7.2.10

Retratai-vos.


Frazetta: músculos, sexo, monstros, mais músculos no monstro, curvas, mais músculos nas curvas, e toda a potência de um jumbo em uma só cena.

Entre os muçulmanos, existe uma lei religiosa que impede a retratação gráfica de seres humanos (em algumas alas mais radicais, não só humanos). A idéia essencial é de que a criação é exclusividade de Deus e portanto é pretensão humana achar que podemos retratar aquilo que é considerado o ápice da obra divina.


Thor, ou "como Walt Simonson retrata a ação de um Deus contra monstros".

Isso nos deu os maravilhosos afrescos, texturas, arquitetura e arabescos do mundo islâmico, mas em compensação tolheu os artistas muçulmanos de criarem as histórias em quadrinhos, os equivalentes africanos e árabes dos retratos renascentistas e muitas outras formas de representação em escultura, desenho e por aí vai.

A arte em geral é reconhecida como o poder da expressão do mundo interno da criatura senciente e auto-consciente. Dentre as artes clássicas, reconheciam-se seis artes:
1ª, a Música, 2ª a Dança, 3ª a Pintura, 4ª a Escultura, 5ª o Teatro e 6ª a Literatura. Posteriormente, o cinema se tornou a 7ª.


Carmine Infantino: o mestre da velocidade em um papel estático.

Outras artes foram sendo agregadas desde o século 19, embora só o cinema tenha desfrutado de um posto cativo na lista. Ninguém discute que a fotografia é uma arte, mas seu posto de 8ª arte é posto como algo forçado por muitos críticos (dos quais discordo), assim como outras formas expressivas típicas da modernidade. Parece aquela criança birrenta tentando ganhar um lugar na mesa dos adultos. Os quadrinhos seriam a 9ª arte, e são mesmo uma expressão única. Os Videogames (ahahahah) a 10ª e a arte digital (photoshopar capa da play-boi vale?) disputaria o 11ª posto.


Shimamoto, o mestre do PB Brasileiro. Medo!

Não se discute o papel de cada representação destas, mas abrir demais o leque além destas 11 fica difícil. O videogame é altamente discutível, diga-se de passagem, dado que não se cria videogame sem pretensão de lucro e sem todo um esquema empresarial por trás dele. A videoinstalação, audioinstalação, cinestesioinstalação não são capítulos à parte nisso tudo? A arte não é inerentemente inútil, como dizia Oscar Wilde?


O Brasil tem seus supers. Raio Negro, Capitão 7 e Velta.

Tudo isso para dizer: amo quadrinhos. A representação humana nos quadrinhos é algo que extrapola o realismo, finca as bases de uma nova forma de retrato mítico da saga do herói, do poder imensurável, do mal em sua mais monstruosa roupagem, tudo isso junto! Os quadrinhos (mais uma coisa desconhecida) nasceram no Brasil na sua forma hoje conhecida, descendentes diretos das charges do século XVIII, mas apenas após jornais americanos publicarem tiras no formato se tornaram conhecidos do grande público mundial.


Desafio-te a encontrar um rosto igual a outro em um desenho de George Perez.

Não dá para imaginar como os antigos gregos imaginavam seus heróis míticos sem pensar que de alguma forma eles tinham em suas imaginações o poder de retratação que vemos hoje nos quadrinhos. Afirma sem pestanejar que a tecnologia de efeitos especiais evoluiu por pura inveja do poder dos quadrinhos de representarem o absolutamente irreal, e não é coincidência que o lucrativíssimo ramo do cinema de super-heróis ganhou espaço quando Matrix detonou os limites do que pode ou não ser mostrado em uma tela.


Frank Miller em sua melhor história, mas antes dos delírios gráficos belíssimos de Sin City.

Portanto, senhora mãe, senhor pai, quando seus filhotes estiverem com uma revista do Wolverine nas mãos, não o censure, não o mande fazer redação. Dê para ele o "Eu sou Wolverine", de Frank Miller e Chris Claremont, e digam que se ele quer ler o velho carcaju, é com aquilo que ele deve começar. Pois daquilo lá para encarar "Shogun", Jack London e Ernest Hemingway é um pulo.

Quando seu filho perguntar o que é um morro carioca, deixe-o ler o Zé carioca do Renato Canini (abaixo). É mil vezes mais saudável do que assistir qualquer filmeco favela-gangue-pobre-e-preto-se-matando tão ao gosto da classe média conservadora do país.


E quando ele começar a te perguntar se você tem um CD com a abertura 1812 do Tchaikovski, pode acreditar. É culpa de "V de vingança".

2 comentários:

Mary Joe disse...

Ri, seu texto nos dá vontade de ler quadrinhos. Parabéns, ficou muito bom.
Beijokas
Mary

Unknown disse...

A mitologia e o teatro dos gregos, e tudo que Shakespeare escreveu, são os pilares de grande parte do que inspirou as narrativas de quase tudo no decorrer dos últimos 2500 anos. Isso, considerando a questão de enredos mais complexos, uma vez que desde as pinturas rupestres, já existem sinais de como contar para as gerações futuras, por meio de sequências em desenhos. O quadrinho insere à literatura e a cinematografia. Como não se impressionar com as sequências cinematográgicas de Frank Miller em A queda de Murdock (Demolidor)? Ou o fantástico desenho-animado quadro a quadro em que Jack Kirby nos brindou com o mundo dos Deuses Nórdicos em THOR? Ou a gênial adoção do clássico da literatura americana Chamado Selvagem por Charles M. Schulz para um episódio do Snoopy em que luta com huskies siberianos pela sobrevivência no gelo (além das trilhas sonoras de jazz)? As discussões filosóficas do Monstro do Pântano, de Alan Moore, com um "Deus" em formato de um cilíndro (sem contar Watchman, Do inferno, "V", etc)? E as expressões máximas do colonialismo europeu e norte-americano com Tin Tin e Jonny Quest? O ocultismo deixando de ser obscuro em Sandman, do Neil Gaiman? E como não falar do já saudoso Glauco com seu Geraldão, sem dúvida o mais completo e reflexivo Édipo retratado na história contemporânea? Precisa mais?