércio ilegal que mais fatura no mundo?
Aquela planta tomou de muitos suas vidas. Ela ofereceu aos descontentes, aos pobres de espírito, aos fugitivos da realidade dura de se enfrentar uma saída. Mergulhava-os no mundo interior onde só os xamãs podem ter acesso e saírem a salvo. E os deixa lá para serem devorados pelos monstros crescidos na futilidade, no desespero e na falta de perspectiva.
J. J. Cale tinha razão. Ela não mente. Mas ela é rudemente sincera. Até demais.

5.5.07

Carol

Acabo de" salvar" junto com minha prima Ana a Carol, outra prima, de um seqüestro.

O mais engraçado é que ela nem sabia que estava sendo sequestrada. Isso só estava acontecendo na cabeça da mãe dela, na mente coletiva de uma gangue daquelas que ouvimos falar nos programas sensacionalistas e nos piores pesadelos de todos os demais.

Sabe o que é mais estranho? É exatamente como reza o clichê. O celular da suposta vítima está desligado, portanto, ela está sem contato. Uma ligação aparece do nada e uma voz chorosa e genérica pede ajuda, uma ligação policial falsa logo em seguida e logo viria algum pedido de resgate ou sei lá o quê. Um acúmulo de lugares comuns de jornaleco.

Ela tinha deixado acabar a bateria, o que me faz pensar que alguém deve ter tentado ligar para ela antes de começar o golpe e descobriu que ela estaria incomunicável. Pessoas, troquem o número se algo assim rolar! Alguma enrolação, e eu me enchi e resolvi ir pra facul dela ver se ela estava no nobre esporte irlandês de encher a cara.

O conhecimento insuperável da botecogeografia de entornos de faculdade foi essencial para achar a Carol, feliz e contente dois segundos antes da gente cair abraçado nela e explicar que só ela não estava em pane na família Avari.

Agora vai virar piada de festa familiar. Mas o entendimento do que é medo passa por aqui!

3.4.07

300!

E enfim eu fui ver algo que eu esperava há mais ou menos uns dois anos: Os 300 de Esparta, ou, como acaba de ficar popular, simplesmente 300.
Quem me conhece vai logo fazer a pergunta clássica: "É fiel ao quadrinho?" e todas as suas variações: "é bom, é melhor ou pior, os atores calharam certo dessa vez, o Santoro dá conta do recado, as imagens são perfeitas?"
Irrelevante. É de longe a melhor adaptação de uma história em quadrinhos já feita. A fidelidade beira o impossível, (pecando apenas pelo tom politicamente correto que permeia o filme todo, mas eu já explico por quê isso pode ser deixado para trás). O autor, Frank Miller, que me perdoe, mas nem ele mesmo adaptou tão bem uma história sua em Sin City quanto Zack Snider com o 300. E olha que Sin City era até agora minha campeã em fidelidade.
Em fidelidade mas não em cinema. 300 consegue a proeza de ser fiel na medida do possível, acrescentar aqueles pedaços que nós colocávamos entre uma cena e outra, funcionar como cinema e não deixar a mensagem esvanecer.
A acusação iraniana de que o filme foi feito agora para falar mal dos persas esbarra em uma coisa óbvia. Não é uma aula de história. Mesmo supondo que 300 espartanos tenham realmente defendido com alguma utilidade o desfiladeiro das termópilas, o que se passa no quadrinhyo não é factual ao extremo. Na verdade, pode ser entendido como mais uma vela na escuridão contra as limitações que o homem coloca a si mesmo a título de espiritualidade, ou sistemas de governo.
Americanos rejubilam-se com a palavra democracia e os espartanos não eram exatamente o que nós chamamos de democráticos? Sim. Os persas não tinham monstros deformados e reis divinizados em batalha? Sim. O filme pode ser visto como uma mensagem política contra teocracias? Sim, e aí os americanos atiram no próprio pé, pois o presidente deles é um dos que levam a bíblia para o campo das leis. O Irã pode se unir aos americanos para protestarem.
Mas o que importa é que os espartanos foram o povo mais durão de todos os tempos. Se alguém poderia ter feito aquilo, foram eles. E Gerard Butler está fantástico como o personagem em quadrinhos mais bem desenhado de todos os filmes. Ele é um desenho ambulante.
E sim, o Santoro foi manipulado digitalmente. Ele não tem dois metros de altura.
E para quem gosta de sangue, é um prato cheio.
Ele tem milhões de defeitos preconceituosos para quem está na onda do politicamente correto. A minha crítica favorita não gostou nada disso (vejam o que ela diz: http://www.lost.art.br/lola_300.htm). Mas eles atenuam até a medula o original. Sem perder a dureza, O rei agora sugere ao corcunda que ele ajude longe da batalha, a rainha tem papel importante, Xerxes não é negro, e os soldados de Esparta não apanham dos outros soldados de Esparta quanto demonstram fraqueza. Isso é ceder ao gosto do grande público, mas se do jeito que está ele já vai sofrer com os mau-humorados críticos do politicamente correto (e lembrando que dois mil anos atrás toda guerra era étnica) Imaginem se o Leônidas despacha o corcunda pro Hades por ele ser disforme. Como ERA o costume de Esparta.
Em suma, não levem mocinhas que se digam virginais ou senhoras conservadoras, não levem intelectualóides e homens de terno e gravata, e assistam sem medo, divirtam-se muito em plena catarse, e lembrem que os bichos são de computação gráfica.
E depois da sessão, quero ver quem não acha que Esparta tinha uma ou duas vantagens sobre o Brasil.